Capítulo Três

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É noite e eu decido sair para caminhar no quintal, a lua está linda e o céu todo estrelado. Essa é uma vantagem que o pessoal do interior tem, um imenso céu negro e brilhante todo para eles. Parece egoísmo desejar tanto a noite só para ter as estrelas para si? Ter o silêncio e a atmosfera nostálgica?

─ Buh! ─ Alguém sai detrás de uma das árvores e eu quase solto um grito agudo. Quando vejo melhor percebo que é Caroline, porque ela sempre estraga meus melhores momentos?

─ Oi estraga prazeres.

─ Oi minha hater. ─ Ela diz com deboche.

─ O que faz aqui no meio da noite?

─ Vi que você estava caminhando por aqui, então também vim.

─ Pra quê?

─ Por que você gosta de mim, você gosta de me ter por perto.

─ O quê? Você está louca? ─ Digo incrédula, mas ela não liga e se aproxima de mim.

─ Não, talvez você esteja para se apaixonar por sua inimiga. ─ Ela coloca as mãos em meus ombros. ─ Não tem ninguém nos vendo. ─ Ela sussurra e eu coloco as mãos em sua cintura, não sei porque faço isso, mas me sinto obrigada. Encaro seus olhos quase ocultos pela escuridão e dentro de mim uma galáxia se formando.
Nossos rostos se aproximam e finalmente nossos lábios se tocam em uma sincronia perfeita e então um grupo de paparazzis surge das sombras e começa a nos fotografar. Meus olhos ardem com a claridade e eu acordo.

─ Sabe que horas são? Nove e meia, aqui no interior isso é como meio dia no horário normal de Brasília. ─ Tom abre as cortinas do quarto, me sinto aliviada de ser apenas um sonho e eu não estar beijando Caroline. A sensação foi de acordar de um pesadelo.

─ Tom! Ainda é cedo!

─ Você não devia ter comido tanta torta ontem a noite, foi para descontar a raiva que a Caroline lhe fez? Porque depois que ela foi embora você ficou meio estressada.

─ Tom eu devia ter lhe avisado que meu humor de manhã é péssimo e que você vai para o Death Note senão se calar agora.

─ Não vem com essas séries de nerd pro meu lado. ─ Ele caminha até a porta rindo de mim.

─ Não é de nerd. ─ Me sento na cama e junto os cabelos em um rabo de cavalo.

─ Só queria te acordar, até mais. ─ Ele sai do quarto, mas depois reaparece. ─ E você fala dormindo.

─ Eu falei o nome de alguém? ─ Digo com o coração acelerado.

─ Não, você balbuciou algumas palavras, mas não eram nomes. ─ Ele saiu e fechou a porta do quarto.

Me levanto e faço minha higiene matinal, a todo tempo me convencendo de que eu ainda estava cansada da viagem e tive um dia turbulento ontem, por isso sonhei com Caroline e que nada tinha nada a ver com meus sentimentos, por que eu teria vontade de beijá-la? No mínimo eu ia querer a mandar para o outro lado do mundo, para que ficasse bem longe de mim.

Desço para tomar café da manhã, tia Bete está lavando a louça, mas uma mesa farta de comida ainda está feita.

─ Você desmaiou ontem a noite, hein? ─ Minha tia diz.

─ Aham, estava cansada. ─ Sento na cadeira e pego um pouco de café puro, não estou com fome.

─ O que a Carol queria com você? Ela disse que vocês estudam juntas.

─ Ah, nada de mais. Só disse que eu poderia procurá-la se quiser. ─ Que mentira horrível.

─ Ah, que bom. Ela deve estar se sentindo só.

─ Por quê? ─ Me faço de desentendida.

─ É um assunto delicado. ─ Minha tia diz com cautela. ─ O pai dela faleceu a uns dois meses, e os dois eram muito ligados. A mãe dela sentiu que ela estava mal então a trouxe para cá.

─ Nossa, isso é horrível. ─ Faço uma cara de afetada para que ela acredite que eu não sabia disso.

─ Por que não a chama para almoçar aqui?

─ Não sei se ela gostaria, mas posso tentar.

Depois do café, pego minha câmera e peço a minha tia algo para eu conseguir me localizar no bosque. Ela me deu um barbante, disse que é para eu amarrá-lo na primeira árvore e ir andando com ele. Acho uma ótima ideia, então saio de casa e começo minha exploração. Caminho por entre as árvores, tiro foto de algumas coisas, observo outras, ando longe com minhas botas amarelas e minha calça de moletom surrada. Paro de andar para descansar um pouco, o silêncio é absurdamente bom por aqui, desde que a Helena nasceu (minha irmã mais nova) não sei o que é isso.

Fico alguns minutinhos apenas de olhos fechados sentindo a natureza, então decido fazer o percurso de volta. O truque do barbante é ótimo e quando vejo o telhado da casa da minha tia, eu aperto o passo para chegar mais rápido, mas acabo tropeçando em uma raiz de árvore. Sento-me no chão e analiso meu braço ralado, preciso lavar isso logo antes que infeccione.
Faço movimento para levantar, mas então vejo algo brilhoso no chão entre as folhas, retiro-as com a mão e pego o objeto. É uma latinha velha e enferrujada, mas não uma qualquer, ela está tampada com várias fitas isolantes, guardo ela debaixo da blusa e volto correndo.

A casa está vazia então vou para o quarto e guardo a latinha na gaveta do criado-mudo e em seguida vou ao banheiro para lavar meu braço com água e sabão. Arde muito e meus olhos enchem d'água, o machucado é grande, então pego várias gases na gaveta e colo com uma fita crepe. A estética é horrível, mas protege de germes e bactérias, esse é o intuito.

─ Estela, o que você arrumou com seu braço? ─ Tom diz quando vou para o quintal onde ele está pregando algumas tábuas no celeiro.

─ Escorreguei numa raiz de árvore e machuquei, não é nada sério.

─ Você arruma cada coisa. ─ Tom meneia com a cabeça. ─ Tenho uma novidade para você.

─ Mais uma? ─ Não sei porque, mas fico na esperança de ser algo relacionado a Caroline.

─ Essa é boa, muito boa. Sabe a tradição das peras? ─ A tradição das peras é algo hereditário, ela acontece há gerações na família e é bem simples, todo verão uma parte da família colhe peras juntos e no final do dia fazemos um festança com todos os derivados da pera, e claro, uma caça ao tesouro (peras). Genial, não é? Não participo há alguns anos, meu pai sempre está trabalhando e não conseguimos vir. ─ Esse ano você vai conseguir participar!

─ Mas não é em janeiro?

─ Conseguimos mudar algumas coisas, por você. ─ Tom diz sorrindo. ─ Minha mãe está muito feliz que você veio.

─ Nem acredito nisso! ─ Não consigo evitar meu sorriso escancarado. Quando eu era criança eu adorava o dia das peras, eu sempre conseguia achar a verdadeira entre as dezenas de falsas.

─ Atualmente quem está no ranking é nosso priminho Rafa, não sei como ele consegue achar a pera verdadeira tão rápido.

─ Esse pódio vai pertencer a mim esse ano. ─ Sorrio desdenhosa.

─ Não duvido. ─ Ele também sorri.

...

Depois do jantar consigo me desvencilhar da minha tia, dou boa noite a todos e vou para o meu quarto. Fecho a porta e pego a latinha na gaveta, eu estou ansiosa com isso desde cedo. Não tenho ideia do que pode ser.
Tiro toda a fita isolante e abro com cuidado. Há um papel velho dobrado e dois pingentes, um em forma de lua e o outro em sol, ambos com as iniciais L e B e uma data "22/01/1992". Pego o papel e o desdobro, é um poema, leio com dificuldade, porque as letras estão se desfazendo.

"Só quando estamos perdidos, ou, em outras palavras, quando perdemos o mundo, começamos a nos encontrar e percebemos onde estamos e a extensão infinita de nossas relações."
L. F.

Sei que isso é do livro "A vida nos Bosques" de Henry David Thoreau, mas quem ia escrever isso e deixar na floresta com esses pingentes?
Deito na cama e durmo pensando nas dezenas de possibilidades do que essa latinha e essa sigla pode significar.

Sei que é ridículo mas só vem a minha mente o empresário famoso Luís Fabeni, pai de Caroline.

O Verão DepoisOnde histórias criam vida. Descubra agora