Capítulo 5: Sussuros Da Cidade

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Duas semanas se passaram desde o início da minha investigação sobre o assassinato ocorrido em um apartamento na zona oeste da cidade, tendo como figura central o Dr. Martin, que se auto intitula psiquiatra. Embora sua qualificação seja indiscutível, seus métodos apresentam diversas problemáticas que precisam ser expostas para que o público conheça sua verdadeira identidade.

A cada dia que passava, sentia-me mais compelida a investigar seus procedimentos após encontrar um registro criminal que o acusava de práticas abusivas, como tortura psicológica e testes indevidos com medicamentos em seus próprios pacientes. Durante essa pesquisa, descobri que nossa pequena cidade poderia muito bem servir de refúgio para o Dr. Martin, visto que não é reconhecida oficialmente em nenhum mapa. Mas... Qual a razão pela qual Dr. Martin o faria? Estaria ele fugindo de alguma coisa?

Após analisarmos o exame de sangue da vítima e confirmarmos que era um paciente do Dr. Martin, John Bennett, Daniel e eu retornamos ao meu apartamento. Enquanto meu colega de quarto dormia no sofá, eu me sentei no chão com o notebook no colo, próxima a ele. Poderia utilizar meu gravador de voz para registrar meu relatório, mas não queria acordá-lo; ele mal havia descansado na noite anterior. Às vezes, desejo poder fazer mais por ele. Tento dizer palavras amáveis, aquelas que eu gostaria de ouvir nos meus momentos difíceis, mas questiono se é suficiente.

A cortina de tecido fino ondulava suavemente com a brisa que entrava pela janela aberta, acariciando meu rosto e entrelaçando-se em meus cabelos. Meus olhos se desviaram involuntariamente para o maço de cigarros na gaveta do pequeno armário perto da janela. Faz três anos desde que parei de fumar, um compromisso que assumi comigo mesma durante uma crise pessoal. Por algum motivo, vê-las ali trouxe uma enxurrada de devaneios... Memórias do tempo em que assisti ao funeral de vários colegas... Todos foram mortos enquanto investigávamos algumas denúncias de tortura e testes indevidos de medicamentos em seus pacientes, e por isso carrego essa responsabilidade comigo. Devo terminar o que eles começaram. Mas seria egoísmo da minha parte acreditar que eu seria capaz de trazer paz aos espíritos de meus colegas? Ou seria ingenuidade julgar-me capaz de resolver um caso tão complicado e sinistro? Sem contar com fato de John Bennett estar drogado antes de sua morte. Por que? Seriam os mesmos remédios que Daniel tomava?

Tentei dissipar esses devaneios com mais um gole de café, cerrando os olhos com força enquanto sacudia a cabeça. Ao abri-los, percebi um documento próximo ao envelope que Edmundo me entregara. Era um relatório de Bennett sobre a investigação que ele começara cinco anos atrás, mas por que ele seria assassinado apenas agora? John Bennett deveria ser muito habilidoso em ocultar seus próprios rastros, já que nem mesmo eu sabia da sua existência. Entretanto, não podia dizer o mesmo a meu respeito. Tenho notado movimentos suspeitos do lado de fora do meu apartamento, além dos olhares estranhos. Talvez estejam tentando me deixar vulnerável psicologicamente com esse jogo doentio, e devo admitir que parece estar funcionando. Essa manhã senti-me terrivelmente ansiosa, ah droga... Não posso me deixar levar por essas emoções. Eu preciso ser forte.

Enfim, o documento era um relatório de Bennett como paciente do Dr. Martin, no qual ele consumia os medicamentos prescritos pelo médico e relatava sentir efeitos colaterais como insônia, tremores e até náusea. Em outros parágrafos, Bennett mencionava que o psiquiatra parecia nunca estar confortável compartilhando o mesmo espaço com ele, e que o consultório se tornava progressivamente mais claustrofóbico com o passar do tempo. Uma crescente sensação de vazio se instalava em seu interior.

Ler esse último relato me levou a refletir sobre a condição de Daniel. Teria ele vivenciado a mesma situação para chegar ao ponto em que se encontra? Se o Dr. Martin não se sente confortável com seus pacientes, por que continua a exercer a psiquiatria? O que ele ganha com isso? Então foram os remédios prescritos dos Dr. Martin que apareceram no exame? Que tipo de medicamento ele distribui para seus pacientes? Então é dessa maneira que ele testa os medicamentos?

Uma hora já havia passado e eu ainda estava contemplando o relatório de Bennett, segurando-o em minhas mãos e encarando-o enquanto sentia minha mente se desfocar, me levando a diferentes lugares em minhas memórias. No entanto, nenhuma delas era útil para o progresso da investigação. Eu precisava clarear as ideias.

Enquanto me apoio no parapeito da janela, deixo meu olhar vagar pela paisagem urbana diante de mim. As ruas tranquilas e os prédios silenciosos parecem ecoar a quietude que se instalou em meu próprio interior. É raro eu me permitir esse momento de pausa, de simplesmente observar o mundo ao meu redor sem a pressa de desvendar cada mistério que se apresenta.

A brisa suave que entra pela janela brinca com os fios soltos do meu cabelo, e eu fecho os olhos por um instante, permitindo-me saborear a sensação de liberdade que esse pequeno gesto me proporciona. É como se, por um breve momento, eu pudesse escapar das amarras da minha própria mente, das preocupações e dilemas que me consomem dia após dia. Surpreendo-me ao perceber o quão raramente me dou esse tempo de ócio, esse momento de silêncio onde posso me reconectar comigo mesma e com minhas próprias motivações. Sempre tão imersa na busca incessante pela verdade, às vezes me esqueço de que também sou humana, com minhas próprias necessidades e desejos.

Observo as pessoas lá embaixo, indo e vindo, cada uma com suas histórias, seus sonhos e seus medos. E me pergunto se elas também se sentem perdidas às vezes, se também questionam o propósito de suas vidas e o significado de suas escolhas.

Talvez seja isso que me atrai tanto na observação silenciosa do mundo ao meu redor. É como se, por um breve momento, eu pudesse me conectar com a humanidade como um todo, com todas as suas dores e alegrias, suas dúvidas e certezas.

Sinto-me renovada pela breve pausa que me permiti. Nesse momento, compreendo melhor a razão pela qual Daniel sempre procura contemplar a paisagem quando possível. Para ele, é uma forma de descanso, uma maneira de escapar temporariamente das pressões e responsabilidades que pesam sobre seus ombros. É uma conexão com a simplicidade da vida cotidiana, um momento de paz em meio ao caos da cidade.

Ainda há um longo caminho pela frente, muitas perguntas a serem respondidas e mistérios a serem desvendados. Mas agora, pelo menos por um instante, sinto-me mais centrada, mais conectada comigo mesma e com o mundo ao meu redor.

O Despertar do AbismoOnde histórias criam vida. Descubra agora