Uma Em Um Milhão

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A tensão pairava no ar, o deixando tão denso que ela jurava que poderia apenas esticar a mão e pegá-lo entre seus dedos.
Quando o primeiro disparo foi dado, Paolo suspirou pesadamente com o choque. Uma chuva intensa de tiros estourou ao seu redor, nenhum deles conseguiu se mover, esperando pesarosos pela morte que era mais do que certa.
Os tiros a ensurdeciam camuflando o som de corpos caindo agonizantes no chão, um a um.

Seu coração disparou e sua respiração travou em seus pulmões.

Bonnie não conseguia abrir os olhos, não estava pronta para morrer daquela forma vergonhosa. A morte vinda pelas mãos de um siciliano.
Ela apertou seu corpo contra Enzo afundando o rosto em seu peito naquela espera torturante da bala que iria pôr um fim a tudo o que conquistou e ainda desejava conquistar.

Estava profundamente irritada conforme os braços grandes a apertavam de forma protetora. A dor dilacerava seu ombro tomando seu braço inteiro conforme sentia o sangue encharcando a camisa de Enzo que ela usava.

Ela morreria, seu último suspiro seria dado em solo siciliano, manchando aquela terra maldita com seu sangue.
Havia falho em seu dever, o mais importante dentre todos os seus deveres, falhou e pagaria não apenas com a vida, mas seu nome seria marcado por aquele fracasso.

Bonnie Sheila Bennett McCullough, a mulher que poderia ter mudado tudo, que poderia ter aberto as malditas portas que os homens tanto insistiam em manter fechadas. Aquela que poderia ter provado para toda a família, para todos os clãs e até os soldados que suas mulheres, filhas e netas poderiam ser parte daquilo se quisessem, porque eram filhas da 'Ndrangheta, tinham fogo nas veias também, poderiam liderar, comandar, poderiam ser Caporegimes, Sottocapi, Consiglieres e quem sabe um dia uma filha se tornasse Capo.
Ela poderia ter berrado na cara dos homens que a desprezavam desde que começou sua exaustiva caminhada pela iniciação, que elas não serviam apenas como moeda de troca e úteros ambulantes, que eram capazes, e não deveriam ser descartadas apenas porque não tinham um maldito pau.

Todas a coisas que poderia ter feito, todas as mudanças... Mas havia falho, e por isso mulheres depois dela nunca teriam a chance de escolher, seriam sempre limitadas a aquilo que eles queriam delas, assim como todas as que vieram antes. Ela seria uma piada, usada como um exemplo de o porquê os negócios deveriam ser deixados para os homens.

Ela seria apagada, esquecida e La Santa se envergonharia, seus homens se envergonhariam de terem sido comandados por ela, tudo havia sido em vão.

Estava tão absorta, tão inconformada com seus pensamentos que não percebeu que os tiros haviam cessado.
Voltou ao tempo presente apenas quando as mãos de Enzo abandonaram seu corpo com pressa e ele se afastou, pois suas pernas falharam devido a fraqueza violenta que a acometeu quase a levando ao chão.

Foi amparada por outro par de braços antes que caísse. Fraca demais para sequer se mover, Bonnie não conseguiu afastar a pessoa que a segurava.

Com muito esforço, lutando contra a sonolência ela abriu os olhos o máximo que conseguiu, o que não era muito. Sua respiração era curta e ofegante conforme sua cabeça girava, era como estar em uma centrifugadora, mas Bonnie conseguiu ver de relance os corpos dos soldados a sua volta, buracos sangrentos por todos eles, alguns ainda agonizavam se engasgando com seu próprio sangue.
Era uma imagem horrível, se não fossem sicilianos Bonnie teria sentido pena.

A nuvem de fumaça densa e negra que invadia os cantos da sua visão se tornava cada vez maior e ela se sentia tão cansada. exausta. Esgotada.
Precisava dormir, só um pouco.

Piscou lentamente sentindo a leveza do ar frio atingir sua pele como uma manta. Bonnie fechou os olhos incapaz de mantê-los abertos por muito mais tempo, era difícil demais e exigia uma força que ela não tinha naquele momento.

UMA EM UM MILHÃO - 1/4Where stories live. Discover now