Encruzilhada

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Enquanto a chuva martela implacavelmente contra os destroços da escola, estou lá, agachada na escuridão úmida, com os olhos fixos na rua deserta à distância que se estende como um rio escuro sob o manto da noite. A luz da lua luta para penetrar as nuvens carregadas, lançando sombras distorcidas sobre os escombros ao meu redor. O vento sussurra entre as paredes quebradas, como se murmurasse segredos de tempos passados. Voltei à sala dos suprimentos mais cedo, mas foi em vão. As caixas que antes abrigavam os suprimentos agora estão vazias. Não há sinais dos sobreviventes que antes ocupavam aquele espaço, apenas o eco vazio da minha própria respiração e o retinir monótono  da chuva lá fora. As lembranças do recente encontro com Sara e Ana ainda ecoam em minha mente, cada palavra áspera de Sara ressoa em meus ouvidos, cada olhar de desconfiança que ela lançou em minha direção parece queimar minha pele. A raiva começa a borbulhar dentro de mim, uma chama crescente alimentada pela injustiça do momento. 

Como Sara pôde ser tão cruel, tão implacável?

 A sensação de impotência, de estar à mercê das vontades de estranhos, ainda ecoa dentro de mim como um eco sinistro. Minha raiva cresce à medida que repasso a cena, questionando a ética e a moral daquela que se julga dona da vida e da morte. Mas mesmo enquanto a raiva domina meus pensamentos, uma vozinha de racionalidade sussurra em meu íntimo. É uma batalha interna, entre a raiva justificada e a compreensão racional. Por enquanto, a raiva parece ter a vantagem, mas sei que devo controlá-la, direcioná-la para garantir minha própria sobrevivência. Com um suspiro resignado, afasto os pensamentos turbulentos e me concentro no presente.

Ao examinar com mais atenção através da abertura na parede, percebo o que parecem ser manequins descartados próximo à entrada de uma loja. A visão desperta em mim um lampejo de interesse, mas logo minha atenção é desviada para minha própria condição. Observo meu moletom, antes cinza escuro, agora sujo e manchado de vermelho, testemunha silenciosa dos acontecimentos recentes. Uma sensação de desconforto se instala ao perceber o estado lamentável de minhas roupas. Desvio o olhar para minha calça, notando um rasgo acima do joelho que revela a pele bronzeada sob o tecido desgastado. O encontro com Sara e Ana, e a confrontação anterior, deixaram marcas visíveis em minhas vestimentas, assim como em minha própria mente. Sinto um misto de desânimo e determinação ao constatar a necessidade premente de trocar minhas roupas. 

Com a mochila ajustada aos ombros, e o arco ao redor do meu corpo, sigo em direção à saída da escola, movendo-me um pouco mais devagar do que o habitual, pois a dor de cabeça ainda persiste. Movo-me cautelosamente pelas sombras e pela vegetação que rodeia a entrada da loja. Cada passo é calculado, cada respiração é controlada. Ao me aproximar da entrada da loja, meu coração acelera ligeiramente. Observo as janelas e portas, procurando por sinais de movimento ou perigo iminente. A chuva continua a cair incessantemente, criando uma cortina sonora que me envolve, tornando meus passos quase inaudíveis.

Antes de adentrar, paro por um momento para verificar minha mochila. Ajusto as alças nos ombros, garantindo que esteja firme e confortável. A lanterna é retirada com cuidado, as pilhas encaixadas com precisão. Com um movimento suave, ajusto o feixe de luz para uma intensidade mínima, suficiente para me orientar, mas não o bastante para revelar minha presença a qualquer um que esteja por perto. Com um último olhar ao redor, reunindo toda a coragem que posso, preparo-me para adentrar a loja.  O interior está envolto em sombras densas, a luz fraca da minha lanterna  projetando silhuetas distorcidas nas paredes empoeiradas. O cheiro de mofo e abandono permeia o ar, uma mistura pungente que se mistura à chuva que ainda ecoa lá fora. A disposição dos móveis e prateleiras revela um passado de elegância e sofisticação, agora perdido no tempo e na ruína. Manchas escuras adornam o carpete desgastado, e a cada passo, ouço o rangido dos assoalhos, um eco fantasmagórico do movimento que já foi frequente por aqui.
Os manequins, outrora exibindo as últimas tendências da moda, agora estão despidos e desfigurados, suas formas humanas distorcidas pela negligência e pelo tempo. Alguns jazem caídos no chão, como sentinelas solitárias de um passado glorioso que nunca mais voltará. Roupas rasgadas e empoeiradas se amontoam em pilhas desorganizadas, testemunhas mudas da passagem do tempo implacável. Com passos cuidadosos, sigo na direção do que parece ser a seção de roupas femininas. O chão empoeirado ressoa sob meus pés, acompanhado pelo suave farfalhar de insetos que fogem da luz da minha lanterna. A cada passo, sou envolvida por uma sensação de abandono e desolação que permeia o ambiente.

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