꧁ ᴅᴜᴀs ᴀʟᴍᴀs, ᴜᴍᴀ ᴅᴏʀ ꧂

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  "𝒬𝓊ℯ 𝓅𝓇𝒶𝓏ℯ𝓇 𝓂𝒶𝒾𝓈 ℯℊℴ𝒾𝓈𝓉𝒶, 𝒹ℯ 𝒸𝓊𝒾𝒹𝒶𝓇 𝒹ℯ 𝓊𝓂 ℴ𝓊𝓉𝓇ℴ 𝓈ℯ𝓇, 𝓂ℯ𝓈𝓂ℴ 𝓈ℯ 𝒹𝒶𝓃𝒹ℴ 𝓂𝒶𝒾𝓈 𝒹ℴ 𝓆𝓊ℯ 𝓈ℯ 𝓉ℯ𝓂 𝓅𝒶𝓇𝒶 𝓇ℯ𝒸ℯ𝒷ℯ𝓇

ᴄᴀᴢᴜᴢᴀ"

    O alarme das sete horas da manhã interrompeu meu sono, sem sonhos, só um breu entorpecente. Me levanto aprontando-me para um novo dia, e a água fria da torneira me desperta.
  Visto o uniforme e passo um creme de frutas vermelhas na mão, quando abro a porta, o sol está raiando em minha direção, fazendo-me estreitar os olhos e apressar-me para a cozinha. Está vazia, e agradeço por isso, quando o alarme do primeiro remédio de Luke apita. Procuro pelos armários alguma comida, mas para minha surpresa está vazio. Como assim vazio? uma casa enorme como essa e nenhum tipo de alimento saudável? vejo biscoitos, manteiga de amendoim e pão de forma, fora outras bebidas alcoólicas espalhadas pelas prateleiras, mas nada saudável.
    Fuço a geladeira e encontro um ovo, é o suficiente pela manhã, posso fritar ele e passar um café preto. Então assim fiz, colocando na bandeja também uma fatia de pão com manteiga de amendoim, pego a água e o remédio. Respiro fundo e subo as escadas.
    Hesito ao pensar em bater na porta, ela já estava entreaberta, então estendo o pé para afastá-la mais um pouco.
Luke está sobre a cama bagunçada, com o corpo debruçado e atravessado com os braços largados para fora da cama, paraliso, acho melhor ajustá-lo primeiro, que tipo de pessoa dorme desse jeito? essa não... aquele cigarro outra vez. Mas que merda.
   Depois de deixar a bandeja sobre a escrivaninha eu o cutuco, tentando acordá-lo. Luke resmunga e se senta na cama, quando eu percebo que ele está apenas de cueca box preta. Estremeço de vergonha, ele esqueceu que eu estava aqui? como pode ser tão despreocupado assim? bom, sou eu que estou entrando em sua intimidade... então pego um roupão branco pendurado em seu banheiro e o estendo sem olhar.
— Que isso, você é algum tipo de freira? — pergunta achando graça.
— Só não sou obrigada a te ver assim, fique ciente que vou entrar aqui sempre, então pelo menos use um roupão! — advirto.
    Luke bufou levantando-se até a bandeja de prata, toma o remédio e encara o café da manhã.
— Você preparou isso?
— Foi o melhor que consegui, você só tem porcaria lá embaixo... aqui em cima também. — eu critico olhando para o cigarro sobre o cinzeiro.
— Não começa com essa história de novo, e você não precisa cozinhar. — ele revira os olhos, mordendo a fatia de pão.
    Decido ignorar suas lamentações e apresso-me em abrir as janelas, e arrumar sua cama.
— O que pensa que está fazendo? — pergunta franzindo a testa, ainda mastigando.
— Ué, não está vendo? arrumando sua cama. Anda, coma isso e vá tomar um banho. — respondo sem olhar, e paraliso quando vejo suor nos lençóis, olho para o carpete e vejo vestígios de sangue.
    Luke havia tido outra crise na madrugada, e eu não soube. Ele escolhera sofrer sozinho... eu... eu achei que ele havia tido uma ótima noite de sono pelo modo que o encontrei, mas na verdade, acho que pode ter sido uma das suas piores noites. Junto o lençol para mim, suspiro e olho para ele.
— Por que não me chamou?
— Nem sequer sei onde você dorme, e não me interessa, você não precisa trabalhar vinte e quatro horas.
— Meu trabalho é vinte e quatro horas Luke. — aviso. — E além do mais, ainda não me convenceu a fazer esse acordo. — lembro-o, olhando para o cigarro.
— Foda-se. — revirou os olhos, colocando a caneca de café sobre a bandeja e dirigiu-se para o banheiro, batendo a porta.
Estremeço  pelo baque. Que estúpido, ridículo e sem educação. Ingrato. Mimado. Que raiva. Que ódio.

[...]

Eu não queria deixá-lo no quarto, e correr o risco de pegar o cinzeiro outra vez do lixo. E ele não queria andar pelo condomínio, ser visto. Eu odeio o sol e o mormaço, mas faria bem para ele respirar fora de casa, sem o ar-condicionado ligado. Então decidimos ficar na sala, eu insisti em abrir as janelas e ele cedeu. Estou sentada no sofá confortável, encarando o piano branco enquanto ele está extremamente concentrado em seu jogo de corrida. É engraçado ver um homem feito tão animado por um jogo como aquele. Vejo Francis aparecer, e sorrio fraco.
— Com licença. — digo a ele, para então me levantar.
— Você não precisa cozinhar. — diz Francis quando me aproximo.
— Ele precisa tomar café da manhã, e precisa de alimentos bons, aqui está, fiz uma lista de ingredientes e outra de receitas que pode fazer bem a ele. Se me permitir, posso ir ao centro buscar sem problemas, ele está bem. — digo mostrando-lhe o papel amassado.
Francis me encara por um momento. E observa o papel.
— Os cozinheiros retornam ao trabalho hoje, deixe comigo, eu busco esses ingredientes, o almoço sairá um pouco mais tarde hoje, talvez à uma hora.
— Tudo bem.
— E então, o que está achando?
Suspiro procurando as palavras certas.
— Nada que eu já não tenha visto antes. — respondo procurando não criticá-lo.
Ele é meu patrão, não vou arriscar em difamá-lo para outro funcionário que possa contar tudo a ele.
— Que bom. Qualquer coisa é só chamar.
Francis se retira pela porta principal, e eu vou até meu quarto para pegar os pagers que Genevieve me deu. Passo na cozinha, e pego uma garrafa de água.
— Aqui, beba. — digo quando ele terminou a partida.
  Luke me lança um olhar rabugento, mas no fundo agradecido, e bebe um gole de água. Limpo os lábios e tento articular as palavras.
— Aqui, pegue isso... é para caso você precise... você sabe, de madrugada.
— Já falei que não preciso, essas crises acontece em dias de quimioterapia e depois fico bem.
— Na verdade não, os seus remédios tem efeitos colaterais e tenho certeza que não tem dormido por causa do efeito do último remédio, então pensei que seria bom você tomar um chá de camomila antes de deitar, e pegar esse maldito pager pra me chamar caso precise.
Ele me encara da mesma maneira que Francis mais cedo, não sei porquê, e receoso aceita o pager guardando em seu moletom preto. Eu assinto para mim mesma, suspirando por dentro por ele ter aceitado sem argumentar comigo, fingir firmeza com ele me deixa nervosa.
— E então... por que moram aqui sozinhos? quero dizer, uma cobertura não seria melhor?
Luke me parece resistir ao assunto, hesitando, articulando as palavras. Eu só quero puxar um assunto, e claro, matar a curiosidade, afinal, quem é Luke Thompson?
— Você não sabe nada sobre mim, quero dizer, nada mesmo?
— Como eu poderia saber? Você não é um artista mundial Luke, sinto muito, e eu não sou uma internauta antenada... desculpa.
Ele suspirou, concordando para si mesmo.
— Bom... eu... sou um atleta do time de Vôlei, modéstia a parte, o que leva o nome do time. Estava no auge da minha carreira, tudo estava dando certo, quando minha mãe foi diagnosticada com câncer nos rins...
— Eu sinto muito.
— Não sinta, ela não sofreu por muito tempo, antes que o câncer a levasse, ela e minha irmã sofreram um acidente de carro, voltando da quimioterapia. — sua voz embargou, vejo sua mandíbula trancar e seus olhos desviarem-se dos meus. Sinto um nó na garganta, posso imaginar a dor que ele está carregando... ele perdeu tudo que amava em tão pouco tempo.
— Desculpa, eu não devia ter tocado nesse assunto.
— Não devia mesmo. — resmungou levantando-se, largou o controle sobre o sofá, e subiu ferozmente o lance de escadas.
   Fecho os olhos suspirando. Posso imaginar ele batendo a porta do quarto e procurando por seu cigarro, ali estava a resposta. Ele não quer viver. Ele não quer ficar aqui nessa mansão solitária com um pai que se recusa a passar pela mesma dor, o que me faz pensar sobre o quão o luto é relativo, tão distinto de pessoa para pessoa. Tenho certeza de que o senhor Thompson se recusa a ver o filho sofrer como viu a esposa, e tenta ignorar a possibilidade de viver sozinho... como eu. Mas, apesar de eu estar sozinha... mamãe partiu em paz, pelos meses que nos dedicamos e nos despedimos, agora o senhor Thompson corre o risco de perder os últimos meses do filho, e viver com a culpa e o arrependimento para sempre.
Volto então para meu quarto e navego na internet, procurando todas as informações possíveis da família Thompson.  Abby Thompson era o nome de sua mãe, uma mulher tão sofisticada e delicada, embaixadora de marcas de beleza e cosméticos, eu encaro a foto da família Thompson em um jantar oficial. Cassie Thompson, sua irmã, parecia tão feliz e com o sorriso cheio de vida, com os cabelos pretos e brilhantes, usava um vestido rosa choque, destacando sua pele branca, e um salto que continha uma pelugem dançante como apetrecho, na mesma cor do vestido. Uma família perfeita, pelo menos aos olhos dos internautas.
Os olhos castanhos escuros e estreitos pelo sorriso largo de Luke me chamam  atenção. Acho que desde que cheguei, não vi um sorriso sincero como aquele, nem vida em seus olhos, jamais acreditaria que era realmente o Luke que conheci ali naquela foto. Pobre família.
Ouço minha barriga roncar, e percebo que não fiz refeição alguma hoje, e agora? Precisarei sair, espero que ele não ache ruim. Meus pensamentos são interrompidos pela porta batendo, levanto-me depressa e o abro.
— Oi Francis.
— O senhor Luke lhe convoca na sala de jantar. — avisa sem expressão, com as mãos para trás.
  Meu corpo congela, pela feição de Francis, não poderia ser coisa boa. Fecho a porta atrás de mim e o sigo até a sala de jantar. Luke estava sentado na ponta, e a comida servida.
— Sente-se. — ordenou.
Foi quando percebi que ao seu lado esquerdo havia um prato preparado. Obedeci receosa.
— Almoce comigo. — não entendi se havia sido um pedido ou uma ordem, pela confusão em sua voz, mas eu estava com fome, e não faria a modesta.
— Você não tomou café hoje, tomou? — franziu a testa.
Nego com a cabeça, sentindo um frio na barriga, limpando os lábios no guardanapo de pano.
— Francis.
— Sim, senhor.
— Por que a cozinha não funcionou hoje?
— Os cozinheiros retornaram ao meio-dia senhor, seu pai havia lhes dispensados até ontem.
— A que horas você acorda, Amber?
  Hesitei por sua pergunta repentina.
— As sete. — respondo confusa e ele assente.
— Quero o café servido às sete horas, aqui em baixo, para mim e Amber. Não quero saber de ela cozinhando pra mim, entendido?
— Sim senhor. — Francis responde afastando-se outra vez.
Sinto minhas bochechas queimarem, não era necessário tanta rigidez.
— É necessário falar assim? — sussurro para ele. Seu olhar surpreso fita o meu.
— Sim. Meu pai não fica nessa casa e já avisei um milhão de vezes que ele não dá ordens por aqui.
— Por que eles foram dispensados?
— Meu pai achou que não era necessário depois do funeral. Mas é claro que é, Francis, Henio o motorista, e eu ainda comemos e agora tem você... eu não iria cozinhar, você iria?
— Se precisar. — dei de ombros. — O que tem de errado em cozinhar? é uma terapia.
  Percebi hesitarmos, juntos, é claro que não concordávamos nisso, nossa realidade é extremamente distintas. Luke engoliu em seco, desajeitado, e voltamos a comer.
— De qualquer forma, seria muito trabalhoso para você. — ele comenta.
  Nego com a cabeça, escapando um riso.
— Nada que eu não tenha feito antes. — sussurro para mim mesma, mas Luke me encara outra vez.
— Não vai me contar mesmo sobre você?
Dou de ombros.
— Eu não sou paga pra isso!
  Luke torna a comer insatisfeito e continuamos nossa refeição em silêncio

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⏰ Última atualização: Aug 22, 2023 ⏰

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