#10: é, eu sou um desmantelo mesmo

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Precisei encontrar, onde não tinha, coisas para fazer no estúdio. É o problema de sustentar uma mentira. Revisei cinco roteiros até que a equipe de limpeza fosse embora. Separei duas opções de looks para cada pessoa do elenco, a fim de que a figurinista aprove, até que os atores saíssem. Ajustei planilhas de horário e local de gravações até que os diretores fossem embora, e, enfim, só restasse nós dois — e a recepção e seguranças do local, responsáveis por trancar tudo até as dez da noite. No relógio da parede indicava que eram nove e meia. Enquanto tudo acontecia, Joseph permaneceu sentado relaxadamente mexendo no celular e, de vez em quando, erguendo o olhar até mim como quem não quer nada.

— Qual o endereço da sua irmã? — pergunta repentinamente, no momento em que eu recolho uma boa papelada no braço.

Olho para ele por trás do ombro, meio inclinada na mesa.

— A gente não vai pra casa da minha irmã, idiota.

— Não?

Sua voz soa atrás de mim, e escuto quando ele se põe de pé e começa a caminhar na minha direção. Se põe de pé. Sorrateiramente, minha memória voa até os momentos em que eu estava tão entediada durante as gravações, que fiquei observando os sapatos de Joseph. Ele deve calçar mais do que quarenta. Eu acho. Não sei, mas o pé dele é bem grande.

Joseph para ao meu lado com as mãos escondidas nos bolsos. Coitadinha de mim se acho que ele vai se oferecer para me ajudar a carregar as coisas.

— Poxa, me desculpe por não entender seus códigos morse — completa ele.

— É óbvio que eu menti — bufo, espantando a franja da frente do olho e caminhando até uma sacola plástica nos arredores que vou usar para enfiar todos os papéis. — Você vai me levar para a minha casa.

— Vou?

— Sim.

— Se você disser "por favor" e pedir com carinho, quem sabe.

Surpreendentemente, ele pega as bolsas no chão e me ajuda a carregar. Nós começamos a caminhar juntos até a saída do andar, à caminho do elevador, enquanto eu tento disfarçar a surpresa.

— Nem fodendo — retruco.

— Então eu te deixo aí plantada. Você dorme nos armários.

Querido, eu saí do armário com vinte e dois anos, minha mente piadista do ensino fundamental pensa, mas não verbalizo, pois fico com vergonha de imaginar que ele não ache engraçado e eu fique com uma cara de tacho sem reação.

— Eu vou de ônibus — apago a luz e ele puxa a porta para fechar, um lindo trabalho em equipe —, não tem problema.

— Como você consegue ser tão cabeça dura?

Dou uma risadinha. Adoro quando me chamam de chata ou de qualquer coisa que remeta a isso. Para mim é um elogio. Um forte desvio de caráter, certamente.

— É o meu jeitinho.

Nós descemos de elevador em silêncio. Lado a lado, carregando pesos catastróficos, encarando a porta metálica se fechando e em seguida escutando a respiração um do outro. Muito embaraçoso.

A falta de diálogo me dá espaço para finalmente pensar nas últimas atitudes impulsivas que tomei e questionar seus devidos valores. Quando estou começando a voltar atrás, lembro das bochechas coradas de Olivia, puta da vida, e desisto de desistir. Nesse ínterim, a descida dentro do elevador parece infinita. Um andar, e uma eternidade até o próximo. O olho de canto de olho, mais discreta que consigo, e analiso seu perfil.

A barba crescendo no pescoço e subindo pelo maxilar e bochechas, o contorno no nariz arrebitado de lado, os poros sendo iluminados pela branca lâmpada artificial desse pequeno cubículo onde estamos. Ele fica passando a língua pelo lábio inferior de forma natural e imperceptível, um verdadeiro hábito, e encara a porta do elevador com a testa franzida. Com certeza também está pensando nessa demora e nesse silêncio estranho. Vejo o movimento da garganta descendo e subindo quando ele engole em seco e, ao mínimo sinal de movimento volto a olhar para a frente, temendo ser flagrada.

as you want || joseph quinnWhere stories live. Discover now