UM, a grande não-fã de automobilismo.

287 21 23
                                    

ADRIANE GALISTEU, a borboleta.

Autódromo de InterlagosSão Paulo, Capital, 1990.

A borboleta escapou do casulo. Uma mistura de crise de ansiedade, pânico que transborda no peito e faz uma travessia ligeira pelas veias sanguíneas. A realidade de quem tropeçou algumas vezes por aí.

Ir de encontro com o destino, seja lá qual ele possa ser, era uma via de mão dupla: Se trata de tomar decisões, ir por aquele caminho ou optar por criar outra oportunidade? Quando se analisa as opções, você sabe que tem uma decisão a tomar, e que dias, semanas, meses ou até mesmo anos depois sua vida vai estar repercutindo devido a aquela devida decisão tomada anteriormente.

Consequências de uma decisão que fiz no dia 15 de Março de 1990, exatamente uma semana atrás, quando em uma ligação com Karen, a booker da Elite, agência de modelo a qual trabalho me ligou alguns dias antes da fatídica data, me explicando a vaga disponível para recepcionista para os pilotos e convidados, o que eles chamavam de "Grid Girl" - primeiramente aquela palavra, recepcionista, entalou na minha garganta como se significasse que era uma vitrine para homens de meia idade imaginar como sua mais nova aventura sexual.

"Uma grana bem legal," foi o que Karen falou.

Bem, vendo a roupinha que a marca patrocinadora Shell havia selecionado para todas garotas, um maio que deixava bem pouco pra imaginação de quem quer que fosse, sem contar o guarda-chuvas que faziam par com o figurino, era de se esperar que uma grana bem legal saísse disso.

Nunca tive intimidade alguma com a Fórmula 1, apesar de minha avó húngara ser ávida adoradora do piloto brasileiro da McLaren, o campeão mundial de 1988, Ayrton Senna.

Automobilismo, até então, é tão distante de mim quanto rúgbi ou beisebol. Pra ser honesta, não tenho muita paciência; via a largada e algumas voltas e, dependendo do resultado, espiava a conclusão da corrida, mas aquilo era raro também.

Torci pro tal engraçadão do Nigel Mansell alguma vez ou outra, apesar dele parecer meio maluco... No final do dia, tinha que ser meio doido pra competir naquele esporte, pelo menos é o que eu acho.

Voltando para o convite da Shell, Karen havia insistido incansavelmente para mim aceitar, não deixar passar uma oportunidade que poderia me abrir portas e também ter uma boa grana de valde na carteira. Apenas dez modelos, meninas lindas e atraentes, conhecidas o suficiente para ficarem na área VIP - ao menos sem aquela de ter que desfilar em arquibancadas, ficando cercada de homens duvidosos.

Aquele maiô de shortinho curto é ridículo, encaro-o como se fosse meu inimigo mortal. Queria pegar o telefone, discar o número de Karen e dizer que estava fora antes mesmo de vestir o modelito.

Porem os diretores da Shell me convenceram do contrário, sabe-se lá como... ainda não consigo entender. Espero não resultar em arrependimento para a futura Adriane se preocupar com cedo ou tarde.

Não podia nem reclamar muito. Afinal, mil dólares por quatro dias de trabalho? E dólares? Era dinheiro fácil demais pra deixar passar.

Vestida e o mais comportada o possível que aquela peça de roupa poderia proporcionar, ontem já havia perdido um dia de burburinho no tal paddock - a coletiva da McLaren não contou com a minha participação devido a outro trabalho que tinha de concluir antes de me dedicar exclusivamente às obrigações com a Shell.

Ontem, sexta-feira, quase seis da manhã enquanto terminava de me vestir, voando para pegar o taxi até o autódromo me juntando com as outras modelos que trabalham ao meu lado. Bocejando como se minha vida dependesse disso, uma xícara de café bastou parar acordar o suficiente e prestar atenção nas orientações fornecidas a nós.

caminho das borboletas | ayrton senna & adriane galisteuOnde histórias criam vida. Descubra agora