Prólogo.

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Prólogo

Eu não vou mentir. Durante anos, eu me peguei imaginando diversas vezes como seria se isso acontecesse, na maioria delas desejando que fosse de antemão. E desde que nasci, não consigo recordar de quando meus pais realmente tiveram, pelo menos um momento feliz em seu casamento. A agitação em minha infância fez com que meu presente se retraísse, tirou de mim a parte mais importante que teria minha personalidade se minha avó não tivesse ido antes de acontecer, no entanto sua lembrança me deixou a sensibilidade de não desistir, pelo menos de mim mesma.

— Já arrumou a mala, senhorita? — mamãe dizia ao entrar, sem bater, em meu quarto.

— Poxa mãe, não custa nada bater na porta. — eu reclamei.

— E o que você esconderia de mim? — Ela perguntou, parada no centro do meu quarto, com suas duas mãos uma em cada lado da cintura.

Se ela soubesse.

— Nada, ué. — Sentei na cama, ajeitando os fios embolados. — Eu só poderia, sei lá, estar em um momento particular. — Mamãe deu risada.

— Entendi... Bem! só vim checar se você já arrumou suas coisas, mas como vejo que sim, nós iremos sair daqui à uma hora, se despeça de quem tiver que se despedir...-

— Não mãe, não tem ninguém não.

—...Ligue pra quem tiver que-

Mamãe deixou a frase morrer quando eu a interrompi.

— E o... Rodrigo? Renato? Nunca lembro o nome dele. — Ela gesticulava de forma engraçada.

— Rafael, mãe. Nós não nos falamos mais. — A expressão de minha mãe se tornou confusa, mas decidi cortar antes que ela desse continuidade naquele assunto, tal qual eu ainda não estava pronta para verbalizar. — Longa história, outra hora eu te conto.

— Então tá bom, em. — Mamãe parou na porta antes de realmente sair. — Esteja pronta.

Era inevitável não reparar em como minha mãe mudou pós divórcio, na maioria das vezes ela parecia se sentir só, por isso que, de início, pra mim, cogitar voltar para sua cidade natal não foi tão desesperador. Mas agora, vinte e quatro horas depois de dizer que estava tudo bem cometermos a maior loucura de nossas vidas, estou entrando em colapso nervoso imaginando de que forma vou dizer pra minha mãe que é uma péssima ideia.  Por inúmeros motivos.

Mas o pior deles

Natália Cardoso.

🕥

Acordei inúmeras vezes com pontadas fortes de dor no pescoço. O carro balançava sem parar e a posição que eu estava não era nem um pouco confortável. Mamãe cantarolava baixinho sangue latino dando batidinhas no volante.

5:30pm constava no relógio.

Mamãe olhou pelo retrovisor e abaixou a música, deixando quase inaudível.

— Eu te acordei? — perguntou.

— Ahn, não. — Me sentei, apalpando o local onde doía. — Estou meio desconfortável, já tá chegando ?

— Na verdade, acabamos de chegar.

Me inclinei para olhar pela janela, tudo  parecia tão diferente. A estrada que antes era de terra tinha sido modificada, agora com paralelepípedos que faziam o carro tremer como uma furadeira.

— Se segura! — A voz de mamãe tremia. Demos risada disso.

Logo, finalmente, o carro para. Mamãe desce e abre o porta-malas, mas eu não. Pela janela observei as duas casas, não muito diferentes, perfeitamente alinhadas uma ao lado da outra. Uma vez que o frio na barriga me atingiu com tudo, aceitei que o nervosismo me tomava.

— Ai Carol, me ajuda aqui. — Minha mãe gritava do lado de fora. E eu que estava prestes a sair do carro,  congelei quando a figura que vinha correndo em nossa direção entrou em meu campo de visão.

Ele tinha amadurecido, bom, pelo menos fisicamente.  Seu cabelo pouco cumprido tinha sumido, estava baixo, quase careca, seu físico antes não tão forte, agora estava vigoroso, tão robusto que suas veias saltavam por toda parte. O suor que brilhava em seu corpo, deixou marcas em sua regata branca. Céus, Bruno parecia ter acabado de sair de uma revista erótica.

Me escondi quando ele passou por mim.

— Tia Esther! — A voz grossa me assustou. — Deixa eu te ajudar, deve estar pesado. — Mamãe, claro, aceitou a ajuda de bom grado.

— Obrigada, querido. — ela disse. — Bruno, vem cá, você tá tomando bomba? Que tamanho de braço é esse? — Rolei os olhos.

Ai, pelo amor de Deus.

Pude ouvir Bruno dar risada da pergunta.

— É o trabalho duro, Tia Esther.

Ele provavelmente se referia a fábrica de produtos rurais que os Cardoso fundaram quando ainda nem tínhamos nascido, era de gerações. Sempre foi o sonho de Bruno operar na fábrica, e ele sempre colocou esse sonho à frente de todas as coisas de sua vidas, inclusive sua própria família. Não que fosse inalcançável, mas era decisivo que ele ou Natalia acabassem herdando a fábrica, sendo assim, ambos teriam que fazer por onde. Me pergunto se agora Natália também tem um cargo, e se sim, qual.

Pensar em Natália me tira um suspiro.

— Carol, não vai sair? — Endureci ao olhar para cima. Bruno apoiava os dois braços na janela do carro e olhava diretamente para mim. Agachada da forma mais ridícula que eu poderia ser pega, eu levantei arrumando a roupa, sem jeito.

— Ahn, sim. — Ele abriu a porta do carro. — Não conseguia achar meu óculos, caiu nesse balança-balança do carro. — menti de forma bem descarada.

— A obra concluiu recentemente, foi o meu pai que tomou as medidas. — Ele sorriu grande, orgulhoso do que estava prestes a falar — estávamos tendo dificuldade com o transporte. — Eu assenti, na verdade nem um pouco interessada naquilo. — Aí antes de algum caminhão tombar ele resolveu mexer.

Ah sim, claro. Deixando mil vezes pior.

— É bom te ver, Carol. Depois de tanto tempo — ele disse de repente, sorrindo.

Eu sorri de volta.

— Bom te ver também.

Eu estava virando uma profissional em contar mentiras.

Nem Tudo São Flores. - NarolWhere stories live. Discover now