60 - As boas lembranças permanecem.

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É difícil superar a partida de quem amamos. Um lado de mim se recusa a acreditar, como se não fosse possível, não fosse real tudo que tinha acontecido. E o outro lado tentava me consolar. Meus olhos estavam inchados de tanto chorar.

Agora estávamos em Nova York. O corpo dela seria velado daqui a pouco. Ao olhar para aquele rosto que eu costumava olhar quando ela estava dormindo, fez meu estômago embrulhar. Seu rosto estava sereno e não tinha mudado nada. Meu peito de apertava de uma coisa que eu não sabia descrever em poucas palavras.

Um rosto que seria lembrado para sempre. Me lembrei daquele dia que tivemos nosso primeiro encontro. Eu a levei para passear na ponte do Broklin, passeamos juntos, ela se abriu comigo, e me fez ter uma ideia de quem realmente ela era.
Tantas coisas passaram despercebidas por mim, que agora, só consigo pensar naquele pequenos detalhes que faziam ser ela.

As lágrimas molharam meu rosto. A verdade é que ela deu duro de si para conquistar as coisas que sonhava, e ela deixou um legado para todos. Trabalhava até onde não dava, não tinha amigos e não confiava em ninguém. Quando mais precisei ela estava lá e quando ela precisou, eu não estava.

A primeira coisa que eu lembraria quando fechasse os olhos para dormir era daquele sorriso que acompanhava meus dias, dos cabelos loiros dela, do olhar que queria me matar em quase todas as vezes que eu a fazia
sentir raiva de mim; o corpinho miúdo que muitas das vezes estava enfiado numa roupa maior que ela duas vezes.
O jeito zangado de lidar com as coisas. Essas lembranças enchem meu peito e meu coração de uma sensação tão desconhecida. A sua mão - quando toquei - parecia tão fria e mole. Toda vez que eu a olhava, via que não era a minha Bruna. Eu precisava que ela voltasse. Eu queria que ela voltasse.

Meu mundo desmoronou.

Todo mundo me dava uma palavra de consolo, mas não entendia o que eu estava passando. Achei que teria mais tempo com ela, todo mundo queria ter mais tempo.

Será que estaria orgulhosa de si mesma? Eu queria tanto uma resposta. Queria fazê-la sentir menos dor, queria tê-la salvado, queria ter dito que a amava mais uma vez, que ela fazia parte dos meus dias e fazia meus dias mais completos... e eu tive essa chance e deixei passar.

Carregaria aquela culpa comigo pelo resto dos meus dias.

[...]

- A garota que morreu esfaqueada foi enterrada hoje, por volta das 8hs da manhã. - A repórter disse. Eu não conseguia mais ficar escutando toda hora "a garota que morreu esfaqueada", eu me recusava ficar de frente para aquela verdade toda hora. - Durante todo o velório, parentes e amigos da garota estiveram aqui, dando discursos. É lamentável tudo que aconteceu, mas as boas lembranças permanecem.

Acompanhava tudo, como se fosse em câmera lenta. As palavras do pai dela, da mãe dela. Quando chegou minha vez, achei que não conseguiria falar nada, achei que não resistiria, foi como ter perdido o chão.

"É difícil superar a partida de alguém que amamos, principalmente quando essa pessoa te salvou de momentos que, na minha cabeça, eu não sairia dali. Ela me salvou, me ajudou quando precisei e eu não pude salva-la! Ninguém está preparado para dizer adeus, para se despedir de alguém que mantia seus pés no chão, alguém que fazia a diferença na sua vida apenas pela sua presença animadora... a vida é assim: nos dá presentes, mas ela os toma de volta. Eu fui uma pessoa tão rica por ter tido a chance de conhecê-la, de amá-la, de estar presente... não me arrependo dos riscos de corri, para vê-la feliz."

"Eu olho para essas pessoas...- Pessoas que nem tinham contato com ela, pessoas que eram da faculdade...- E me pergunto o que ela pensaria se vesse todos vocês reunidos em um mesmo lugar. Poxa, por que tinha que ser ela? O que vai ser da minha vida agora? Não dá para ser forte agora, não é um bom momento para isso. Bruna se foi, e levou meu coração junto. Como pôde fazer isso comigo? Ir embora assim, me deixando aqui, ela quem trouxe luz a minha vida e levou embora de novo..."

Foram meses ao lado dela. Fico pensando se ela não estaria se despedindo de mim, se ela já sabia que iria morrer. No show do James estava tão feliz, tão feliz. Pulava, cantava, agarrada ao meu pescoço. Eu nunca tinha visto ela tão feliz antes.

Pena que essa alegria foi arrancada dela da pior forma. Eu queria ver aquela garota apodrecendo na cadeia.

Foi então que me lembrei de algo. Olhei uma última vez para trás e saí, com um rumo já minha cabeça, decidido. Andei pelas ruas de Nova York, que fazia muito frio. Nunca imaginei ter que andar por essas ruas tão cinzentas, com uma agonia e amargura tão grande em meu coração.

Enfiei as mãos dentro do bolso do casaco e caminhei, sabendo exatamente para onde ir. Todo esse tempo, eu me recusava a pegar no celular, ver as mensagens que trocávamos, os áudios que ela me mandava, as fotos que tínhamos. Ela realmente foi embora tão cedo da minha vida e é uma pena que eu não estivesse preparado para vê-la partir.

Meu coração estava partido, angustiado na certeza de ter que encarar tudo isso sem ela: a faculdade, uma vida sem Bruna. Meu Deus, como eu vou sobreviver a isso aqui?

No fundo da minha mente, pedi que Deus fosse para mim um salvador que pudesse e tirasse aquela dor de mim, ou que me levasse para perto dela, para bem perto, para que quando eu acordasse, enxergasse seus olhos. Só permanecia uma dor tão lenta e angustiante dentro de mim, sugando cada parte de mim. Não estava preparado.

Respirei fundo e adentrei aquele local, sendo recebido por duas pessoas. Parecia que já estavam me esperando.

•••
Seguinte...

O livro está chegando ao final!

Nunca tinha escrito um final tão triste para um livro, mas para ficar em mente que nem todos os livros possuem um final feliz. Realmente, não tinha como ela escapar de tudo aquilo, e não, eu não tinha essa ideia na cabeça quando comecei escrever o livro, mas é bom fugir da realidade algumas vezes.

Se ainda tivermos 5 cap são muitos.

O Garoto Do Ônibus || Concluído ✔️ Where stories live. Discover now