O dia em que Camila dançou

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O dia em que Camila dançou

Descemos um pequeno trecho de escada, anexo a casa, que ficava fixada em meio a pedras e florestas à beira mar na praia da Joatinga - Rio de Janeiro.

Colocamos os pés na areia, e fixamos nossos olhares no horizonte, onde tudo parecia mais reto, sereno e tranquilo, do que as nossas vidas.

Eu morava em Botafogo, Camila morava em São Conrado e amava os dois irmãos, não os de sangue, que ela não tinha, mas o morro que fica em São Conrado onde ela morava.

Meu pai tinha uma casa na Joatinga onde a gente ia passar uns dias, vez ou outra.

Camila queria conversar sobre o passado, sobre o futuro e sobre como ela tinha visto um homem estalar as costas de maneira prazerosa, indolor e até erótica em um canal da internet. Mas passou a falar de dois amigos nossos, Pedro e Gustavo, a quem ela tinha muito carinho e que eram irmãos, mas que assim como o morro Pedro e Gustavo tinham rolado lama sobre meu relacionamento com Camila, que a essa altura estava indo mar abaixo, curiosamente ainda usando a geografia carioca, eu precisava do dedo de Deus para que as coisas se ajeitassem.

- Carlos, é verdade que você não sabe dançar? - perguntou Camila.

- Eu sei sim, só que danço sem me movimentar.

- hahahahahahahaha, Carlos, ninguém dança sem se movimentar, que ridículo, faz aí um movimento qualquer.

- Não vou fazer, todo mundo olhando, olha aquele casal ali, com guarda sol bege, horroroso, eles vão me julgar.

- Eles não estão nem aí para você Carlos, quem compra um guarda sol bege, ou quer se camuflar ou desistiu de tudo já, dança ai, faz um reboladinho pra mim faz hahahahaaa.

- Ok, você pediu - fiz então meu passo mais famoso, um passinho maroto que não tinha erro, ela riu como se não houvesse amanhã jogando seu corpo na areia, com as mãos na barriga em em meio ao mar da Joatinga, o mar teve inveja de mim por cair ao seu lado e abraçar seu sorriso naquele momento. Camila me olhou entre risos e como quem olha um avião decolando, partindo e falou:

- Eu sei dançar, mas deixo meus melhores passos para o fim do mundo.

- Mas que pusta papo doido esse Camila, como são os passos do fim do mundo?

- Uma hecatombe global, uma pandemia, uma chuva de asteroides, é uma espécie de dança do recomeço, hahhahahahaa.

- Gente do céu, eu espero que você nunca tenha que dançar isso, rimos muito.


Fato é que fomos até a casa da Joatinga terminar, pois foi lá que começamos a namorar, e lá terminamos o namoro, não o amor, ali mesmo na praia naquele dia fizemos uma divisão de bens imateriais, eu fiquei com toda a saudade do mundo e Camila com meu coração.

Pedro e Gustavo, os dois "irmãos" tinham convencido Camila a mudar de cidade por conta de trabalho e porque não me achavam um bom namorado, talvez eu não fosse mesmo, nunca a trai com ninguém, mas com as minhas coisas, deixei que o tempo comigo consumisse o tempo que havia entre nós.

Agora toda vez que vejo o morro dois irmãos sinto raiva, porque me lembro das coisas todas que ambos falaram, para ela se convencer a ir embora, embora não seja culpa deles, dos morros, não o Pedro e Gustavo, esses têm culpa e claro eu também.

Dez anos se passaram, Camila agora morava em São Paulo e eu tinha me mudado de vez para a casa da Joatinga, ficamos todos isolados em casa graças a uma pandemia global, eu em home office passei a trabalhar olhando para o mar e mais solitário do que nunca.

Eu sou botânico, biólogo e viver aqui além de bom faz parte do trabalho, uni duas coisas que amo, Camila também, é cantora e vive em São Paulo, não nos falávamos mais a anos.

Em um dia de muita chuva no verão eu ouvi gritos na praia, corri até a janela e para minha surpresa lá estava ela, molhada descabelada dançando muito, eu não parei para entender só desci as escadas meio chorando meio aflito e muito feliz, corri e como na cena de um filme abri meus braços e fui para um apaixonado beijo de amor, ela me segurou pelos braços e disse: Dança comigo?

Eu dancei, como um macaco prego com labirintite, uma morsa coçando as costas, um pinguim em Ipanema eu dancei, fora do eixo, do prumo, do ar.

Nos beijamos entre risos, lágrimas e risos, no dia que Camila dançou.

No fim do mundo que assistimos acontecer jurei dar meu tempo todo para ela a partir dali, se o mundo não acabasse de vez a gente iria dançar muito mais.

No caminho para a casa eu gritei bem alto: CHUPA DOIS IRMÃOS!

Camila me perguntou: o morro ou Pedro e o Gustavo?

Respondi: Os dois!


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⏰ Última atualização: Feb 06 ⏰

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