Quando eu decidi partir

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Olho pela janela do meu quarto e o dia está nublado, cinzento e frio, bem diferente do que eu gostaria, para falar a verdade. Sempre fui fã dos dias ensolarados, quando todos saem nas ruas para tomar um sorvete ou passear com seus cachorros.
Os dias nublados só contém pessoas apressadas, muito contrariadas de estarem ao ar livre, indo ou voltando de seus empregos. Aposto que a maioria das pessoas nem gosta mesmo de seus empregos e, mesmo as que gostam, num dia como esse, com certeza preferem ficar em casa. Me sinto privilegiada de estar saindo por livre e espontânea vontade, sem ser obrigada, mesmo que o tempo não esteja dos mais favoráveis.
Já fui sim, uma analista de novos negócios de uma empresa bem conceituada. Ia todos os dias pro trabalho com blusa e saia social, salto alto, maquiagem e meus cabelos encaracolados prendidos em um coque no topo da cabeça. Gostava muito de combinar o look com minha coleção de bolsas e acessórios. Era um dos únicos deleites do meu dia. Sempre fui muito workahoolic, mesmo que hoje enxergue que talvez era só eu arrumando desculpas para não me enfrentar, para não me levar tão afundo, já que estava concentrada no trabalho.
Os dias pareciam todos iguais, mesmo que houvessem imprevistos e novidades, tudo era, em suma, a mesma coisa. Eu levantava, tomava café da manhã, ia malhar, me arrumava para ir trabalhar, passava o dia no escritório, com uma pausa apenas para almoçar e depois voltava pra casa, levava meu cachorro para passear, jantava, tomava banho e ia dormir. Foram anos e anos assim. Confesso que não tinha muitos amigos, apenas alguns conhecidos que eu via ocasionalmente. Já minha família, tinha contato com poucas pessoas uma ou duas vezes ao mês, o que pra mim era suficiente. Não poderia dizer que tinha amizades no trabalho. Eram mais colegas e qualquer afinidade que tínhamos era por conveniência, mais do que por qualquer outra razão.
Eu me sentia vazia, me sentia sem propósito, desmotivada. Mas, por outro lado, não estava disposta a me propor a sentir qualquer coisa na vida. Não queria sofrer mais do que já havia sofrido, não queria me arriscar, não queria me libertar de minhas amarras. Minha solitude se transformou em solidão e minha solidão se transformou em uma depressão. Tinha dias em que eu pensava porque deveria continuar, o que mudaria se eu vivesse ou se eu morresse, sem encontrar respostas. Mas enfim, talvez esse foi um momento de estabilidade para a grande dor que viria depois. Porque ela veio.

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Decidida a tirar meu ano sabático eu arrumo minha mala, colocando tudo que eu poderia precisar: blusas, calças, roupas íntimas, cosméticos, chinelos, dentre outras coisas. Já estou atrasada para ir ao aeroporto, mas tinha deixado tudo para última hora. A verdade é que, mesmo ciente de minha viagem, não encontrei forças para isso nos dias anteriores. Na sala, minha mãe já me espera com um olhar triste de alguém que não sabia mais o que me dizer em meio a tanto sofrimento. O fato é que quando se é mãe, eu suponho, a dor de um filho deve ser tão angustiante ou até mais do que sua própria dor.
- Você tem certeza disso? Talvez estar perto da família seja o melhor nesse momento - ela aconselha.
- Tenho certeza, mãe. Não adianta estar rodeada de pessoas quando, mesmo assim, se sente completamente sozinha. Preciso tirar esse tempo para mim - pensei nessas palavras de forma meticulosa.
- Está bem, mas saiba que sempre estarei aqui caso queira conversar ou caso decida voltar - os olhos da minha mãe agora estão marejados.
Pego minha mala e abro a porta, me direcionando para garagem onde está estacionado meu carro. Coloco a mala no porta malas e entro pela porta do motorista. Aquele carro me traz tantas memórias... é bagunçado, claro, repleto de casacos esquecidos por ali, papéis velhos jogados no porta-luvas. O mais marcante é o cheiro. Podia sentir o cheiro dele... o cheiro da pessoa que mais amei nessa vida. Por quanto tempo ainda estaria ali?
Tento não me concentrar nisso e focar em chegar a tempo no aeroporto. Por sorte, chego a tempo. Faço o check-in, despacho a mala e me direciono para o portão de embarque. Olho para minha mãe e seus olhos ainda estão repletos de tristeza. Ela me abraça forte.
- Eu te amo - essas palavras me atravessam forte.
- Eu te amo muito - retribuo com lágrimas que agora brotam dos meus olhos.
Eu sigo caminhando em direção ao portão e tento não olhar para trás, mas não consigo evitar. Olho e a vejo ao longe, com a cabeça baixa. Não sei quando a verei novamente. É melhor mesmo guardar cada centímetro dela.

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⏰ Última actualización: Aug 25, 2023 ⏰

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