Caça e caça

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   Quando fui chegando em casa, Clodó ia saindo com a espingarda às costas. Pulei do carro e perguntei-lhe

 - Aonde vai?

- Vou ver se dou uns tiros lá pela ilha e olhar um buracode tatu que arrolhei ontem; vamos? 

- Espere um pouquinho que eu vou.

 Mandei ajeitarem os bois e corri p'rá casa, peguei minha espingarda e dei um beijo na minha mãe:

 - Meu filho, você não para mais em casa? Chegou e já vai saindo! Tome um copinho de leite; você fica fraco, meu filho! - disse minha mãe em carinhoso queixume. 

- O leite eu tomo, mas fraco, jamais! Tô é um touro, mãe, cadadia mais forte. Beijei-a na testa e assanhei-lhe os cabelos com a mão, brincando.

- Vamos, Clodó - E saímos estrada afora. Nunca mais tinha tido tempo de conversar com Clodô.

- Nelson, eu ando com vontade de trabalhar; o que que você acha? - perguntou-me, Logo que partimos. 

 - Acho bom Clodó. — Respondi-lhe, apoiando a mão em seu ombro. 

- O que é que devo fazer, hein, Nelson? 

 - Clodô, você com esse jeito calmo seu, daria um bom Comerciante. Se você quiser botar uma venda p'rá nós dois... Mas olhe! Eu não entro nem no balcão! Entro com o dinheiro e você com o trabalho. 

 - Onde vai botar? — Perguntou-me com ar decidido.

-  Aqui mesmo Clodó. P'rá começar aqui dá. Não tem nenhum barracão por aqui. É bem verdade que todo mundo faz suas compras na cidade. Mas no meio da semana precisa-se sempre de algo e não tem. Tendo aqui a bom preço, eles vão se acostumando e findam comprando aqui. Evitando trazer o peso de longe. 

- É mesmo Nelson, Vamos botar

- Hoje a noite falo com meu pai, vou pedir a êle uma porta do armazém. A gente isola com tábuas e faz as prateleiras. Amanhã de tarde já trarei o sortimento. Viu bodegueiro... — Edei-lhe uma tapa às costas. 

- Você é um gôta mesmo Nelson, —- e acrescentou — agora vamos se abaixá, sempre tem teju comendo quixaba a estas horas, eles são meio môcos, mas enxergam qui só umas águias. 

    Ficamos de côcoras atrás de uma moita de ariú, a uns vinte metros dos pés de quixaba, de onde estávamos: via-se tudo,era bem limpinho por debaixo, dos bodes esperarem as frutinhas pretas e leitosas, que caiam uma por cima das outras.

 - Olha que crocodilo — disse Clodó baixinho, apontando.

 - Danou-se — tava lá, na ponta dos pés, com uma línguafina a se revirar p'rá todo lado, o maior tejú que eu já tinha visto, com o seu couro prêto brilhante e todo chuviscado de pintinhas. brancas, Clodó foi apontando a espingarda em sua direção. Eu segurei no cano e disse bem baixinho, puxando com a outra mão a pistola de debaixo da camisa. 

- Pêra Clodó, deixa eu matar o bicho, quero experimentaressa F. N. nêle 

Êta mulestia - disse Clodó com ar de espanto, esquecendo o tejú, eolhando a arma em minha mão  - Comprasse! foi Nelson? 

- Foi - e manobrando, pus logo bala na agulha, apontei e o tiro partiu; no estampido, o bichão deu cambalhotas emtôrno de si mesmo, e ficou de papo branco para o ar. Corremos para perto, Clodó virando, exclamou:

 - Mesmo na cabeça, Nelson, a pistola é bôa... Deixa vê - e ficou revirando-a nas nãos, olhando-a, Botei o tejú /no ombro, e partimos para o buraco arrolhado do verdadeiro, que era mais na frente, na passagem, Clodó olhou para cima de um juázeiro. Ficou parado olhando, olhando, e chamou-me:

 - Nelson, vê que Camaleão!

 - É um baitola, Clodô... 

- Esse quem vai sou eu... Me dá a pistola pra eu tentar... Bote a bala na agulha, viu, Nelson... 

- Já tá na agulha, Clodó, só se bota no primeiro tiro, as outrasa arma mesmo bota. É automática, é só destravar aqui - e mostrei a ele, Clodó fez pontaria e errou o tiro. O camaleão, nobarulho, andou um pouco mais para a frente, nas folhagens, ficando ainda em posição de tiro, Verde com o papo bem inchado e os olhos vivos, cara de mau, mas só a cara, pense num bicho leso,o tal do camaleão.

 - Acertar o primeiro tiro,  Clodó, é muito dificil, tem antes de treinar muito. — Disso-lhe em tom de consolo.

- É mesmo,mas de espingarda já tenho a manha... Bum!... 

   O camaleão caiu, quando nos fomos apanhá-lo, já haviamudado de cor, Era verde da cor das folhagens, agora um cinzento escuro 

- Tá bem arrolhado Clodó? Você tem certeza que o tatú está aí dentro mesmo? Perguntei apontando.

 - Tenho Nelson, Antes de arrolhar vi o rasto entrando, rasto dos pés e do casco na borda do buracos O buraco eragrande, cabia sua cabeça dentro. Mesmo vendo o rasto ainda futuquei dentro com a vara e saiu um bocado de mosquitos de dentro.

  É a "prova dos nove" do tatú, se sai mosquito no futucado, ele tá lá dentro, certinho. Quando ele sai para caçar comida os mosquitos vão todinhos voando em derredor dele, são inseparáveis.

 Já estava anoitecendo.

 - Vamos esperar, Hoje é certeza ele sair. Botei folha primeiro e depois terra por cima, Quando ele botar a venta p'rá farejar, pode agarrar, que voltar, ele não volta, por que se embaraça nas folhas, e dá tempo de puxá-lo com às mãos. 

- Certo Clodó.

    Deitamo-nos calados com o ouvido no chão, escutando. Não demorou muito a ouvir uns Ruc... Ruc...Ruc, Clodó ficou de cócoras, atento, com os joelhos na terra e as duas mãosem concha, meia afastadas uma da outra, por cima do buraco arrolhado. O barulho do tatú cavando; continuava, Ruc... Ruc...Ruc, e Nisso senti a terra rachando no lugar tampado, que eraa bôca do buraco. Rachando, rachando mais, e mais, daí apareceu aventa dele de fora, farejando, só os dois buracos, Clodó era todo expectativa, nervos tensos, as feições contraídas deemoção. Nisso sobe rápido um bolo de terra frouxa a quase meio metro de altura, Clodó rápidamente  abraça-se com a terra, a terradesce, frouxa, soltando-se das folhagens conforme o tatú se mexe loucamente, bufando entre seus braços,apertando o bicho com as mãos pra que não fuja. Eu puxo a peixeira e sangro-o no pescoço. O tatú se estribucha e fica quieto. Clodó solta-o no chão, junto ao tejú eao camaleão.

 - Que caçada boa, Clodó! 

 - Foi boazinha, vamos.

    E saímos com nossas caças às costas. Quando avistava a nossa casa, já perto do tornar cruzar a estrada, vinha Anunciada, toda se requebrando:

- Opa, seu Nelsu, Vige! Quanta caça! Teju é munto gostoso, parece cum peíxe a carne d'êle - disse pegano no courodo teju- Você gosta, Anunciada? Pegue. Tome pra você jantar

- Não seu Nelsu, brigada; carece não sinhô - disse tôda acanhada, esfregando o dedão do pé direito no chão.

- Vamos, é um presente meu! — insisti

- Se é assim, eu levo êle - pegou o bicho pela cauda e Saiu a mexer os quadris; para o lado da sua casa. - Bonitinha e dengosa, não? - É; se não fosse o bigodão do pai dela, até que dava p'rá ir- Mas a gente não come o bigode do pai dela não, Clodó!  - Come é o...» —- Clodó riu de banda e continuamos, p'rás casas.

O Homem Completoحيث تعيش القصص. اكتشف الآن