PREFÁCIO - Nuvens Cacau

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Talvez essas palavras soem um pouco egocêntricas, mas ser narradora me coloca no céu como uma espécie de Senhora das Nuvens, bom... seriam Nuvens Cacau. Como se eu pudesse controlar suas emoções, sentidos e até mesmo te manipular para visualizar o que eu quero, quando quero e onde quero. E por mais que claramente eu tenha esse poder, agora, nesse momento, apenas quero lhe contar o que vejo. Uma pequena historinha recheada de doces, mesmo que tenha uma parte sombria.

Regina Velez, conhecida como Gina, é uma confeiteira com um dom espetacular. As pessoas a elogiavam sempre que provavam, seja lá o que desse na telha dela cozinhar, e os doces? Se destacavam, na verdade um tipo de doce, um em especial, fazia dela a Rainha Açucarada.

Cacau.

Essa mulher é especialista em cacau.
Estudou por anos cada mísera parte do processamento que o trazia desde a terra até as embalagens laminadas que aparentavam ser ouro asteca. Não apenas o conheceu, mas o aprimorou. Começou derretendo barras já prontas, testando ingredientes, criando novos sabores e tudo isso teria funcionado para uma confeiteira de mente pequena, mas a dela é grande.

Gina não queria apenas modificar cacau industrial, ela queria criar o próprio chocolate do zero.

Você sabe como fazer chocolate caseiro?

Não se preocupe, não vou te dar uma aula monótona de gastronomia básica, apenas dizer que não é fácil. Exigem equipamentos caros para domar a castanha do cacau que geralmente as indústrias possuem... é, eu disse geralmente.
Demorou meses, para dramatizar, anos, até que realmente chegasse no ponto certo. O ponto digno de ser chamado de Dom da Confeitaria. E ela conseguiu.

Exceto por uma pedrinha no caminho, o que não te contam quando você está lá sorrindo divagando uma ideia absurda, é que tem consequência. Não que Gina não soubesse, ela é bem determinada e corajosa, aguentou muito os críticos culinários que a desprezaram.

Haveria uma parte ruim, apenas é difícil ver a parte ruim quando se está rodeado da parte boa.
O povo amou o Chocolate Velez, como ela havia intitulado. Começou vendendo de vizinho em vizinho, depois de bairro em bairro, após isso, de zona em zona, até que Gina se viu trabalhando demais e dormindo de menos.

Tendo em vista que o que havia em comum entre todos os seus clientes, é que ficavam obcecados pelo maldito cacau. Ela abriu uma loja, pequena, o único lugar disponível na cidade na época, em um quarteirão bem antigo de Lisboa. As vendas foram tão altas que quase não tinha que ter um plano de marketing, os próprios clientes fanáticos vendiam por ela. Não apenas o chocolate em barra, Gina foi esperta e começou a confeitar bolinhos, biscoitos, trufas e até mesmo sorvete.

E, é claro que quando se coloca música alta, a multidão escuta, uns cantam com você, outros contra você e ainda tem os que fingem gostar da sua voz.

A legião de fãs era grande, mas o desejo de uma empresa local de cacau de acabar com o sonho de Gina era bem maior. Afinal, a indústria odeia o manual desde a Primeira Revolução.

Se falarmos sobre a Revolução, é bom lembrar que no início o povo foi resistente assim como a Gina. Ela recusou a oferta de compra da sua receita secreta, porque a verdade é que nada ultrapassava seus princípios e um deles era negrito: Nunca se mecanizar.

A loja se tornou maior, o que era uma pequena casa se tornou duas, três, quatro e um dia, um quarteirão inteiro. Até a chamavam de filha do Willy Wonka, e se você tem uma fábrica gigantesca de chocolate premiado que lhe rendeu uma fortuna, precisaria de um herdeiro.

A palavra "Dom" que diziam sempre que Gina tinha, a fez ter um carinho especial ao elogio e deu ao seu filho.

Dominique Velez.

Um menino de nove anos, cabelos castanhos que cobriam o rosto quando não penteados para trás, bem quietinho, mas também bem arteiro, e olhos verdes como uma floresta de cacau.

Esse é o herdeiro que a Rainha Açucarada está criando para um dia ser o Rei.

Ele brinca por toda a cozinha, não larga o carrinho verde em miniatura antiga que implorou à mãe que lhe presenteasse. É bem brilhante e rápido. Passeia todos os balcões e até mergulha na farinha, enquanto tudo está um caos pela loja. Funcionários, são muitos, subchefes, chapistas, ajudantes de cozinha, garçons, padeiros e a mãe dele. A chefe confeiteira de todos que dita as regras com um sorriso, doçura e destreza.

Ela murmura itens alimentícios como uma lista de compras e ele a escuta, contra todas as hipóteses pelo caos gastronômico, ele a escuta. Dom sempre foi um menino esperto, sistemático e muito bom observador.

"Manteig... teiga de cacau, açúcar, farinha cacauzada, leite em pepitas e..."

Cantava baixinho, ronronando como se riscasse uma lista mental, mas na última palavra ficava em silêncio. Nunca disse em voz alta e ninguém sabe o final, como poderiam se ela sempre terminava o toque final sozinha apenas com o filho?

Ele é o único que sabe.

Correção: Ele é o único vivo que sabe.

Gina morreu segundo a autópsia, por alta glicemia, que ocasionou em sintomas como prostração, vômito, confusão mental, dor abdominal e dificuldade respiratória que não foram tratados de imediato, já que estava sozinha com uma criança. Foi encontrada inconsciente, com o filho tentando reanimá-la, encharcado de chocolate quente que ela sempre tomava de manhã e derrubou no desmaio.

Dominique não poderia assumir a fortuna de cacau do testamento da mãe até que completasse a maioridade. Gina era mãe solo de um casamento fracassado com um bêbado e com ninguém apto a cuidar dele a não ser uma amiga sem parentesco, o menino foi levado ao orfanato.
Se já era quieto, se tornou ainda mais calado, observador e o recheio de tudo isso era o trauma. Embora para todos que o admirassem vissem um tímido sem fala, ele tinha um amigo. Aliás, dois amigos idênticos, os gêmeos ruivos que amavam brincar com números. E para um garoto que era obcecado por filmes de hotelaria e administração, a amizade foi bem útil, afinal, nada se faz sem um bom controle numérico financeiro. Mathias era seu alívio cômico com respiro em festas e Matheus o fazia se sentir capaz de tudo, sempre lhe guiando para o melhor caminho.

Ele se tornou um homem com o sonho de homenagear a memória da mãe. Sabe aquele ditado? Ele tinha a faca e o queijo na mão? Tinha um queijo endinheirado e uma faca de memória que o perfurava. Criou um Queijo Brie de luxo muito bem fatiado.

Dominique fundou o Velez Cacau Hotel, um enorme prédio verde com detalhes dourados que embelezava a mesma rua da antiga loja de sua mãe. Se tornou um hotel temático com atrações famosas ao longo das estações e até mesmo nos dias mais comuns é muito frequentado devido aos chocolates em todos os lugares. Os travesseiros de cacau são os mais comuns dentro desse lugar, acredite.

Linda história, não?

É meio mórbida, eu sei, mas vou estragá-la um pouquinho mais para você, lhe contando o cenário atual.

É óbvio que não é possível erguer um hotel luxuoso da noite para o dia e muito menos manter por mais de uma década. O Rei Açucarado namora uma garota riquíssima da família LaBouff, tal família que fez investimentos altíssimos no prédio hoteleiro.

Deve estar se perguntando qual o problema nisso...

Eu vou apenas deixar um gostinho de leitura aqui e quando acabar essas páginas açucaradas, vai entender.

Correção: O Rei Açucarado namorava uma garota riquíssima da família LaBouff.

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E aí? Ansiosas?
Deposite sua teoria aqui...
Enquanto a Amazon não libera.

Dramaticamente,
BRITS.

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⏰ Last updated: Jul 19, 2023 ⏰

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SUGAR: O Herdeiro e a Confeiteira Where stories live. Discover now