La Santa

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16 ANOS ANTES

já não era capaz de sentir seu corpo. Tudo era dor, nada mais do que dor.

sua visão turva pelas lágrimas o permitiam ver muito pouco, mas o suficiente para acompanhar as investidas do punho de Giuseppe contra ele. soco após soco, fazendo sangue espirrar como de uma fonte, vermelho vivo. Enzo se sufocava com o próprio sangue que se acumulava em sua boca uma vez que um dos seus molares havia sido estraçalhado pelo anel de prata pesado que Giuseppe sempre mantinha no anelar.

sequer tinha forças para chorar enquanto a poça de sangue se tornava cada vez maior ao redor do seu corpo. o cheiro de carne queimada só não era pior do que a queimadura em sua costela, um S feito com ferro em brasa, marcando Enzo como uma propriedade, deixando claro para quem visse que ele era dos Salvatore. um animal marcado com a inicial do dono.

apenas um animal.

ele morreria, não haveria uma próxima refeição, uma última noite de sono perturbado, um último livro, uma última olhada para o pequeno pedaço de céu que o submundo deixava que ele visse. não voltaria para o cubículo que vinha chamando de casa nos últimos 8 anos... mais nenhum pesadelo o acompanharia para a morte, não precisaria mais matar ninguém, não teria que se esconder dos outros caras, não haveria mais medo ou dor, não sentiria frio durante o inverno e... Lily não estaria lá.

a morte seria boa, afinal. melhor do que tudo o que ele conheceu ali.

quando Giuseppe se afastou finalmente satisfeito ao ver o garoto jogado no chão envolvido por sangue e quase a beira da morte, ele se sentou em sua poltrona, acendeu seu cigarro e admirou o seu trabalho. a face vermelha pelo esforço físico, as roupas e mãos manchadas com sangue, os olhos envolvidos por um véu de ódio e diversão sádica. Enzo ainda respirava superficialmente, sentindo as pontadas de dor naquele simples gesto. na sala sua respiração e soluços involuntários eram o único barulho presente, Giuseppe havia emergido em um silêncio profundo.

os olhos de Enzo se voltaram para o teto, madeira. o lugar era todo revestido por madeira, uma faísca do cigarro seria capaz de queimar tudo ali. Enzo se pegou imaginando as chamas altas lambendo as paredes e teto, corpos flamejantes pendurados por cordas nas vigas, o cheiro da carne cozinhando lentamente, tal como a sua própria carne naquele momento, ele podia ouvir os gritos doloridos, as súplicas, conseguir ver Lily de joelhos implorando.

Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios com dificuldade.

Era uma imagem linda, um retrato fiel ao que o inferno representava: dor, sangue e fogo.

— eu salvei a sua vida miserável, eu deveria ter matado você aquela noite. — Giuseppe quebrou o silêncio, mas Enzo não o olhou, absorto em suas fantasias. — e você me agradece trepando com a minha esposa. — riu sem humor.

Enzo engoliu.

então era aquilo, Lily. sempre Lily.

Não adiantaria dizer que não era por livre e espontânea vontade, que se pudesse jamais olharia em direção a ela, ele sequer sabia se seria capaz de falar. o esforço não valia a pena.

— Lorenzo, eu não me importo que coma aquela vagabunda, ela só serve para isso mesmo, — disse cruzando as pernas e relaxando sobre a poltrona. — mas deveriam ser mais cuidadosos. ela está carregando meu filho, o que a minha família vai pensar se souber que um animal anda se enfiando entre as pernas da mãe dos filhos do capo?

estalou a língua correndo os olhos pela grande cicatriz sangrenta na costela do garoto.

— você parece a sua mãe, ela não morre fácil também. Lixo calabres¹ é o mais difícil de se livrar. — se levantou voltando a se aproximar dele, ficando em pé diante o corpo fragilizado do menino, pressionando com o pé a queimadura e assistindo o garoto se contorcer de dor trincando os dentes. — eu fodo a sua mãe, você fode a minha esposa, isso está se tornando uma verdadeira família... sabia que ela ainda implora pra ver você? mas esquece rapidinho quando entrego ela para meus homens, deve ser difícil levar uma decina inteira por que ela volta tão exausta que mal consegue falar, às vezes até chora... meus homens não são muito delicados com ela.

UMA EM UM MILHÃO - 1/4Onde histórias criam vida. Descubra agora