Capítulo XIII

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I

Como narrei na última carta a qual te escrevi, eu e Natsu avançamos em nossa relação consideravelmente (muito); ainda assim, aquele foi um fato fora da curva, alheio, restrito àquela ocasião. Nosso primeiro beijo! Num momento tão conturbado de minha vida. Não esperava que fosse acontecer daquela maneira.

Os dias se passaram – Helena e Natsu eram os únicos quais conheciam minhas intenções por trás do perdão dado à Cecília. Evitando dessa forma mal entendidos. – E mal sabe o reboliço que foi ao reunir todos os empregados da casa na sala principal – uma dúzia de cabeças curiosas para saberem a razão de meu chamado tão repentino, vendo ao meu lado a traidora de cabeça baixa à minha esquerda.

Os protestos tinham começado antes mesmo de eu falar algo!

Helena, pela fraqueza, ficou sentada na poltrona à minha direita. Natsu manteve-se de fora, ficando escorado no arco da parede sem porta que dividia a sala principal da entrada. Os fiz jurar manter silêncio sobre o que não viram e o que não escutaram dentro daquela casa durante o inverno. Sentia o peso no ambiente força meu corpo a querer se encolher, curvar minhas costas e prender o ar, entretanto, à vontade não cedi. Mantive a compostura e o bom tom.

"Cecília sabe bem o preço da minha bondade e da minha ira... Ela recebeu o meu perdão e o da Helena, mas não sem sofrer as consequências. Devem se lembrar daquela agradável noite de inverno..., ela foi despojada de seu dinheiro e de seus bens, por mim, Carla Marveel, primogênita da saudosa baronesa, minha mãe, Kitty Lockser Marveel Segunda! Quem discordar do que eu disse ou fiz, ou deixei de fazer, que se manifeste agora... E que abandone esta casa!, deixando para trás tudo o que recebeu da minha família... Aquele que ficar, sabe o que deve fazer. Quem deve obedecer."

Devo ter ensaiado ele durante a manhã toda antes de o brandar, caminhando à frente deles. Igual um general dando ordens a seus soldados. Nenhuma ousada voz se ergueu; nem murmúrio baixo entoou. Minha voz, e só ela, ressoou dentro daquelas paredes naquela tarde...

Cecilia, menos do que a mais nova empregada.

Triste, mas seria mentira caso eu dissesse. Seus trapos, os quais chamava de vestes, ao menos foram trocados por peças de roupa de qualidade decente. A repressão foi imediata. Inexistentes foram os transgressores. – A respeito do tratamento dado a ela pelas outras, minhas mãos estavam limpas, suas atitudes levaram-à isso.

II

Meu treinamento havia retornado.

As aulas, em questão, tinham voltado logo após nosso... primeiro beijo. Uma distração para a mente e alma. Devotando-me aos estudos e seus livros – algo bom para esquecer das coisas –, seu tom também ajudava. Leve, calmo e bem humorado. Sua aura tinha perdido o azedo, mas sua alma ainda tinha o formato estranho; era como o ferro quente sendo moldado por um ferreiro, a cada batida uma nova forma; impurezas eram arrancadas do aço, tornando-se mais puro. Porém, podia sentir um aperto estranho – como mergulhar num lago profundo, escuro e medonho; a correnteza me chacoalhava e guiava. Entre a calma e o sufoco. Olhar para cima significa ver a lua; para baixo, nada.

Aconchegante escuridão. Aterrorizante trevas, espantadas pela forma da luz da lua. Confuso, estranho; ainda assim, familiar para mim. No repouso em seu espírito, encontrava-mos o descanso; no mesmo último suspiro, meu ar tragado em teus lábios; retribuia, e o seu se tornava o meu fôlego. E o brilho da lua emancipava as trevas do lago soturno...

III

Meu amado professor, com a estiada da tempestade, teve seus retornos à Guilda. Dessa vez, sempre com ele eu estava, não ao seu lado nos momentos das discussões, mas à sua espera. Observando a neve cair do outro lado, admirando o céu negro e infindável; pensativa em tudo. A calmaria sempre antecede a tempestade... Um ditado importante para nós Marveel's.

Via raios ao longe. Escutava os trovões. O alerta claro.

A guerra para suceder o posto de chefe da família... Como filha adotiva, meu direito era incerto. Pensava estar fora desse fogo cruzado. Até meus planos para isso envolviam ser uma terciária no conflito. Quem diria, eu, Carla, seria cotada como provável sucessora? Para fazerem um jogo tão sujo como, se sentiam ameaçados por minha pessoa. Tinha medo de envolver Natsu ainda mais nisso...

Ele já tinha seus problemas, seria injusto o arrastar para o olho do furacão, mesmo dizendo que me seguiria; que me protegeria. Indiretamente se tornaria meu cavalheiro. Meu escudo. Não, não poderia. Aqueles fora do círculo da família poderiam achar já extrema a atitude de Cecília. Aquilo era comum durante as guerras, pelo que soube... Por isso há tão poucos Marveel's de sangue puro como Wendy.

Apenas o sopro de leveza de meu professor conseguia afastar os pensamentos. Os sentimentos ruins.

Nossa relação social, apenas de mestre e aluna, ainda assim causava irritantes murmúrios. Imagina se soubessem nossa verdadeira relação? Tínhamos um cuidado. Zelando publicamente pelo status de amigos; de tutor e educando. Somente isso. Talvez isso causasse o sentimento excitante dos encontros, como se fizéssemos algo de errado; por isso eram mais interessantes, mesmo sendo aulas apenas. – Por isso o peso da decisão se tornava maior do que fazer. O que fazer. Quando fazer.

Me afastar...

O manter...

Não havia uma escolha fácil entre as duas opções. Se eu me afastasse dele, sofreríamos muito; e ele ainda poderia ser atingido pelo fogo cruzado; e pior, poderiam tirar da emancipação ideias precipitadas, capazes de desonrar, e se Cecília revelasse o nosso segredo, ou se os rumores se espalhassem!... E se eu ficasse com ele, ele também se tornaria um alvo, e a sua devoção poderia piorar a situação. Eu não estava satisfeita com nenhuma das alternativas. Ambas tinham a tragédia em seu ápice.

O ter era perigoso, não tê-lo era pior. Mal menor, mal maior.

Dilemas a serem pensados cautelosamente... 

Promessas de primaveraWhere stories live. Discover now