Contos Oníricos

Sem Perceber

Talvez essa seja uma história clichê.

E se você não gosta de clichês, não gostará desta também.

Fazia algum tempo que eu não estava me importando em olhar em volta, mesmo quando havia sinais eu preferia ignorá-los e seguir minha vida. Era mais fácil assim, evitaria mudanças e encontro desnecessários que só me fariam desprezar ainda mais o amor romântico. Nesse meio tempo, eu achava que você era louco, completo lunático, descontrolado e retraído ao mesmo tempo, te fiz de tolo e ainda fiz chacota de você pelas suas costas. Sim, você chegou e todos te aceitaram como um verdadeiro frouxo. Desculpe falar assim tão claramente, mas eu fazia parte dessa gente.

Eu via você me olhar pelo vidro de sua sala enquanto eu passava pelo escritório indo até o objetivo que eu tanto corria atrás durante a semana. Sempre em ritmo frenético, sem paradas para olhar em volta. Foi aí que eu realmente achei que você era louco, pensava: "esse cara fica me encarando", "olha lá, de novo", "será que eu estou engraçada?". Frases feitas de clichês.

Até que um dia minha percepção mudou e eu passei a observar você, de uma brincadeira surgiu um sentimento, algo que eu gostaria de esquecer, mas fica aqui martelando meu peito. Engraçado como as coisas mudam se nos dispusermos a olhar diferente, perspectivas realmente são magias disformes perdidas nos cantos do mundo. Até te dei um apelido fofinho, que apenas os mais íntimos sabiam. Um que tinha a ver com sua origem, mas nada a ver com você. Sim, todo mundo passou a te chamar assim. Já não era segredo para ninguém, só para você.

Ao te observar percebi que você também ia até mim, de uma forma ou de outra, fazia questão de se mostrar a minha volta, seja por um segundo, ou sentando ao meu lado numa festa. Era parte do seu charme que agora eu via. E nessa parte eu achei que a louca era eu. Então decidi arrancar tudo isso de mim, era um amor improvável, eu se quer me via como mulher como poderia querer que você me visse também? Na minha mente confusa eu não tenho nada de atrativo, somente caos, desordem e baixa autoestima.

Ignorei toda e qualquer investida, ou pelo menos para mim parecia uma investida alguém querer conversar comigo sobre as coisas que gosto. Não é tão normal assim isso acontecer. Evitei encontros, passagens pela sala, olhar para você. Me afastei, desconstruí a relação de quase amizade que tínhamos, mas percebi que isso poderia prejudicar nossas relações pessoais além do universo de nós dois. Então troquei para algo mais casual, como uma terapia em grupo. Os sorrisos guardei e deixei escapar os olhares 43 que eu dava para você enquanto você não via.

Até que um dia uma situação inusitada e clichê aconteceu.

Era por volta das 12h, saímos com todos para almoçar e ir às compras para a festa que logo mais organizaríamos. O roteiro era ir a um bom restaurante e depois a loja de artigos de festa. Ambos ficavam próximos dentro de um shopping então não teríamos como nos atrasarmos. Após o almoço chegamos à loja juntos, mas nos separamos com as listas para sermos mais rápidos, eu tomei meu rumo encantada com as nossas tendências e temas de festas que desconhecia. Sem perceber você me seguia de perto, se eu fosse parar para pensar agora você foi bem um stalker.

Como que por acaso você se aproximou, permitindo que iniciássemos uma conversa casual. O tempo passou devagar e a atmosfera parecia pertencer a nós dois. Eu caí de novo no terreno da esperança. E então tudo aconteceu. Ouvimos vozes se sobressaltando pela loja, enquanto as pessoas corriam para dentro dela. Nos perdemos de nossos amigos e corremos com o fluxo de pessoas que procurava lugares para se esconder. Em pouco tempo procurando já havíamos ficado sem lugar e o alarme da loja começava a soar. Desconfiamos que poderia ser um assalto ou algo pior, fomos para o fim da loja e nos escondemos dentro de uma despensa, um lugar empoeirado cheio de cadeiras velhas empilhadas e outras coisas usadas na decoração da loja.

Eu te falei que essa era uma história clichê.

Não ligamos a luz para não alertar nenhuma possível busca naquele lugar, meu coração saltava no peito, a correria e o susto haviam causado essa situação. Mas ao entender que estava ali sozinha com você ele novamente voltou a galopar. Agora de outra forma. Me encostei em uma parede tentando me acalmar, você viu que eu parecia desconfortável e me chamou para sentar ao seu lado, duas cadeiras foram preparadas por você. Eu me sentei, respirando fundo, afastando da minha mente o medo e sua presença, precisava retornar ao meu normal, ou poderia fazer alguma besteira.

Foi então que senti seu toque em meu rosto me acordando do transe. Seus olhos estavam tão perto dos meus, você estava agora à minha frente, ajoelhado como os príncipes dos contos de fada, segurando com uma das mãos meu rosto e com a outra meu ombro.

— Você está bem? — você me perguntou.

Eu não consegui responder, me perdi em seu olhar tão próximo do meu, como que sentindo meu desamparo você se aproximou ainda mais do meu rosto. Esperando para que eu o afastasse ou o trouxesse para mais perto de mim. E como uma boa e velha garota boba eu travei.

Você então se afastou esperando que eu me recompôs-se. Entendendo também que aquele não era o momento. E quando dei por mim, estava de pé à sua frente esperando pelo toque de suas mãos. Você sabia, desde o começo, parecia ler em meu jeito, tudo que havia ali no meu peito. Lentamente senti seu toque subir pelos meus braços, até que suas mãos pararam respectivamente em meu pescoço e cintura. Você me puxou contra si, me fazendo sentar em seu colo e devagar, tão devagar quanto um mar calmo, você me beijou.

Um beijo cheio de ternura, seu abraço era mais doce que o açúcar e lentamente eu me uni aos seus movimentos. Conforme o tempo ia passando a urgência foi crescendo e no lugar da doçura a procura passou a reinar. O desejo tomou lugar entre nós, não nos importávamos com o que acontecia lá fora, era ali dentro que o mundo queimava. Suas mãos passearam pelo meu corpo enquanto eu apreciava seu gosto. E foi assim que a história clichê terminou, com um intervalo de tempo que eu desconhecia, porque do nada você se tornou meu tudo.

E para você que não gosta de clichê, eu te convido a olhar a sua volta, porque muitas vezes sem perceber o amor está do seu lado.