Capítulo 8

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Adam


Bela aceitou mais rápido que eu esperava. Ela nem mesmo leu os papéis que assinou. Se tivesse lido, tenho dúvidas que aceitaria.

Passei tudo para que meu advogado providencie a certidão de casamento e assim que ele saiu madame Pilar parou na minha frente com as mãos na cintura.

Um minuto inteiro se passou sem que falasse nada, apenas me olhava.

— O que foi? Já devia estar curtindo suas férias.

— O que o senhor pretende com aquela menina? Sabe muito bem que ela não dá conta de manter essa casa limpa e organizada sozinha. Tem nove quartos aqui, meu filho.

— Mas apenas um é usado.

— Você entendeu o que eu quis dizer. — Bufo. — Achei que eu não era um monstro aos seus olhos.

— E espero que continue assim, porque se eu souber que machucou essa menina, ficarei extremamente magoada com você.

— Eu não vou machucar essa garota.

— Existe muitas formas de machucar, e nem todas são físicas.

— Mulher, some daqui! — Me levanto e seguro seu braço gentilmente. — Não vou machucar essa menina de forma alguma. Vá em paz.

— Mas...

— Mas nada. — Me curvo e beijo sua cabeça. — Só volte aqui quando eu chamar. E não se atreva a ficar esperando por isso. Vá viajar com seu marido, vá viver.

Ela revira os olhos e sai arrastando a mala de rodinhas. Mesmo que não durma na casa todos os dias, tem muita coisa dela que fica aqui, é como sua segunda casa.

Quando ela sai, vou até o porão, mas não bato na porta, entro e encontro Bela em um sono profundo. Deixo ela dormindo e volto para o meu experimento.

Porém só consigo pensar naquele rosto sereno dormindo naquele colchão velho.

Não consigo me concentrar. Acabo tomando um banho e indo para a sala com um livro qualquer. O pai dela aparece e deixa sua mala com algumas coisas, só aviso que ela está dormindo e dispenso ele.

Penso em acordá-la e avisar sobre suas coisas, mas desisto e volto para o livro.

Fico distraído com a possibilidade dela acordar e aparecer... até que durmo.

**

Acordo com a luz do sol incomodando meus olhos. Dormi na sala feito um idiota. Só espero que aquela menina não tenha visto isso.

Isso o que? Eu não dormi na sala por ela, apenas peguei no sono.

Irritado, nem olho as horas. Bato na porta dela e grito que faça meu café, antes de subir para o quarto e fazer minha higiene matinal.

Quando chego ela está na cozinha. Nem mesmo fez birra para não fazer o trabalho da casa. Se continuar assim, posso voltar atrás e deixar que vá para o quarto que usaria originalmente. Só quero que prove que não me ferrei todo para salvar a vida de uma mesquinha.

Cumprimento e vejo seu pulinho de susto. Se estivesse mais um pouco distraída acredito que jogaria a frigideira em mim.

Aviso sobre a mala dela e como quero meu café.

Pego o jornal e leio enquanto ela mexe na cozinha de um lado para o outro.

Seguro o riso quando, minutos depois, olho para a sua direção e encontro uma Bela descabelada, com o rosto sujo de algum tipo de farinha e uma expressão de vitória.

— Pronto. — Ela se vira para mim sorridente e vem em minha direção. — Seu café. — Coloca uma xicara de café aparentemente já frio na minha frente. — Vou pegar os ovos.

— Que porra é essa? — Não sei se estou indignado ou prestes a gargalhar diante de um prato com bacon cru misturado a ovo.

Não, só pode ser afronta dessa garota. Nem mesmo as pessoas mais inexperientes na cozinha sabe que isso não é comestível. — Está tentando me irritar logo cedo? Pois conseguir. — Jogo a porcaria longe. E pego o café, provando o liquido frio. — Só pode estar de brincadeira.

Há tempos o sorriso dela sumiu.

Bela está vermelha. Ela volta até o balcão e vem com outro prato, que dessa vez coloca na frente de si e senta. Com movimentos raivosos, ela pega uma colherada da gororoba que fez e enfia na boca. Resultado, cospe tudo de volta.

— Pelo jeito uma colher de sal não é o mesmo que uma pitada — fala sozinha.

Fico esperando uma justificativa, que logo vem.

— Eu nunca cozinhei. Na verdade, meu pai nem me deixava chegar perto da cozinha porque ele achava que eu sofreria um acidente fatal. Os empregados não colaboração comigo por medo de serem demitidos.

Suspiro. Esse Dubois não para de me surpreender negativamente.

— Você já fez algum trabalho doméstico?

Ela nega com a cabeça.

- Ele achava isso perigoso também.

— Ou seja, inútil.

— Não é bem assim, eu posso aprender. Não sou burra.

— Tá vendo alguém aqui pra te ensinar? Pronto. Inútil. — Ela abre a boca, mas me levanto antes que diga algo. — Preciso sair, consegue limpar a casa sem colocar fogo ou é melhor te devolver ao seu pai?

— Consigo. Depois disso, posso sair?

— Claro. Está livre depois dos seus afazeres. Deixe a casa limpa e pode ir. Eu vou jantar fora, não quero morrer. Mas você vai cozinhar se quiser comer. É um absurdo manter uma mimada. — Estou quase na sala quando me viro. — Outra coisa, luz apagada para dormir.

— Mas...

— Apagada.

**

Quando volto para casa, Bela está no chão com um balde e um pano tentando secar as taboas enxarcadas no chão.

— Eu disse para não colocar fogo e você alaga a minha casa.

— Eu consigo terminar. Que horas são?

— Quase dez da noite. Tome banho, come isso e vai dormir. — Jogo a sacola com comida chinesa na mesa.

— Eu vou terminar e vou sair.

— Isso, seja ignorante. Você perdeu horas limpando tudo errado e estragando meu chão. Agora quer sair sozinha e sem conhecer nada em plena cidade do Rio de Janeiro. Achei que não fosse burra.

— E eu achei que seria livre.

Me aproximo dela e levanto do chão segurando os cotovelos.

— Me diz, Bela, o que eu ganho com esse casamento? Não te vejo nua na minha cama, então pelo menos os serviços de casa deveria fazer. Não me casei para fazer suas vontades.

— Mas eu não sei fazer nada disso, droga.

— Aprenda. O notebook que está na cozinha era usado pela madame Pilar para fazer receitas. Seu uma senhora conseguia dar conta dessa casa, por que uma jovem não daria.

Vejo o brilho nos olhos dela e sei que está pensando em fazer merda no notebook.

— Não faça besteiras e aprenda seu trabalho. Ou adeus liberdade para sempre. Eu sempre quis ter um animal enjaulado, você ficaria excepcional nesse papal. — Ela puxa os braços, se livrando de mim.

— Monstro!

Me afasto rindo.

— Coma e durma. Com a luz apagada. Não paga contas aqui.

Ainda a escuto me chamar de vários nomes.

DEGUSTAÇÃO - A Bela do Mafioso - Contos da Máfia IIIDonde viven las historias. Descúbrelo ahora