Capítulo 2

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O menino acordara tarde aquele dia, e já tinha passado a hora do almoço quando ele não aguentou mais os gritos da mãe e foi levar o lixo pra fora. Saiu do apartamento com os sacos pretos e ainda de roupão, desejando estar em qualquer outro lugar no mundo. Quando chegou no beco perto de sua casa, viu o sangue seco cobrindo o chão.

Que lindo Ele pensou enquanto ia em direção a caçamba de lixo Outra briga de gangues.

E abriu a tampa do lixão verde, pronto pra jogar os sacos ali e voltar pra casa. Mas então viu o corpo lá dentro, e controlou o grito de susto.

A menina tinha sangue desde os cabelos azuis até as botas de couro, e o vestido estava em frangalhos. Era tanta sujeira que ele nem mesmo conseguia ver aonde estava a ferida responsável por tudo aquilo.

Com os dedos trêmulos checou o pulso inexistente da garota, apenas pra constatar que ela estava realmente morta.

Suspirou pesadamente, se sentindo triste pela pobre alma tão brutalmente assassinada, e começou a bater as mãos nos bolsos do roupão, com a esperança de ter levado o celular.

Agradecia mentalmente o emprego no hospital que lhe dera um estômago forte, quando o corpo soltou um arfar pesado e se sentou.

O menino soltou um grito alto enquanto via a menina, que segundos atrás estava completamente morta, olhar pra ele com olhos negros e confusos. E então ele saiu correndo beco afora, aterrorizado demais com a situação para prestar socorro.

A menina soltou um gemido de dor, sentindo os ecos de suas antigas feridas em sua pele. Levou as mãos pálidas até a barriga, que antes ostentava o corte que a matara. Não havia nada, claro. O vestido estava rasgado, mas o tronco estava liso, apenas com uma leve cicatriz.

Pandora suspirou cansada quando viu o corpo imundo de sangue. E então resolveu sair dali rapidamente, antes que o moleque voltasse. Se impulsionou pra fora da caçamba verde, soltando um bufo irritado.

Haviam jogado o corpo dela em um lixo. Que fantástico.

Olhou ao redor e viu um brilho prateado e percebeu que eram suas armas - ou algumas delas. Quando se aproximou notou que estavam as duas adagas e apenas uma das facas. Tateou a bota e achou a única lâmina que não usara ainda lá, e guardou as outras.

O sobretudo preto do primeiro anjo também estava ali, todo embolado e sujo de poeira. Ela o pegou e então o vestiu, cobrindo sua aparência catastrófica. Vasculhou o lugar com os olhos e encontrou sua bolsa quase embaixo da caçamba.

Ficou feliz ao ver que todo o seu dinheiro e suas coisas ainda estavam dentro, o que garantiria um taxi de volta ao hotel.

Depois puxou o capuz sobre os cabelos pegajosos e saiu a passos largos do beco. Na esquina, ainda teve tempo de cruzar com o menino que a encontrara morta, andando tão apressado e preocupado que nem teve tempo de perceber que era ela que o aterrorizara minutos mais cedo.

Sentia seu corpo rígido conforme se movimentava; morrer não era agradável.

Pandora se lembrou da primeira vez que morrera - primeira vez desde que tinha acordado em Paris a um ano atrás; antes disso, só podia supor. Tinha sido encurralada por vários demônios horríveis com dentes pontudos e garras afiadas, e ainda estava se acostumando com os movimentos de luta que seu corpo parecia conhecer tão bem. Ela batalhara bravamente e até derrubara alguns inimigos, mas eles eram muitos e ela ainda era fraca.

Quando percebeu que ia morrer, ela se sentiu triste e aliviada ao mesmo tempo - tristeza porque morreria antes de descobrir quem realmente era, e alívio porque toda a busca e agonia acabaria. E então veio o golpe final, e ela aceitou a morte com um misto de prazer e ódio totalmente doentio - só pra acordar muitas horas depois a beira de um rio, onde seu corpo provavelmente fora desovado. Suas feridas estavam completamente curadas e no lugar delas só haviam cicatrizes, que se juntaram as tantas outras que ela já tinha.

PandoraWhere stories live. Discover now