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Tiramos a foto em família e sentamos na mesa, os empregados nos rodearam, partindo o peru e servindo o restante do banquete natalino.

- Cuidado com isso! - Cirlene murmurou, aflita, quando viu um dos garçons se aproximando de Hugo com uma concha de creme de camarão - Meu filho é alérgico.

Hugo revirou os olhos.

- Mãe, o camarão só vai fazer mal se eu comer - ele explicou com a paciência de um monge - Não tem perigo nenhum estar alguns centímetros perto dele.

Cirlene chacoalhou a cabeça.

- Por mim não teríamos nenhuma comida com camarão em nossa ceia - ela disse - Mas sua tia ama, o que posso fazer?

- É só ele não comer, Cirlene - Maria exaltou-se, servindo-se de uma concha do creme - Você é desesperada, irmã. Protetora demais. Seu filho está bem.

Cirlene contraiu o maxilar, frustrada.

- Diz isso pois nunca passou o que eu e Kriudis passamos - ela resmungou enquanto levava a taça com o espumante para a boca - Foi assustador quando descobrimos a alergia do nosso filhinho. A língua inchada, a garganta se fechando e o rosto ficando vermelho. Os médicos disseram que ele morreria em quarenta minutos, se não tivéssemos sido ágeis. Graças aos céus que fomos, depois disso fiz de tudo para mantê-lo longe disso - Os olhos de Cirlene vieram em minha direção - Aliás, não foi assim que nos conhecemos, Laurinha? Num leito de hospital?

Eu encolhi na cadeira. Num dos nossos primeiros encontros, levei Hugo para um restaurante e quis brincar fazendo-o experimentar os meus pratos favoritos; o resultado disso foi o fim de um encontro num leito do hospital, logo depois de Hugo ter provado um creme de camarão semelhante ao que estava posto naquela mesa.

Ligar para os pais dele enquanto ele estava sendo tratado por um médico foi uma das piores coisas que já fiz na vida. Principalmente por ser, aquele, o primeiro contato que tive com os pais de Hugo. Certo que ele não tinha mais perigo de vida quando liguei, mas aquilo causou a bela de uma má-impressão. Às vezes me pergunto como o casal Cassius me trataria se tivessem me conhecido de forma diferente. A sensação que tenho é que, daquele dia em diante, eles começaram a me ver como a mulher que tentou matar o precioso filho deles. Uma ameaça.

Bom, para a minha defesa, até aquele momento, Hugo nunca tinha revelado sobre a sua alergia mortal a camarão.

A falação e as risadas nos cercaram novamente. Desde que Hugo não o enfiasse na boca, ninguém além de Cirlene se importava com a alergia dele ao camarão. Tia Maria contava uma história boba sobre como foi um desastre preparar o bolo de abacaxi servido na mesa, Tio Saulo contava a piada do pavê; as mães brigavam com os filhos que não paravam quietos na mesa; os primos estavam ocupados demais com os seus copos de whisky e Kriudis trocava com o filho instruções sobre como cortar o peru.

- O próximo natal pode ser na casa de vocês - Disse Cirlene com os olhos fixos em mim - Vai precisar aprender a cortar bem essa carne, Hugo.

- É mesmo, a nova casa de vocês - Tia Margutti soluçou - Cirlene disse que é enorme.

- Enorme e fria demais - Disse Cirlene com desdém - Ainda acho que estaria melhor morando aqui. O apartamento de vocês continua vazio. Só esperando para que retornem.

- Nós estamos gostando do condomínio, eu tenho mais espaço - eu disse, pegando a fatia do peito que Hugo estendeu na minha direção.

- Vocês estão? - Cirlene tirou os olhos de mim e os levou até Hugo - Pensei que tinha dito que estavam com problemas.

Fatal!Where stories live. Discover now