❝ capítulo único - ˖ Delírios de Um Atormentado ❥

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No salão de festas eu via as luzes coloridas nas paredes. Todas aquelas pessoas rindo e sorrindo uns com os outros, e as mesas cheias. Os garçons passeando com as bandejas, brincando com os convidados; na cozinha, a boa energia, a tranquilidade. Nas janelas, o escuro dos céus, aquela noite tão criança, o mundo aqui dentro que era tão quente e calmo. E as músicas, levadas pelo ar, ecoando pelos ouvidos, a calmaria que aconchegava. E lá, um sorriso esculpido, eu lembrava.  O sorriso que não quebrava, mas lembrava; e como lembrava. Se fosse diferente do que antes fui quando aquela, que tanto se voltava em minha mente, ainda me dava a infinitude daqueles olhos quase fechados no sorriso que me entregava de bom coração, doce. Se fosse diferente, doce. E não amargo.

Escorado naquela parede eu ainda sorria, naquela paisagem tão humana. Quente, como um abraço em dias insuportáveis. Em um dia insuportável, em tormentos que não acabavam; ainda sorria, mas meus olhos já não estavam mais tanto a brilhar. A sós, com minha sombra distorcida pelas luzes dos discos no teto a girar, a sós comigo e minhas dores. E quando tudo acabava, dentro de mim não acabaria. Quando todos já se foram, eu fiquei. Só. 

Em casa novamente, no ambiente quieto e estreito. Na cama, os braços abertos e olhos prostrados, a visão desfocada ao teto na penumbra. A escuridão se deformando, como a tela de um filme que se passava demoradamente. Lá estávamos nós. Na vez que nos abraçamos forte, o medo de algum dos dois quebrar, pela força ou sentimento, mesmo que não fosse a primeira vez; mesmo aquela máscara escondendo aqueles lábios tão marcantes, seus olhos se fechando no molde de um sorriso, me atingiram.

E eu sei que sempre digo, de arrependimento sempre terei tantos, mas os que te envolve, me amargura como nada antes fez. Os braços que antes abertos estavam, sem nem perceber, se fecham em mim. As pernas antes estiradas, se dobram. Eu me dobro. Estreito. 

E eu sei, nada nunca será o suficiente, nenhuma letra ou palavra, nada que tenha dito antes ou que direi, nunca vai ser o suficiente para me fazer aprender o quão falho fui eu, e que serei. 

O ar que preenchem meus pulmões escapam rápido demais, eu não respiro.

Aquele dia que repetidas vezes voltam ao meu coração, que deveria ser o melhor de todos, apesar de tantos deslizes, descuidos feios… A permissão; do teu olhar encharcando tudo que me formava num dia quente, do teu corpo próximo demais, de você; de poder estender a ponta dos dedos para o rosto daquela que me era tão preciosa, e sentir enfim o que nunca consegui sentir de verdade. E viver naquela sensação, no formigamento que agora permanece em minhas mãos, marcadas pela presença que alarmava as borboletas dentro de mim. E, agora então, meu estômago se fecha, dobra e desdobra. Eu a deixei ir.

Não há como ser prepotente e dizer que te amei como nunca amei alguém. Este. que nunca soube o que era o zelar, o se entregar, o sentimento de Amar. Lhe diria que nunca saberei o que é realmente amar, mesmo que, quando você esteve me olhando, o que eu senti… Nem mesmo eu saberia o que era aquilo. Se não era Amor, eu nunca saberia o que era.  

E eu não aguento mais. Sendo sufocado não só por dentro, mas como por fora. Meus braços me apertam demais, como nunca fui abraçado, e dói. Não. É impossível. Sou pequeno demais para estes sentimentos, amor e dor. Fecho tantas vezes meus olhos, me viro vezes demais na vastidão da cama, a imensidão já conhecida, me desespero, afoito, agonizando.

As consequências chegaram, eu posso dar a certeza. Da negligência, impotência, amargura, medo, insegurança, tão irresponsável com alguém que não poderia mais perder tanto. Cada dia que se passa desde então, eu vejo e entendo mais coisas que deveriam ser diferentes, e não foram. 

Então, como um lembrete de tudo de ruim que me forma, surgiu em estática aquele momento lamentável. Você nunca soube. Em prantos, quando me ligava, buscando alguém, aquele “alguém” que deveria estar pra ti como você esteve para este alguém. E não esteve. Sozinha ficou, sentiu e muito, tudo o que não precisava sentir. E eu vi. A ligação, a recusa. Perdida. Não, abandonada. Deixada. Eu a deixei.

Cada dia mais, novos dias, dos tempos que se foram. Novos antigos erros, não mais reparáveis. Eu era um assassino, que desmembrava todo o sentimento que você me entregava contente. A mais pura verdade, é tudo que posso dar: se pudesse voltar, faria tudo novamente.

Eu sou ainda aquele. Que ainda quer que você volte, desejando forte ao ponto de rachar, que todo o tempo que passou tenha sido um sonho. Patético, a forma que quero arrancar todo seu sonho pra desfazer meu pesadelo; eu ainda sou o mesmo.

Essa é a minha falha. Fui um assassino, e permaneço à essa mercê. A distância, então, sempre será a melhor solução. Até que, um dia, não seja mais. Até que, um dia… Um dia que poderei olhá-la novamente e ver, enfim, que você é espetacularmente mais bela vivendo o que merece viver e sentir, a sua vida. E não a minha.

O dia está nascendo mais uma vez. Nas janelas, o ar da manhã, a claridade. Outra noite em claro. Encharcado. Mas, ao menos o direito de um respiro longo e profundo eu tenho. Ainda não morri. A lembrança, as sensações, não me mataram. Mas aquele sorriso que forma em seus olhos tão curvados... Algum dia ainda vão me matar.

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⏰ Last updated: Dec 26, 2023 ⏰

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O Sorriso Nos Teus Olhos Ainda Vão Me MatarWhere stories live. Discover now