Capítulo 4 - Nada Principesco

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KILLIAN

Ano 7026

Os pelos da nuca da garota se eriçam abaixo de mim e uma risada rouca e profunda sai de minha garganta, garotas teimosas nessa idade, tendem a virar forças da natureza.

- Você não sabe de coisa alguma. - Ela vocifera. - Vá buscar o que eu quero.

- Temo que você terá de vir comigo, não sei a onde estou e muito menos como chegar ao castelo. - Claro que sabia. Conhecia esta terra como se seus rios fossem as linhas das minhas mãos. Ela me olha com desdém, mas me controlava agora.

- Bem, não há oque você possa me fazer mesmo. - As palavras são mais para confortar a si mesma do que me para me inferiorizar.

- Então me desamarre, Arabella.

Eu amava o gosto selvagem que aquele nome tinha sob minha língua.

Ela volta e corta as trilhares de amarras que fez em meus tornozelos e pernas com a faca suja de meu sangue, todas inúteis. A menina caminha para seu cavalo e me chama em um aceno, a cabeleira loira com vida própria trançada tocando abaixo dos quadris. Vejo o garanhão negro que eu conhecia tão bem e não consigo evitar, aproximo a mão de seu focinho e ela logo deposita um tapa em meus dedos antes que eu pudesse toca-lo.

- Ele odeia coisas estranhas que se movem, morderá sua mão. - Mas eu não era um estranho. O cavalo avança e toca sua testa sob a palma de minha mão parada no ar e ela franze o cenho.

- Tire suas mãos dele. - No fundo ela sabia que algo não estava certo, é esperta feito uma cobra. Sorrio para Nock e ela monta o animal, me puxando para subir atrás dela. O vento bate em seu cabelo e o aroma bom de verbena e dama da noite atinge meu nariz. Como eu era devoto desse cheiro, o cheiro dela.

A menina toca o cavalo e galopa como um raio floresta adentro, eu agarro sua camisa para me segurar sem tocar seu corpo.

Como eu fedia, estava com fome e cheio de espinhos de roseira cravados na pele, porque Arabella era uma negligente.

Cavalgavamos cada vez mais rápido e o cavalo relinchava chamando por guerra, a garota gargalhava sob a luz da lua cheia e sua trança se soltava aos ventos.

Chegamos em Torydan pela manhã, eu assumi as rédeas do animal e coloquei uma capa para não ser reconhecido, na entrada do castelo, ela se passaria por uma amante. Na realidade, nem havia necessidade alguma disso, porém, Arabella não sabia e havia arquitetado desculpas e desculpas para eu dar por ter faltado em meu próprio casamento inexistente, eu disse que era fácil dar conta dos problemas e não precisava daquilo, mas na realidade, em questão de problemas, não existia nenhum. Exceto por ela.

Os guardas abrem o portão ao ver meu rosto, guardam Nock, e eu nos encaminho para dentro do castelo.

- Na verdade, Arabella, houve uma mudança de planos.

- Não, não houve.

- Sim, houve. Não lhe darei dinheiro algum sem algo em troca. - Ela cai na gargalhada.

- Você não está em posição de exigir nada. - A fêmea é ríspida, fria e eu deixo minha máscara terminar de cair.

- Aí é que você se engana. Magia não é algo que você controla, magia é algo vivo e você não pode roubar o livre arbítrio de alguém, o jurando a você, sem dar nada em troca.

- O. Que. Você. Está. Falando.

- O poder que você tem sobre mim, eu tenho sobre você. Você não pagou, então eu fui e reivindiquei oque você devia. - Ela me olha em entendimento, o rosto ficando sombrio com minhas palavras.

- Quem é você? - Os cantos dos meus lábios se repuxam para cima.

- Sou o príncipe Killian. E o rei, a rainha, meu irmão e sua esposa, sou os pais, os avós deles e todos que vieram antes, sou este castelo, sou esta terra e sou seu. Mas você... também é minha. - Me aproximo dela e não conseguindo manter as mãos longe de seus cabelos macios, deslizo uma mecha entre meus dedos antes que ela se afastasse. - Era muito antes de você fazer essa merda, era bem antes de você ter pisado no mundo, era antes desse mundo ser um mundo e era minha em outro dele também. Então o juramento na verdade não faz diferença alguma para mim. - A boca dela se abre e fecha e a pele está branca feito papel.

- Sou eu quem zelou seu sono, Arabella, sou eu quem segurou o sangue que saia do ventre de sua mãe com as mãos quando você nasceu gritando e rasgando a mulher ao meio, sou eu quem acariciou sua alma quando ela ainda não habitava um corpo, fui eu quem lhe deu Nock. Aquele cavalo? Ah, ele era meu. Nasceu de minha poeira. Sua sorte não existe, a deusa não existe, fadas madrinhas não existem, eu sou todos eles. - Ela me observa como se eu fosse um quebra cabeça de mil peças.

- Não me tema. Eu lhe conheço antes mesmo de conhecer a mim mesmo. - A expressão de terror some de seu rosto e dá lugar a uma de indignação.

- Acha que eu tenho medo de você? Estou pouco me importando para quem você é. E não, você não me conhece. - Quanto tempo minha paciência dura? Devo ter planejado esse discurso desde que me conheço por gente e ela o ignora.

- Adorava como você sempre atraia garotos e os despachava com a mesma facilidade, gostava mais ainda quando você pegava no sono sob o telhado de sua casa, admirando as estrelas. Depois eu sonhava com a visão do céu acima de seus olhos fechados. Você sabe o nome de todas aquelas estrelas. E fica muito boca suja quando está nervosa...  - A provoco

- Não estou te reconhecendo. Você pode, por favor, falar algo que eu entenda ao invés de encher linguiça? - Reviro os olhos ao escutar a menina. Ela ama palavras bonitas e as joga ao léu quando são ditas a ela.

- Sou seu kan-ori, pedaço de descerviço. E sou velho.

- Kan-ori? Essa merda existe?

- Ah, como existe. - Levo a mão a ponte do nariz e comprimo os olhos de estresse.

- Ah, que pena. Me pague e eu estou indo embora, você está acabando com a minha sanidade mental.

- Sanidade mental? Essa merda existe?

- Estou falando sério. Não tenho interesse no que você tem a dizer.

- Você não vai embora. Eu atravessei mundos para te seguir e agora que lhe tenho, não vou deixar que vá. E como eu também tenho certo controle sobre você, você fica aqui, e então eu pago a dívida de seu irmão.

- Atravessou por que quiz, não lhe pedi nada e não vou ficar aqui.

- Você vai e sabe que não tem escolha. Uma vida por outra.

Pagar a dívida do irmão para que ele não vá ao exército por um ano, significa salvar uma vida que não sobreviveria por uma semana, é um preço caro. Ela olha para mim e fica em silêncio até assumir uma expressão determinada.

- O exército é temporário, então minha estadia aqui também. Fico até o final da estação e sumo de suas vistas. - Eu disse que ela era esperta. Sabia jogar, sabe que não pode me contrariar, sabe que caiu em uma armadilha e sabe exatamente como sair. É pouco tempo, já que o outono acaba em pouco mais de um mês, mas ela também tem certo controle sobre mim.

- Aceito.

Notas da autora: Se gostarem, curtam por favor!! 💋
Perfil no tik tok: @clyna.trivonn

Dobradora de CoraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora