Capítulo 1

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- O réu poderia se levantar, por favor?

Não se tratava de uma pergunta de verdade, embora soasse como tal. Eu tinha percebido isso desde a primeira vez que nos reunimos lá, nas mesmas circunstâncias. Era um comando, uma ordem. O "por favor" era só uma formalidade.

Meu irmão levantou. Ao meu lado, minha mãe ficou tensa e prendeu a respiração. Do jeito que pedem para você inspirar antes de um raio X, para que consigam ver mais, captar tudo. Meu pai olhava para a frente, como sempre, com uma expressão indecifrável.

O juiz voltou a falar, mas eu não conseguia prestar atenção. Em vez disso,olhei para as janelas altas, as árvores balançando com o vento lá fora. Era começo de agosto; as aulas começariam em três semanas. Tinha a sensação de ter passado o verão inteiro exatamente naquela sala, talvez naquela mesma cadeira, mas sabia que não era o caso. O tempo simplesmente parecia parar ali. Mas, no caso de pessoas como Jay, talvez o objetivo.fosse justamente esse.

Foi só quando minha mãe soltou um gemido e se inclinou para agarrar o banco da frente que percebi que a sentença havia sido dada. Olhei para o meu irmão. Ele era conhecido por sua coragem. Isso no passado, quando éramos crianças que brincavam no bosque atrás de casa. Mas um dia os garotos mais velhos o desafiaram a atravessar aquele tronco fino que passa sobre um buraco enorme e profundo. Ele atravessou, mas suas orelhas queimavam, vermelhas. Ele teve medo. Naquele dia e no tribunal.A batida do martelo soou. Estávamos dispensados. Os advogados se voltaram para o meu irmão: um deles se inclinava para dizer algo enquanto o outro punha a mão nas costas dele. As pessoas levantaram e começaram a sair em fila. Dava para sentir os olhares sobre nós enquanto eu engolia o nó na garganta e mantinha os olhos fixos nas mãos sobre o colo. Ao meu lado, minha mãe soluçava.

- Jennie? - chamou Gray. - Você está bem?

Não consegui responder. Só fiz que sim com a cabeça.

- Vamos - meu pai disse, pondo-se de pé.

Ele tomou o braço da minha mãe e gesticulou para que eu caminhasse à frente deles até onde estavam os advogados e Jay.

- Preciso ir ao banheiro - eu disse.

Minha mãe, com os olhos vermelhos, só me encarou. Como se aquilo,depois de tudo o que tinha acontecido, fosse a única coisa que ela não pudesse suportar.

- Tudo bem - Gray disse. - Eu vou com ela.

Meu pai assentiu e deu um tapinha no ombro dele quando passamos. No saguão do tribunal, vi pessoas abrindo as portas e saindo para a luz do dia do lado de fora. Desejei mais do que tudo ser uma delas. Gray me envolveu em seu braço enquanto caminhávamos.

- Espero você aqui - disse quando chegamos ao banheiro feminino. - Certo?

Lá dentro, a luz era brilhante, impiedosa. Caminhei até a pia e me olhei no espelho. Rosto pálido, olhos escuros, vazios e sem vida.

A porta de uma das cabines abriu atrás de mim e uma menina saiu. Era mais ou menos da minha altura, um pouco menor e mais magra. Quando parou ao meu lado, pude ver seu cabelo loiro enrolado numa trança bagunçada que pendia sobre um dos ombros, com alguns fios soltos emoldurando o rosto. Ela usava um vestido de verão, botas de caubói e uma jaqueta jeans. Senti que me observava quando lavei a mão uma vez, depois duas, peguei uma toalha e virei para a porta.

Ao abrir, logo vi Gray encostado na parede oposta do corredor de braços cruzados. Quando me viu, ele endireitou o corpo e deu um passo à frente. Hesitei, parei e a garota, que também saía, trombou comigo.

- Ah! Perdão! - ela disse.

- Não - respondi, virando. - Foi... culpa minha.

Ela olhou para mim por um segundo e depois, por cima do meu ombro, para Gray. Observei seus olhos verdes contemplarem aquele estranho por um longo momento antes de voltarem a atenção a mim. Eu nunca a tinha visto antes. Mas uma única expressão em seu rosto bastou para que eu soubesse exatamente o que ela estava pensando.

Você está bem?

Estava acostumada a ser invisível. As pessoas raramente me viam e, se viam, nunca me olhavam de perto. Eu não era radiante e encantadora como meu irmão, linda e graciosa como a minha mãe, ou inteligente e dinâmica como minhas amigas. Mas essa é a questão. Você sempre acha que quer ser notada. Até ser notada.

A garota continuou a me observar, à espera de uma resposta à pergunta que nem fizera em voz alta. E talvez eu tivesse respondido. Mas então senti uma mão no meu cotovelo. Gray.

- Jennie? Está pronta?

Também não respondi essa pergunta. E de repente estávamos a caminho do saguão, onde meus pais conversavam com os advogados. Enquanto andávamos, continuei a olhar para trás, tentando ver aquela garota, mas não consegui encontrá-la no meio da multidão agitada que se enfiava dentro do tribunal. Assim que nos desvencilhamos das pessoas, porém, olhei para trás uma última vez e fiquei surpresa ao ver a garota bem onde eu a tinha deixado. Seu olhar ainda estava fixo em mim, como se ela não tivesse me perdido de vista um momento sequer.

Os Bons Segredos (JenKook )Onde histórias criam vida. Descubra agora