UM

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And you know I'd be lyin' if I said I don't feel nothin' at all...

Antes ou depois do marco que sela aos destinos de cada um nesta Terra, seus caminhos irão se cruzar e vocês saberão que cada coisa finalmente encontrou seu devido lugar.
O Livro das Almas Gêmeas, escrito por Éros – Capítulo 07: “Destinos Traçados." – Ed. 01 publicada em: ano 115 do Período Solar

•••

Ano 733 do Período Solar, 5 anos depois do aniversário de 18 anos de Ramiro Neves.

Bip. Bip. Bip.
— Por tudo o que é mais sagrado, desligue essa coisa. — um cotovelo se choca contra as costelas de Kelvin, fazendo-o resmungar enquanto estende a mão até a escrivaninha.
— Volte a dormir. — ele sussurra de maneira sonolenta.
— Então desativa logo isso aí.
— Tô tentando. — devolve, tateando a superfície até atingir a tela do aparelho celular, fazendo-o parar de tocar. — Pronto. Tá feliz?
— Muito. — um minuto inteiro se passa antes de algo ser dito outra vez. — O que você acha de panquecas para o café da manhã? Ou quem sabe…
Para, para, para! Feche os olhos e fique quieto.
— Não quero mais dormir, agora quero comer alguma coisa.
— E eu quero te sufocar com o travesseiro, mas nem sempre podemos ter tudo o que queremos, já te contaram isso?
— Fala sério, você não poderia viver sem mim por um dia sequer.
— Nos seus sonhos que não. — ele ri de forma debochada. — Mas falando sério, eu não quero acordar agora. — diz por fim.
— Já está acordado, eu bem que falei que não me lembrava de te ver trocando os despertadores ontem e você não acreditou em mim, então nem conferiu, agora lide com isso. — Um peso cai sobre o corpo de Kelvin, fazendo-o finalmente abrir os olhos para encarar as orbes claras que o observam. — Bom dia, raio de Sol. — seu sorriso é caloroso e faz o ruivo franzir o nariz numa tentativa de não devolvê-lo.
— Você precisa dar um jeito nessa barba com urgência. — ele fala ao invés disso, segurando o rosto do outro com as mãos.
— Você precisa de tanta coisa e eu não fico jogando na sua cara, a primeira delas, por exemplo, é de um humor completamente novo.
— Insuportável mesmo, sai daqui. — bufa ao empurrar o outro, fazendo-o quase cair para fora da cama. — Vai logo fazer as nossas panquecas.
— Ah, agora você quer as panquecas?
— É o mínimo por me fazer ficar acordado essa hora.
— Foi sua culpa. — Nando dispara, mas começa a levantar mesmo assim.
— Sua culpa! Eu consigo voltar a dormir facilmente se nada me atormentar nos primeiros cinco minutos depois do celular tocar, o que você fez questão de fazer!
— Sempre eu, sempre eu…
— Sempre você! Agora vai lá, já vou levantar também. — diz.
— Se voltar a dormir, vou te puxar pelos pés pra fora da cama, não é um blefe.
Nando deixa o quarto e Kelvin se senta sobre os lençóis, coçando os olhos e esticando os braços para o alto numa tentativa de se sentir mais desperto.
É seu primeiro dia de férias, o Sol já está brilhando do lado de fora, e apesar do que parece e da brincadeira feita pelo outro rapaz, ele sente que nunca esteve com um melhor humor, ainda que seja cedo demais para começar a viver em uma manhã sem trabalho.
Sem pensar muito naquilo e sabendo que ainda haverá tempo para descanso futuro, ele se vê iniciando sua rotina como faria num final de semana ou feriado qualquer, tirando o fato de que puxa a grande mala do guarda-roupas e a coloca aberta sobre o chão do quarto quando termina os primeiros passos.
Nando tem mais duas noites de show no Pub onde é contratado, e então três semanas de folgas acumuladas que serão utilizadas por ambos para uma viagem até a cidade na qual o mais novo passou toda a sua infância e adolescência: Nova Primavera.
Kelvin sente falta de casa.
De sua família adotiva.
De seus amigos.
Os últimos dois anos na cidade grande foram tão rápidos, caóticos e repletos de compromissos, que fizeram com que chamadas de vídeo se tornassem a única forma de ver aquelas pessoas as quais tanto ama, mas para a sua alegria isso está prestes a mudar. Santana está se preparando para matar a saudade e fazer cada um daqueles dias valer suas economias e todo o planejamento dos últimos meses, tomando como certo que aquelas serão as melhores férias possíveis, sem preocupação alguma e longe da vida cheia que vem levando.
Interrompendo seus pensamentos, o celular toca mais uma vez, fazendo-o lembrar de que talvez seja uma boa decisão colocá-lo no modo silencioso – já que algumas pessoas amam mandar mensagens matinais e uma série de desejos de "bom dia" calorosos nos muitos grupos dos quais participa –, mas ao ler o nome de Berenice ele apenas sorri enquanto clica no texto enviado pela jovem, começando sua leitura de forma animada até uma maldita palavra o pegar de surpresa.
Atordoado, vai até a cozinha e chama pelo nome do rapaz de costas para si, ganhando sua atenção.
— Acabei de receber uma mensagem da Berê.
— E aí? O que ela disse? Tá tudo certo para... — Nando interrompe imediatamente o que está fazendo para encará-lo, e assim que o faz, percebe todas as emoções conflitantes em seu olhar.
— Ela disse: estamos todos ansiosos para te ver nos próximos dias, Cacá está vindo, Flor, Luana, e Aline também, é óbvio que os agregados estão inclusos, mas quem se importa? Nem acredito que conseguimos conciliar tudo, vai ser uma semana e tanto! Mande um beijo para o Nando por mim, ele não sabe usar as redes sociais como você. Aparentemente elas só servem para postar fotos com uma mesma pose sem graça.
— Vou ignorar a parte da "pose sem graça" porque tenho certeza de que você acha…
— Acho. — Kelvin agorma sem que o outro precise finalizar sua fala. — Quando ela diz “os agregados estão inclusos”, isso significa que Aline estará com Caio, por exemplo, mas não faria diferença alguma eu saber ou não diaso.
— A não ser que os outros irmãos La Selva também estejam nessa lista, e com eles…
— É. — concorda numa única palavra.
— Pode não acontecer.
— Ou pode acontecer.
— Berenice é uma das suas melhores amigas desde sempre, ela não faria isso com você sem te avisar. — Nando tenta pensar pelo melhor dos lados.
— É o que eu acabei de falar: ela está avisando, só não com todas as palavras. Sem contar que para todo mundo em Nova Primavera as coisas estão ótimas e eu já superei, então Berê não tem grandes motivos para se preocupar em excesso.
— Nós vamos lidar com isso, tem mais de dois anos desde a última vez que se viram, pode nem ser mais a mesma coisa. — Nando sabe que está contanto uma mentira, mas Kelvin finge acreditar quando o mesmo caminha na sua direção e o puxa para um abraço.
— Almas gêmeas são mesmo uma merda. — ele resmunga, e se lembra de cada vez que aquela mesma frase saiu de sua boca.
— Não fala isso, você é a minha e eu sou a sua, esqueceu? Tá preso comigo pra sempre. — o mais alto se afasta apenas um pouco. — Almas gêmeas são uma realidade.
— Só não são necessariamente uma realidade romântica.
— Exato!
Eles olham ao mesmo tempo para o punho um do outro e os traços delicados que estarão lá para todo sempre.
Nando.
Kelvin.
Santana se lembra da certeza de que iria odiar o nome marcado em seu corpo com todas as suas forças pelo tempo que sua existência durasse. Se lembra de mudar para a cidade grande sozinho e temer que algum de seus colegas de Universidade, vizinhos, ou que o novo contratado no emprego de meio período naquela biblioteca local um dia se apresentasse e fosse justamente este alguém.
Lembra-se de sentir, durante o primeiro ano completo, que ao ficar frente a frente com o tal rapaz, não seria capaz de nutrir nenhum sentimento bom pelo mesmo, nada além da sensação de que aquele era um dos muitos culpados pelo futuro ao qual nunca encontrou.
Como se enganou!
Nando é, sem dúvida alguma, o pedaço que, na época, ainda faltava em sua vida, ele só não é – e essa é uma via de mão dupla – seu amor.
Do outro lado da história, no entanto, há um fato ao qual Kelvin realmente odeia depois de tudo. Ele odeia ter conhecido Aline – apesar dela ser possivelmente a pessoa mais gentil que já existiu no Período Solar –, odeia que as conspirações do desconhecido a tenham inserido em seu grupo de amigos e a levado até Caio, que por sua vez tinha laços inquebráveis com um alguém que sua versão de dezessete anos de idade jamais imaginou ter que conviver.
Petra.
O nome eternamente impregnado na pele de Ramiro.
Em apenas duas noites, Kelvin retorna ao seu lar – e por conta de uma simples mensagem ele já não consegue mais pensar naquilo como a cidade ou a casa na qual ficará.
Em vinte e duas noites,  Kelvin sabe que irá perdê-lo outra vez. Que irá se machucar de novo e precisará fingir que tudo está bem como sempre fez.

I'm still a mess
Oh, since you left

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⏰ Last updated: Mar 29 ⏰

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I'm (Not) YoursWhere stories live. Discover now