Me perco nas lembranças daquele dia enquanto ela me beija, mas isso não pode acontecer, não de novo, eu prometi a mim mesmo que não faria mais isso, eu mudei, eu sou uma nova pessoa.

Interrompo o beijo e deposito um no topo da sua cabeça a abraçando.

-Jiji isso não está certo, nós não podemos fazer isso de novo, você sabe.

-Mas Fred eu...

-Mas nada Jiji, eu agradeço muito por você ter vindo me fazer companhia hoje, mas não podemos fazer isso, não mais.

Ela solta um suspiro pesado pela boca e se solta do meu abraço indo fazer pipocas, subimos para o meu quarto e ficamos abraçados na cama vendo filme.

No dia seguinte eu acordo cedo e faço um esforço para não acordar a Jiji, tomo um banho e visto uma calça social preta e camisa de mangas curtas também preta, calço um sapato preto e saio de casa.

Vou caminhando pelas ruas enquanto escuto músicas tristes, chego ao cemitério e não me dou ao trabalho de comparar flores, minha mãe já não está viva para cheira-las.

Me sento perto da cova onde estão enterrados meus pais e começo a conversar com eles, ou melhor, contar minhas coisas para eles, como eu estou aqui quase todo mês, pouco tenho para contar a eles, me deito ali com eles e conto também sobre a mulher do café, pela primeira vez não estou chorando quando visito meus pais no seu aniversário de morte.

Eu sei que não é muito saudável,nem aconselhável, ter os pais mortos e irmão mais velho, que vive em outra cidade, como os únicos amigos, mas é que o meu conceito de amizade é bem diferente, durante a minha juventude, não que eu esteja velho agora, minha vida sempre foram festas, drogas, mulheres, coisas que olhando agora, eu considero erradas...

Eu não me orgulho disso, mas como não tem como mudar o passado, pelo menos eu tento acertar no presente.

Depois de sair do cemitério eu vou até ao parque, estou caminhando distraidamente quando de repente vejo cabelos pretos esvoaçantes, não quero parecer um maníaco nem nada, mas também não vou perder a chance de falar com aquela moça outra vez, se for mesmo ela é claro.

Me aproximo dela devagar e me sento, ela parece muito distante, está tão perdida em seus pensamentos que nem nota minha presença, tem os olhos fixos no horizonte, como se estivesse em outra dimensão, parece que uma briga existencial está se desenvolvendo agora mesmo dentro dela, prefiro não interromper esse momento e espero até que ela volte a si.

Passaram quase cinco minutos e ela não notou minha presença, quando vejo ela se inclinar pra pegar uma pedra no chão e arremessar no lago decido me pronunciar.

-Oi... você se lembra de mim?- pergunto após ela virar o rosto na minha direção.

-De onde você saio?- ela pergunta fazendo uma cara um pouco espantada.

-Eu estou aqui há uns minutos já, não queria te incomodar.

-Então devia ter continuado calado - disse ríspida e se preparou pra se levantar.

- Você é sempre assim mal educada com as pessoas?- me levanto também.

-Eu não sou mal educada, só não conheço você - começou a caminhar pra longe de mim.

Não me dou por vencido e vou atrás dela.

-Para um pouco, vamos conversar.

-Não, muito obrigada, eu sei perfeitamente onde as conversas de homens ricos como você acabam - ela me olhou de cima a baixo e fez cara de nojo.

Eu fico uns segundos sem reação, apenas olhando enquanto ela se afasta.

-Por que você tem essa impressão tão errada de mim? Eu nem sequer sou rico.

- É que depois de alguns anos você consegue notar um padrão nas coisas, e você se encaixa no padrão dos solteiros bem sucedidos que usam as mulheres como objeto de prazer e depois jogam fora, e você não me parece ser pobre - ela me lança um sorriso cínico e continua a caminhar.

Penso em pedir uma chance para provar o contrário, mas isso seria um completo clichê e só encorajaria ela a continuar pensando isso de mim, então decido ir por outro caminho, uma abordagem mais subtil.

-Só me fala o seu nome.

-Não, eu nunca conheci ninguém tão insiste assim. Nome é uma coisa pessoal da pessoa, não posso simplesmente dar o meu pra você.

- Está bem, mas eu ainda vou descobrir... para que lado da cidade você vai?

- Por quê você não consegue fazer uma pergunta normal?

-Porque muito provavelmente todas elas já foram feitas - dou um pequeno sorriso e coço a cabeça.

Ela apenas me olha e abana a cabeça, ela tenta, mas não se vira rápido o suficiente para me impedir de ver o sorriso que se forma em seus lábios.

Me apresso e consigo alcança-la.

-Então, para que parte você vai?

- Porquê quer tanto saber disso?

-Quem sabe estamos indo pra o mesmo lado e eu possa dar uma carona pra você...

-Não, não estamos, e um dos maiores erros que alguém poderia cometer na vida, seria exatamente aceitar carona de um desconhecido.

-Mas eu não sou um desconhecido.

-Ai não?! É o que então?

- Alguém que você está conhecendo aos poucos.

- Você é realmente impossível.

-Então, o que você estava fazendo lá na beira do lago?

-Pensando...

Ela parece não querer falar sobre esse assunto, então eu começo a falar coisas mais leves e fazer algumas piadas, não que eu seja bom nisso.

Vamos conversando até a paragem do autocarro e lá eu me despeço dela.

Começo a caminhar pra casa com um sorriso bobo no rosto, é a primeira vez que eu tenho esse sorriso, nunca na minha vida passou pela minha cabeça que eu estaria com esse sorriso clichê nos lábios, e principalmente, por uma mulher que só vi duas vezes na vida.

De repente meu sorriso morre e me lembro que não sei o nome dela, me viro para voltar e perguntar, mas só consigo ver as luzes do ônibus se afastando.

...

Chego em casa e encontro um bilhete da Jiji colado na geladeira dizendo que já foi pra casa e deixou comida pra semana toda.

Essa mulher é um anjo, sem ela eu com certeza já teria morrido de fome. Devia aprender a cozinhar, ela não vai estar para sempre disponível para cozinhar para mim.

Pego meu telefone e finalmente decido abrir a mensagem do reitor, não que eu o estivesse ignorando, mas as vezes ele é muito chato e tem umas conversas que eu não entendo nada.

Fico um pouco abalado quando vejo a mensagem do reitor falando que o professor Darwin teve um acidente de carro e está internado no hospital, vou ter que ficar com a turma dele pelo resto do semestre, porque pelo que o reitor disse o acidente foi um pouco grave e ele partiu a perna esquerda.

Termino de ler a mensagem e em seguida a respondo, peço o horário do professor que vou ter que substituir e uns minutos depois o reitor o envia.

Depois de receber o horário, me coloco a elaborar um tema para essa nova turma de jovens sonhadores que desejam encantar o mundo com os seus escritos.

Termino de preparar a minha aula e a da turma nova e me deito na cama com uma mão embaixo da cabeça e fico olhando as estrelas no teto do meu quarto, elas são projetadas de um enfeite que minha mãe me deu quando eu tinha 4 anos, por causa do medo do escuro, eu já não me lembro disso, mas minha avó sempre me contava histórias de como meus pais eram.

Às vezes eu me pego um pouco triste por não ter nenhuma lembrança verdadeira dos meus pais a não ser os sonhos que tenho com eles às vezes e algumas fotos, seria bom se eu pudesse pelo menos ter uma lembrança de um momento feliz que passamos juntos.

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⏰ Last updated: Dec 23, 2023 ⏰

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Na esquina de um café (Sem Revisão)Where stories live. Discover now