Capítulo 3: Dia de São Valentim

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  Era 14 de fevereiro, dia de São Valentim. Um dia antes, Koga propôs a Nicholas um passeio em Sapporo em virtude dos dias que estavam sem se ver. Nicholas relutou antes de aceitar o convite. Achava, sim, que deveria visitar seu amigo de vez em quando, mas Sapporo estava muito longe de Asahikawa, é só imaginar a viagem o deixava exaurido. Entretanto lá estava ele em Sapporo, no dia de São Valentim, descendo as escadas do metrô onde marcou de encontrá-lo.
  Sempre foi fácil achar Koga: ele era alto, tinha olhos pequenos, uma pele brilhante e costumava usar o cabelo repartido ao meio, no entanto Nicholas não conseguia achá-lo em lugar algum. Pensou que, talvez, ele não tivesse chegado, ou que tivesse saído rapidamente para ir ao banheiro, porém Koga também não atendia às suas ligações.

  Não aparentava, mas Nicholas era um homem de muitas preocupações, e apenas a demora de seu amigo era o suficiente para aflorar a sua imaginação. E se ele foi sequestrado em meio ao caminho? E se acidentou-se no vão entre o trem e a plataforma? E se foi ao banheiro e ficou preso dentro de uma cabine? Ou tropeçou e bateu a cabeça na ponta da pia de mármore? Suas pernas tornaram-se inquietas, almejavam sair andando para procurá-lo, mas alguém com uma mão leve, tocando-o em seu ombro, o coibiu. Não era Koga, e sim uma moça lindíssima, ataviada com brincos e pulseiras.
  — Licença, você é o Nicholas? — perguntou ela.
  E que voz cândida ela tinha.
  — Sou. Eu te conheço?
 
  Ela sorriu, de um encanto miraculoso, e disse:
  — Meu nome é Azuna. Koga disse que você estaria aqui.
  Nicholas ergueu as sobrancelhas.
  — Você o conhece? — questionou. — Pode me dizer por que ele não está atendendo?
  Azuna franziu o cenho.
  — Eu o conheço, mas… — e então ficou em silêncio, indicando, embora estivesse óbvio, que não saberia responder a segunda pergunta. Foi quando o celular de Nicholas vibrou três vezes e três mensagens de Koga apareceram na interface da tela de bloqueio.

  LINE
  K: Azuna me disse que já te achou.
  K: Arranjei um encontro às cegas pra você. Me agradeça mais tarde (;
K: Ela é bonitona. Não deixe passar dessa vez!

  O sangue de Nicholas ferveu de modo que poderia ser possível cozer batatas. Suas mãos tremeram como treme a água em ebulição, e se fosse possível, fumaça sairia de seus ouvidos. Ele ligou para Koga imediatamente, mas a chamada foi recusada de velocidade semelhante à prontidão com que ela foi feita.
  — Pilantra… — ciciou.
  — Perdão? — titubeou Azuna.
  Nicholas a ignorou. Mostrava a ela apenas suas costas, ciciava sozinho e bufava enfezado subsequente a cada chamada recusada.
  Ela esperava muitas coisas em um encontro às cegas, menos se sentir invisível. Seus brincos coruscantes foram perdendo o brilho de modo proporcional com que ela perdia o de seus olhos. Estivera tão empolgada no caminho, embora não quisesse admitir, e até pôs as pulseiras que lhe causavam coceiras nos pulsos, para, no final, ser posta de lado como algo insignificante. Depois de inúmeras tentativas, Nicholas abaixou o celular como um soldado abaixa sua arma ao render-se ao inimigo. Estava entregue à travessura, preso na rede do barco de pesca.

  Ele virou-se derrotado em direção a Azuna, que contemplava distraída com um semblante fechado. Sua linguagem corporal estava distante: ela estava próxima dele, mas seu corpo estava virado para a direção oposta, tal qual sua cabeça e rosto. Foi quando ele reparou que ela era realmente bonita. Seu cabelo era tão escuro quanto ébano e seus olhos eram de um castanho mais claro que o usual. Sua franja era uma linha perfeitamente reta na altura de suas sobrancelhas escuras e naturais. A beleza dela partia de uma certa estranheza, pois não havia cor alguma em seu rosto se não a própria palidez, com exceção de seus lábios, tingidos de um vermelho delicado. Ela era, talvez, a personificação do que Francis Bacon havia dito: "Não há beleza perfeita sem uma certa estranheza na proporção".

  Ela segurava algo em suas mãos — uma pequena caixinha —, e quando reparou que Nicholas havia terminado de bravejar ao telefone, estendeu-a para ele.
  — São chocolates obrigatórios. São para você — disse, com má vontade aparente.
  Nicholas a encarou. Até mesmo ele não podia deixar de admirá-la. Entretanto, existe diferença entre admirar a beleza de alguém e gostar dessa pessoa. Ele a achava linda, é verdade, inclusive queria saber de onde Koga a conhecia, mas ela não fazia seu coração bater mais rápido, tampouco borboletas voarem em seu estômago.
  — Azuna, eu não posso aceitar esses chocolates. Não concordei com esse encontro. Achei que passaria um dia com meu amigo, mas ele mentiu para mim.

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