Prólogo

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Depois de sair do bar, Eric Malgally cruzou uma alameda úmida e escura. Os postes estavam acesos, e projetavam sobre a estrada de pedra longas sombras trôpegas enquanto Eric andava a passos curtos e tristes.

Alguns metros à frente havia um banco de madeira. Eric sentou-se nele e soltou um suspiro. Seus bolsos estavam vazios.

Um desconhecido se aproximou pela rua e jogou-lhe uma moeda prateada de cinquenta marrecos.

— Dia difícil, huh? – disse o sujeito. Seu rosto era oculto pela aba do chapéu e pelas folhas de um jornal velho. – Quero dizer... Tudo anda complicado nesta vida. As noites, os dias...

— Nem me fale – disse Eric, analisando se deveria guardar a moeda.

— Pobre homem aquele que desconhece as magias facilitadoras – recitou o desconhecido. Pelo jeito que falara, Eric supôs que fosse uma citação de livro. Capaz de ser da Bíblia, mas Eric já não era mais o homem religioso que fora no passado. – Minha vida nunca mais foi a mesma.

— Acabei de sair de um bar – disse Eric confuso – Então talvez seja eu, mas não sei do que está falando.

— Segredo meu – riu, misterioso. – Quer saber mais sobre como mudei minha vida?

— Não tenho mais nada a perder – lamentou Eric. – Perdi meu pai, minha loja e, de quebra, minha vontade de viver... Conte o que quiser. Eu acredito em tudo.

O homem tirou do casaco uma garrafa de gargalo comprido.

— Pode guardar. Estou farto de beber – disse Eric, desgostoso.

— Você não entendeu, homem. Este é o segredo do qual lhe falei: a garrafa é pura mágica.

Eric soltou uma risadinha seca, apoiando uma das mãos na lateral da cabeça tonta, e fez menção de se levantar.

— Eu vou para casa.

— Não há ninguém esperando por você lá, Eric.

Eric parou. Olhou para o estranho, cujos olhos brilhantes fulguravam sob a sombra do chapéu.

— Eu sei no que você está pensando – disse o homem. – Mas com a garrafa, e somente com a garrafa, isso pode mudar.

Ergueu-a onde Eric pudesse ver. Era estranha, grande, feita de um vidro cristalino que vidraceiro algum seria capaz de fazer. Dentro dela reviravam-se ondas pretas e prateadas de fumaça e líquido espiralados, lacrados por uma rolha comum.

— Bonita, não é? É meu melhor trabalho até agora.

— Encantadora. Deve ter lhe custado caro para ser feita.

— Para você será um presente.

Eric pegou-a nas mãos. Era fria ao toque e causou formigamentos estranhos nos seus dedos.

— Como funciona? – perguntou ele, recostando a garrafa no colo para livrar as mãos do formigamento.

— Você assina – ele tirou do casaco um rolo de papel e uma pena preta. – Depois disso, apenas peça. E não faça muitas perguntas.

— Posso pedir qualquer coisa?

— Sim.

— ...E essa coisa acontecerá?

— Da maneira que for menos esperada... Você tem minha palavra.

Eric não pensou em mais nada. Apenas escreveu seu nome na lacuna do papel e entregou-o para o sujeito, que de imediato desatou a rir.

— Bom negócio, Eric Malgally – disse ele às gargalhadas, dando tapinhas no ombro de Eric. O jornal havia sido derrubado no chão. – Bom negócio!

O sujeito levantou-se, animado e triunfante.

— Hahaha, Eric Malgally! – riu ele com a bocarra cheia de dentes. Tirou o chapéu e jogou-o para o ar. – Bom, bom negócio! Negócio espetacular! Você não vai se arrepender!

O sujeito livrou-se das roupas; tinha longos braços vermelhos terminados em longas unhas pretas, cabelos oleosos e chifres anelados. Exibiu um largo sorriso diabólico para Eric, que, do banco, segurando nas mãos trêmulas a garrafa, olhava-o espantado.

— Mas o que é isso, Eric? Não faça essa cara. Este é o melhor negócio de toda a sua pobre vida miserável. Anime-se, vamos! Não quer apertar a mão do seu novo irmão?

A mão que foi estendida a Eric era grotesca. Dedos compridos e cheios de nós, longas unhas pretas e a abominável pele escamosa. Eric segurou-a e, ali, deu início ao trato maldito.

O Circo e a GarrafaOnde histórias criam vida. Descubra agora