Sobreviva

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Já teve a sensação de estar se afogando e não conseguir de alguma forma alcançar a superfície, ou de ter um travesseiro sendo forçado contra seu rosto enquanto você tenta se esquivar em busca de ar? É estranho ter essas comparações em mente, mas ainda pior é sentir tudo isso na pele. A essa altura sinceramente não conseguia entender ou expressar o o que eu realmente estava  sentindo. Eu deveria estar com medo ou com raiva? A única coisa que passava na minha cabeça era por quê? Talvez para se vingar do Hong ou talvez ele próprio poderia ser responsável por tudo isso. Tudo aquilo estava ficando cada vez mais sufocante, coloquei a mão sobre meu peito e pressionei em busca de ar, minha garganta doía e eu não conseguia gritar, apenas as lágrimas que marejavam em rosto preencheu todo sofrimento que eu estava sentindo. O cheiro forte de ferro em minhas mãos não passava de sangue da minha irmã que estava com seus olhos entreabertos e vazios. Ao redor eu podia ver alguns dos nossos servos mortos no chão e nossa carruagem distante demais para voltar.

Havíamos tentado correr o máximo possível para buscar ajuda ou um esconderijo. Infelizmente Hee foi atingida antes mesmo de tentar. Eu não poderia deixa-la morrer naquele lugar sozinha. A floresta possuía seus segredos e perigos, mas a única coisa que me deixava apavorada era viver sem minha irmã, minha confidente. Encarei o colar no qual eu havia a dado durante o caminho de nossa viagem. Não havíamos percorrido ao menos cinco quilômetros e meio. O sol havia se posto e estava ficando cada vez mais escuro, estávamos indo a caminho da província assinar e aprovar alguns tratados do império adquirido por nossa família. Nosso pai foi morto logo após meu casamento a um ano atrás e o governo estava uma bagunça. Sobre sua morte não sabíamos se havia sido um atentado além de que jamais tivemos provas sobre o ocorrido, embora existisse uma grande investigação, mas os responsáveis eram mais habilidosos do que imaginaríamos. Penso inúmeras vezes se são os mesmos responsáveis por causar a morte de meu pai serem os que causaram da minha irmã. Infelizmente nossa mãe já não estava conosco a mais de dez anos, sinto sua falta até que reste um último segundo de minha vida. Erámos oficialmente órfãs desde então. Eu assumira todas as atividades do reinado de meu pai, sendo a gêmea mais velha e agora casada. Meu casamento havia sido arranjado antes mesmo do falecimento de nosso pai, era comum existir este tipo de atitude. Todas as moças cobiçadas e principalmente herdeiras eram vendidas como gado para qualquer um que se interessasse e quisesse compartilhar suas riquezas em consequência de uma união com outro reinado. Eu apenas estava adiando por não aceitar o fato de pertencer a alguém no qual me recriminaria por ser mulher e ter que ocupar apenas um mero cargo de "esposa do príncipe mais velho e futuro rei".

Toquei sob o pescoço da Hee apertando o colar com força e enxuguei as lágrimas. Aquele punhal não deveria tê-la atingido, e porque eu estava viva? Talvez acabaram nos confundindo? Todos foram embora assim que Hee estivesse inconsciente. Continuei olhando para os lados de forma desconfiada afim de me proteger de um próximo possível golpe.

— Me perdoe. Me perdoe. Você não deveria ter vindo. Porque sempre foi tão teimosa? — Apertei ainda mais seu corpo com força e gritei o máximo que pude enquanto a abraçava. Tentei colocar para fora todo o ódio de angústia que sentia. — Eu te amo. Não me deixei sozinha aqui. Hee. Hee! — Gritei novamente sacodindo seu corpo na esperança de que a mesma acordasse. Talvez havia perdido sangue demais para responder. E se eu conseguisse a levar de volta para o palácio? Vi que nossa carruagem estava longe demais, talvez se eu a carregasse até lá seria uma boa ideia.

Levantei e ajeitei meu vestido para que não atrapalhasse, segurei os braços de Hee em volta de meu pescoço e aos poucos me inclinei para frente, para que seu corpo subisse mais um pouco. Segurei em suas pernas e continuei um pouco inclinada para afim de que a mesma não caísse. Sua pele estava gelada pelo frio do inverno, e eu não conseguia sentir sua respiração. Continuei caminhando sem desistir enquanto a carregava. Não podia desistir. Ela era a única pessoa que me restara nesse mundo. Comecei a ficar ofegante, e minhas pernas bambas não estavam ajudando-me em absolutamente nada. Tropecei em um buraco fazendo nossos corpos caírem de forma desajeitada. Estava chorando, mas lutando de forma persistente. Devagar virei meu corpo com Hee em minhas costas, segurei sua cabeça para que não atingisse o chão com força. Aproveitei para tocar em seu pescoço e não consegui identificar pulsação. Aquela ansiedade iria me matar aos poucos. Não iria conseguir carregá-la até o castelo. Mesmo que fossem poucos quilômetros estava frio, e eu não aguentaria ajudá-la nestas condições. Precisaria ser mais ágil. Arrastei seu corpo com cuidado para dentro da mata um pouco escondida, e comecei a fazer um berço com plantas como se fosse um ninho. Embora eu fosse pedir ajuda, mas ela não deveria passar tanto frio. Nossos casacos ficaram dentro da carruagem, calculei mentalmente o tempo que levaria para chegar até a carruagem e trazer de volta nossos casacos. Eu perderia tempo demais e seria muito arriscado.

The TwinOnde histórias criam vida. Descubra agora