Peguei-me sobre degraus
Sobre os quais a água passa.
Eu ainda sobre a ponte
Ouvindo aquele caos
De que a vida me tornou escassa.
Tão caótica soa
A correnteza d'água barrada
Que, pelas rachaduras, escoa
A lágrima por muito guardada.
Ainda que eu conte
Com a abundância desta água,
Ainda que eu ande
Sobre todos os sobres,
Sobrarei à mágoa
Cujo córrego abundante
Se deve à força das dores
Por tantos lamentos acumulada.
E eu agora sob a escassez
Das coisas agora por outras ocupadas,
Enxergo o quão é abundante
A corrente que me alaga,
Mas alago-me ainda mais pela insensatez
Da fútil braçada
Contra tudo que carrega a fluidez
Do tudo ao nada.
Minha experiência é de andante
E nadador não se faz de caminhada.
Fluida.
Se fui amada,
Agora eu amo
E o que mantive dentro
Transbordou para fora.
Minha vaidade antes aclamada
Agora eu chamo
E, se num círculo fui centro,
Tênue é o raio até a borda.
Onde retas se cruzavam
Eu era ponto de encontro dos que vinham,
Dos que iam, mas voltavam,
E os perdidos que haviam
Finalmente, em mim, se encontravam.
Hoje apenas passam.
Não me restava os que sobravam.
De sobras é feito somente meu passado
E tão somente
Que só me resta agora meu presente
E nada do meu todo acumulado.
As coisas que existiam,
Que outrora acumularam-se,
Os fardos que persistiram,
Forçaram e pesaram-me,
Agora morrem afogados
E, junto a eles, arrastam-me
Pelos córregos dos meus olhos alagados.
É tudo que se sente
Quando transborda a mágoa.
Meu fluxo é a corrente.
Minha fluidez é a água.