Fada da Noite

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Fada da noite que pousou em meus sonhos, sua voz de núpcias sussurra os seres sagrados que deseja reviver através de mim.

Fada noturna com olhos nublados pelas ondas negras, olhos de fantasia e pedras preciosas, voa sobre meus ombros e me ataca como serpente, fere minha pele e envenena meu coração com as palavras perdidas, os versos queimados na inquisição, os nomes enterrados na lama de séculos passados, Fada com suas pupilas de flores desbotadas e brilho mutante.

Então minhas mãos pegam na caneta e sinto um aroma de incêndio entre minhas páginas, arde meus pensamentos querendo despertar os círculos mágicos e as recordações avulsas de um mundo antigo e profético.

Não quero sair da cama, não quero sair do quarto, mas aos poucos me recordo de duas meninas que conheci na escola.

Elas me disseram que eram bruxas e praticavam magia.

Bruxas e seus vestidos, sua maquiagem de filme antigo, seus anéis e o perfume erótico de ervas e mar.

Elas foram até minha casa e ficaram encantadas com meu altar, as paredes pintadas de preto e as caveiras espalhadas pelos cantos, os quadros com imagens antigas de demônios e outros símbolos retirados de livros velhos.

Nessa época minha cama era um colchão no chão, tinha uma mesa no canto com os livros que eu estava lendo e um lugar onde pendurava minhas roupas.

Elas se sentaram no colchão e vez ou outra ensaiavam um abraço, um quase beijo que me fazia olhar para elas como duas meninas bem safadas mas que não tinham tanta intimidade entre elas, uma delas tinha quadris largos e cabelo cacheado, um sorriso muito bonito que não exige tantas explicações, a outra uma franja no cabelo preto e a pele bem clara, olhos levemente orientais.

Tínhamos uma garrafa de vinho e histórias para disfarçar nossos silêncios, uma despedida da lucidez em direção ao desejo, de lábios se tocando na mesma taça compartilhada e o pavor erótico da excitação de celebrar os deuses antigos.

Uma delas confessou um estranho sonho recorrente, quando se via perseguida por um lobo enorme.

A outra apenas observava atenta entre uma palavra e outra, fixada no movimento dos lábios de sua amiga.

Eu queria ver suas pernas, suas coxas, suas costas nuas, sou fixado pelos detalhes menos óbvios, as vezes apenas uma leve mudança no tom da voz já mudava todo o clima ao redor.

O sonho do lobo continuava, com a garota percebendo as transformações do monstro em uma figura quase humana, dos pelos do cão satânico sendo diluídos por mãos e lábios quase humanas, de olhos cintilantes, de cheiro de morte e tesão naquela figura noturna que rasgava sua roupa e perseguia seu corpo como presa, como vítima, como uma amante virgem e inquieta.

O aspecto daquele sonho calou nossa realidade e já podíamos imaginar o ruído dos uivos espalhados pelo quarto, a respiração ofegante e a pele arrepiava a cada cena do desejo daquela viagem para um abismo onde todas as oportunidades que temos de fugir dos nossos medos se confunde com a vontade de apenas entregar nossa carne ao pecado do fim.

O lobo com sua língua áspera corria pelos seios dela, sua voz oca de violência e herança selvagem vibravam na intensidade que o corpo dos dois se espremia e as poucas estrelas daquela noite íntima faziam uma celebração do terror.

As quase mãos enterradas entre suas coxas a deixaram imóvel, ela queria gritar mas a voz sumia a cada tentativa e o corpo cada vez mais abandonado ao azar daquela memória, a menina agora narrava seu sonho mais lentamente e suas pernas se moviam trocando a posição do seu corpo a cada nova frase como se um pedaço invisível do sonho estivesse se movendo dentro dele naquela parte, uma quase dor e soluço, uma mudança do seu olhar hipnotizado pela janela do meu quarto.

Ela deitou no colo da amiga, e essa distraída com um cigarro que acabou de acender, brincava de criar desenhos cinzas de vapor a cada trago que se erguia.

Um delírio excitante, o demônio a possuiu de quatro como uma cadela, ela não queria continuar a contar a memória e eu ouvia como quem assiste um teatro feito de máscaras. Uma chapéuzinho vermelho nua não teria sido tão encantador.

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⏰ Last updated: Mar 11 ⏰

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