Capítulo 14

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Ao aceitar sair com Alfonso, senti um peso em meu peito pela decisão que estava prestes a tomar. A decisão de abrir meu coração e compartilhar a verdade que por tanto tempo guardei com receio do julgamento. Era hora de encarar meus medos e contar a Alfonso sobre os traumas que me assombravam, assim ele poderia desistir de investir em mim e seguir a vida dele.

A lembrança daquele momento doloroso ainda está viva em minha mente, mesmo após tanto tempo. Foi um episódio que marcou profundamente minha vida e moldou minha maneira de enxergar o mundo. Às vezes, parece que foi ontem que tudo aconteceu, tamanho é o peso que carrego em meu coração.

Eu era apenas uma criança na época, inocente e despreocupada, até que fui confrontada com uma situação que mudou tudo. O trauma se instalou em minha mente, como uma sombra que me segue por onde quer que eu vá. Mesmo que eu tente deixar para trás, ele sempre encontra uma maneira de ressurgir, trazendo à tona todas as emoções que preferiria esquecer.

É difícil explicar para alguém que não vivenciou o que eu passei a intensidade do que sinto. A sensação de vulnerabilidade, de medo e de impotência diante daquela situação avassaladora. E mesmo com o passar dos anos, a ferida ainda está aberta, pronta para ser reaberta a qualquer momento.

Naquela fase da minha vida, aos sete anos de idade, eu era uma criança cheia de sonhos e aspirações. Entre eles, o desejo de ser veterinária, bailarina e viver em uma casa rosa destacavam-se como pontos luminosos em minha imaginação vibrante. O rosa, com sua suavidade e beleza, era a cor que eu escolhia para pintar meus sonhos.

Contudo, a inocência dessa fase da minha vida foi brutalmente interrompida pelo que aconteceu. O que era antes um céu repleto de estrelas cheias de promessas e possibilidades, tornou-se um cenário sombrio e doloroso. Meus sonhos infantis, outrora tão radiantes, murchara, sufocados por experiências traumáticas que deixaram marcas profundas em minha alma.

Ainda me recordo vividamente de como a criança sonhadora que eu era foi confrontada com a crueldade do mundo. Esses eventos roubaram minha inocência e mergulharam minha infância em sombras. Os sonhos que outrora me inspiravam agora pareciam distantes e inatingíveis, perdidos em um passado que não poderia ser apagado.

Essa transformação dolorosa moldou a pessoa que sou hoje. Mesmo diante da escuridão, busco encontrar um caminho para a luz, curando as feridas e resgatando, de alguma forma, a essência da criança que um dia fui. A jornada para a cura é árdua, mas mantenho a esperança de que, um dia, poderei reacender as estrelas no céu da minha vida, redescobrindo a beleza que foi roubada pela adversidade.

Meus pais trabalhavam o dia todo, minha irmã estudava no período da tarde, e a nossa vizinha cuidava de mim, o quarto dela era um sonho, cheio de brinquedos e bonecas, o sonho dela era ter tido filha mulher, mas ela teve apenas quatro filhos homens. O marido dela era apaixonado por passarinhos, ele passava o dia todo capturado, alguns deles, juntos, tiveram quatro filhos, todos trabalhavam exceto o mais novo. Kuno tinha aproximadamente quinze anos, a presença dele me causava desconforto, ele vivia implicando comigo a ponto de me fazer chorar.

Certo dia eu havia ganhado um cavalinho de brinquedo do meu pai, ele sempre teve verdadeira paixão por cavalos, e eu herdei esse amor dele. Estava tão feliz com o meu brinquedo novo, Kuno foi e quebrou o cavalinho, ele era cruel comigo, até parecia que sentia prazer em me ver chorar. Depois desse dia eu me sentia oprimida e evitava ficar perto dele. Mal sabia eu que o episódio do cavalinho foi apenas o começo, passado alguns dias, a mãe dele estava fazendo faxina em casa, ela foi estender umas roupas na lavanderia que ficava no último andar da casa, e então ela havia pedido para Kuno esperar a Van escolar que estava me trazendo do colégio. Quando a van chegou ele estava me esperando no portão, eu desci e a van foi embora. Ele estava me olhando de jeito estranho e eu senti muito medo.

Ele me olhava demais, quando entramos para dentro do portão, ele segurou meu braço e com um sorriso no rosto falou que tinha algo pra me mostrar, ele havia dito que tinha concertado meu cavalinho e eu boba acreditei, segurando meu braço ele me levou para a garagem, onde ele disse que o cavalinho estava. Ao chegar lá ele pegou minha mochila e jogou em um canto qualquer, me prensou contra a parede e colocou a mão na lateral da minha coxa. Fiquei com tanto medo, ele tapou minha boca e ali abusou de mim. Depois que acabou ele me ameaçou e disse que ninguém iria acreditar em mim. E de certa forma pensei muito, quem iria acreditar em mim? Todos iriam pensar que estava mentindo e corria o risco de apanhar dos meus pais.

Fiquei com tanto medo, me senti tão culpada. E depois daquele dia perdi as contas de quantas vezes ele abusou de mim, os abusos só pararam depois que meu pai adoeceu e nos mudamos de casa. Depois do primeiro abuso, Any a garotinha sonhadora já não existia mais, eu só queria esquecer, mas isso nunca aconteceu pois é um peso e uma culpa que carrego há anos.

Aquela garotinha cheia de sonhos deixou de existir, destruiu minha vida completamente, depois disso foi só ladeira abaixo, sofri bullying, sempre sendo excluída pelos outros, e é por isso que tenho muita dificuldade em me relacionar, tudo isso me afetou muito e em certos momentos tenho recaídas e não sei como lidar com tudo.

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