Prólogo

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— Eu lhe disse, meu filho.

Enquanto meu pai, com uma ternura reconfortante, deslizava suavemente suas mãos em minhas costas, ergui-me e afastei-me delicadamente dele, fixando meus olhos em seu rosto após secar as lágrimas que persistentemente se recusavam a desvanecer, teimando em escorrer pelo meu rosto.

— É sua culpa, é toda sua culpa!

Um grito fervoroso escapou dos meus lábios, enquanto eu estendia meu dedo acusador em direção ao homem que se erguia diante de mim, seus olhos cheios de desdém encontrando os meus, e no turbilhão de emoções que me envolvia, minha respiração começou a falhar, trêmula e descompassada, incapaz de conter a intensidade avassaladora da raiva que me consumia por completo.

— O que eu lhe fiz?! Me diga!

Curiosamente, tomei a iniciativa de questioná-lo sobre a razão por trás daquele tratamento tão cruel que me era dispensado, enquanto ele, em resposta, permaneceu imóvel, fixando seus olhos em mim com uma expressão de serenidade e tranquilidade inabaláveis, como se estivesse completamente alheio ao impacto de suas ações.

— Eu desejo que você queime no quinto dos infernos!

Tomado por uma intensa agitação emocional, desabafei sem dar espaço para suas respostas, e, impulsionado por aquele momento de catarse, irrompi da casa em uma corrida desenfreada. Caminhei apressadamente em direção ao exterior, onde pude sentir os pingos pesados da chuva começarem a cair sobre mim, encharcando-me por completo. Aquela noite fria e chuvosa parecia espelhar de maneira assustadoramente precisa o maldito dia em que nossos caminhos se cruzaram pela primeira vez, trazendo à tona lembranças dolorosas e sombrias.

As lágrimas, como uma torrente incontrolável, continuaram a molhar meu rosto, revelando a ausência de um limite temporal para cessarem; o sentimento avassalador de angústia e medo comprimia meu peito, sufocando-me e desencadeando uma respiração ofegante e desregulada. Jamais passou pela minha mente que aquele homem, por quem nutri um amor profundo e ao qual me entreguei de corpo e alma, seria capaz de me abandonar de forma tão cruel e impiedosa.

Profundamente imersa em pensamentos, busquei incansavelmente compreender o possível paradeiro dele, angustiando-me ao questionar o que eu poderia ter feito de errado para que ele partisse de forma tão abrupta e cruel. No entanto, respostas eludiam minha mente confusa e perturbada, pois aquele homem, cuja presença me proporcionava segurança e felicidade, voltou as costas para mim sem proferir sequer um adeus. Um turbilhão de indagações atormentava-me: o que exatamente eu havia feito de tão errado? Por qual motivo obscuro eu estaria sujeita a passar por tamanho sofrimento?

Cada passo que eu ousava dar era uma tortura insuportável para meus pés doloridos, enquanto a neblina se adensava e envolvia as ruas, e o frio penetrante me envolvia em um abraço implacável. Tremendo incontrolavelmente, finalmente alcancei uma ponte solitária, onde parei com exaustão e me inclinei, apoiando-me no chão frio e úmido. Fechei os olhos com força, buscando refúgio na escuridão momentânea, e ergui a cabeça para o céu encoberto, sentindo a angústia acumulada se manifestar em um grito primal que estava sufocado em minha garganta desde o exato instante em que deixei para trás aquela casa repleta de memórias dolorosas.

De forma inesperada, experimentei a sensação reconfortante de um corpo envolvendo o meu em um abraço protetor, e apesar da vontade de abrir os olhos e descobrir a identidade do ser que me cercava, sucumbi ao sono profundo que a exaustão e a tristeza haviam me imposto. Contudo, mesmo à beira do adormecimento, meus ouvidos captaram um som sutil, uma melodia suave ou um sussurro delicado, sem ter o tempo preciso de poder responder.

— Eu estou aqui, Amor.

Cherry Lip's Gloss | JJK+KTHWhere stories live. Discover now