08 Verônica

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 De tanque cheio e coração vazio, eu seguia com meu fuscão sem destino pelas estradas da vida. Não consegui achar um lugar que me fizesse querer criar raízes, dormia e acordava em cidades diferentes fazendo uns bicos e vendendo as bugigangas que busquei no Paraguai. E por falar em Paraguai; foi lá que meu fuscão companheiro de todos os perrengues fundiu o motor, e, por ironia do destino, foi parar na oficina do Rouxinol, um indígena muito conhecido por suas rezas que depois de uma prosa, me disse que algum filho de chocadeira me apinchou uma maldição tão lascada, que agora eu precisava de um ritual de purificação para espantar as energias negativas que me arrudiava... E foi assim que eu conheci o Zé...

José Hossi, era um caminhoneiro angolano que como ele mesmo dizia... resolveu tentar a vida no Brasil e foi ficando. Zé era um viúvo de cinquenta anos, vivia fazendo frete e entregando encomendas por todos os cantos, conhecia mais o Brasil do que muitos brasileiros. E foi assim, que em troca de me levar até a aldeia, me convidou a fazer umas entregas pra lá de onde o vento faz a curva em uma comunidade ribeirinha que eu pensei que fosse coisa de novela.

Era diferente, as casas suspensas por madeiras em um lugar alagado que me deu medo, não sei se ia conseguir viver trepado daquele jeito, e depois de quase ser comido por uma loba assombrada, não queria virar o almoço de um jacaré, nem parar no bucho de uma sucuri. Será que tem crocodilo no Brasil?

O Zé era um homem dado, onde chegava fazia amizade, e na pensão do Tibúrcio não foi diferente. Ele foi logo contando seus causos, e não demorou muito, já era amigo até da tiazinha da quentinha que ria fritando uns negócio verde de cheiro forte que parecia bolinho. Não quis perguntar o que era, logo lembrei de minha mãe que sempre sempre fazia uma tal de especula de rodinha misturado com neda... neda sua conta era o nome do prato. Mainha tinha um jeito só dela de falar com os filhos... Êta saudade da minha velha!

Peguei a chave do apertamento que mal cabia eu e os pernilongo e fui logo me acomodando. Precisava de um banho urgente porque o outro que eu tomei já estava pra lá de vencido, e como só tinha um banheiro naquele corredor, o jeito era andar logo antes que a fila aumentasse. O Zé pegou outro quarto lá adiante, gostava de dar umas namorada, e eu é que não ia querer ficar no mesmo quarto com um homem daquele tamanho que bebia feito uma égua véia e tinha um apelido estranho de tripé.

Tomei um banho gelado porque ali não tinha energia elétrica, e depois de passar um perfume que ganhei da dona Sônia, "que o marido a tenha"; o Zé me arrastou pro bar dizendo que tinha horário para soltar a janta porque o gerador desligava e depois só lamparina, vela, vagalume e muita reza. O bar estava cheio, era o lugar mais movimentado dali, e se não fosse pela seriedade do seu Tibúrcio que atendia com sua família; eu podia jurar que estava na versão ribeirinha do bordel da cumacanga.

— Aquela pinguinha que você esconde pras ocasiões especiais — Zé foi logo pedindo quando sentamos naquela mesa. — Acho que alguém vai se dar bem hoje.

Apontou com o queixo pra uma moça que estava sentada do outro lado olhando pra nós. Era branquinha de cabelo preto bem curtinho, uns desenhos doido pelo braço, roupa preta e uma argola no nariz que não sei pra que servia...

— Da última vez que uma mulher bonita me olhou assim em um bar, eu terminei fugindo pelado com uma doida atrás de mim querendo me comer vivo. Só levo desacerto, Zé, enquanto não limpar meu corpo e espantar essa maldição; não quero mais mulher nenhuma.

— Deixa de leseira homem, pode desanimar assim não.

— É leseira não, sempre fui mulherengo, mas agora não consigo sequer dar uma namorada em paz, só cai mulher assombrada encima de mim. Da última vez, até fui parar no corpo de uma e a doida não queria destrocar depois. Posso nem falar que estou nadando e morrendo na praia porque fui devolvido pela mãe das águas.

As Crônicas De TonicoOnde histórias criam vida. Descubra agora