LÍNGUA PORTUGUESA (2021)

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Hoje acordei tarde demais com o toque do telefone quase estourando meus ouvidos. O chamado era para um crime não muito longe de onde eu estava. Lavei o rosto, vesti roupas limpas, mas nada seria capaz de disfarçar o odor de uma noite regada a uísque e cigarros. Até mesmo quarto estava uma bagunça. A TV estava sem sinal com a antena quebrada captando somente estática e o ventilador de teto girava tão devagar quanto uma corrida de lesma.

Esse era o quarto mais caro dessa pousada.

Peguei um táxi que furou todos os sinais amarelos e vermelhos. Quase vomitei no caminho. A ansiedade da barriga vazia e abstinência de qualquer droga me deixavam tão para baixo quanto um show de MPB no Ano-novo.

A cena do crime não era tão bonita de se ver. A melhor comparação que consigo traçar é quanto se vê uma pintura abstrata de um artista ainda vivo, jovem, sem formação e novo no ramo. A Língua Portuguesa estava nua deitada de mau jeito embaixo de um lençol. Seu corpo estava pior que uma peneira e as cápsulas das balas estavam dispostas na calçada e na rua. A Avenida seguia o seu ritmo sem parar, por mais que alguns desacelerassem o passo para olhar de esguelha a tragédia.

Peguei algumas das cápsulas para inspeção. Olhando mais de perto consegui enxergar alguma palavra com algum erro esdrúxulo em cada uma delas. Os ângulos na carne indicavam atiradores de todos os lados. Li algumas em voz alta no Morgue.

— "Açado, cabelelereiro, chícara"... — E assim por diante.

O Legista estava quase dando causa perdida. Alguns paramédicos quase arrombaram as portas com desfibriladores, gazes e analgésicos em mãos enluvadas. A solução milagrosa naqueles equipamentos estava etiquetada como:

Licensa poética.

Nada disso adiantou, pois eu disparei sem perceber, à queima-roupa, na linha anterior.

Fui augemado e preso no ato.

Agora estou atrás das grades, e assim irei permanecer por mais tempo do que concigo contar. Realmente me pergunto se a Língua Portuguesa realmente se incomoda, de verdade, mesmo, com as facadas de redundâncias ou os socos e chutes da má pontuação. Pois, logo que ressuscitara, através do tal "Novo Acordo", ela retirou as queixas e todos nós e saímos livres com adivertências de nos encontrarmos na condicional.

Peralá! Ops, eu fiz de novo.

De volta as augemas e o cársere continuo a pedir perdão em vão. Com tudo, sei que um dia tudo ficará bem. Ela é flecsível e abrassa a todos, sejam bons ou ruins. Quando meu Adevogado alegou que meu caso não era pura intenção, mas sim pura loucura fui levado de volta a primeira série. Aprendi muito com todo esse tempo de sobra e li um bocado de coisas diferentes. Uma hora todas as luzes se apagam e quando estou sozinho com meu silêncio começo a cantar sem parar.

— "Eu te amo, Língua Portuguesa"... "Eu te amo"...

A Fantastibulosa Fabriqueta MUSION de Textos DiversosOnde histórias criam vida. Descubra agora