único

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Ainda se lembrava do cheiro de alvejante barato impregnado no chão do hospital. Lembrava das flores que pegou na entrada, porque repetia esse mesmo processo há meses.

Richarlyson não entendia bem porque não se lembrava muito de sua vida atualmente, mas se lembrava de cada visita no hospital. Sempre com um desenho novo, rabiscado com seu giz de cera novo num papel duro que era melhor para desenhar.

Se lembrava de cada vez que passou por mal buscados com seu irmão mais velho, este que estava ali para tudo. Para brigar, para sorrir, chorar, maratonas Pocoyo ou desenhar juntinhos. Se lembra da primeira vez que ouviu falar dele também. Naquele dia, com atenção, fora da cama até tarde, ouvia seus pais conversarem repletos de papéis acima da mesa do escritório de Cellbit.

Ha estado allí mucho tiempo, sí. — seu pai Roier disse, encostado na parede — talvez Bobby seria uma companhia boa pro nosso menino, não?

— Seria sim, guapito. Mas o problema nem é esse... O quanto doeria em nós, na nossa família, quando Bobby morrer?

¿Cuánto le dolerá a Bobby si muere sin familia?

Richarlyson tinha sete anos.

Ficava na pontinha de seu pé, a calda de seu pijama balançando de acordo com o que ele se movia, hiperativo. Não foi difícil perceber sua presença. O primeiro foi seu pai Roier, que sempre brilhava em vermelho. Não como perigo, pelo contrário. Como o amor que receberia enquanto o homem pegava a bolinha de fofura nos braços e beijava suas bochechas, imaginando que, por ser muito novo, Richarlyson não lembraria de nada.

Mas o fato de que um irmão inexistente iria morrer assustava Richarlyson.

No meio fio da calçada, as vezes, tentava se equilibrar enquanto o sol batia em seu rosto. O barulho do canto dos passarinhos era muito parecido com o tintilar da coleira de Lobinho, que corria pelo jardim como o bom cachorro animado que deveria ser.

Os cabelos crespos de Richarlyson eram facilmente tampados e amassados pela touca de vaca cogumelo, dois pompons decorando a cada lado de seu rosto, alguns fios de cabelo tampando seus olhos heterocromaticos, pincelados de azul e verde como se fossem a própria bandeira daquele país que estampava sua camiseta favorita.

Até ouvir o pneu do carro de seus pais.

O mundo de magia e fantasia, serpenteado de glitter, paixão e carinho caiu por terra. Em vez disso, agora Richarlyson olhava para a sem graça rua de sua casa, onde Forever, seu tio, deixava de ser um cavalheiro corajoso e tomava espaço para um adulto que Richarlyson achava sem graça e chato. Do carro de seus pais, que poderia ser facilmente chamado de carruagem, saiu um garotinho.

Não era maior que Richarlyson, mas era mais gordo. Tinha menos cabelo, eram lisos e como de todas as outras pessoas, com uma bandana azul decorando. Seu macacão era terrivelmente velho, com bolas de tinta pintando numa grande aquarela. Era como o prisioneiro que vinha para seu grande castelo. Semi-cerrando os olhos, Richarlyson desceu do meio fio, os dedinhos dos pés fazendo cosquinha com a grama recém aparada do quintal.

— Oh, Richarlyson, meu bebê. — pai Cellbit falou quando viu o filho andando em sua direção.

O loiro tomou o filho mais novo no colo, beijando sua bochecha com carinho, num ato que sempre fazia, todos os dias. Apenas o toque de seu pai era o suficiente para Richarlyson se acalmar da ansiedade que sempre o afogava.

Richarlyson imaginava que vivia num conto de fadas. Conto de fadas eram esses os abraços gostosos de seu pai Cellbit, e os beijinhos de Roier quando eles chegavam de qualquer lugar. Seu beijo como um mantra, o que protege Richarlyson, algo da sorte.

𝗟𝗢𝗦𝗧, Bobby & richarlyson Where stories live. Discover now