Acordo fechado!

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— Nada — Kiba soltou surpreendendo Shino, explicando em seguida: — Quero um colega para dividir as despesas com água, luz, internet, tevê, compras de casa e a diarista.

— Diarista?

Shino considerou difícil imaginar alguém limpando aquela casa nos últimos meses, possivelmente, anos.

— Pensei em contratar uma, mas ainda não tive como — Kiba contou coçando a nuca sem graça. — Trabalho no supermercado da esquina, que paga pouco, e Jin é de uma banda que faz pequenos shows esporádicos. Na verdade, tenho duas contas atrasadas... — Respirou fundo, olhando para uma mancha amarelada na parede, restos do lanche de semanas atrás. — Olha, sei que não é uma casa organizada — poupou-se de falar da limpeza — e o quarto pequeno, mas é perto da faculdade e as contas não são caras, posso mostrar. Não paguei porque tive despesas com o Akamaru. Ele está numa idade que requer visitas frequentes ao veterinário — comentou observando o cachorro pulando no quintal. Um alerta gigante o fez erguer a voz apavorado: — Ah, mas as despesas com o meu cachorro não estão incluídas na divisão, não se preocupe.

— Quero ver as contas — Shino decidiu pragmático.

Kiba o levou de volta para a sala e entregou as do último mês e as atrasadas. Shino analisou todas com atenção, contabilizando ganhos e perdas com a possível mudança.

Na república, o valor do aluguel incluía as despesas com água, luz, internet, tevê e refeições em horários fixos. Trabalhando como office-boy em um escritório de contabilidade, Shino normalmente perdia essas refeições na correria do dia, tendo de se conformar com sanduíches e outros alimentos pouco nutritivos. Embora suja, a cozinha da casa – depois de limpa e desinfetada - garantiria uma vida alimentar melhor.

— Pelas datas, teremos que dividir as contas todo dia quinze — comentou. Despreocupado, Kiba deslizou rapidamente os olhos pelos dias nas faturas balançando a cabeça em concordância. Algo dizia a Shino que caso deixasse essa responsabilidade com o Inuzuka, outras atrasariam no futuro. — Tenho que pagar as que atrasaram ou seu antigo colega dará o dinheiro?

O Inuzuka desviou o olhar, coçando o queixo.

— Tenho dificuldade em cobrar... E depois de quase sairmos na porrada...

— Contribuirei com as atrasadas — decidiu fazendo mentalmente as contas. Pela média dos valores gastaria menos do que na república. Sairia no lucro morando com ali e se livraria dos colegas insuportáveis e desordeiros.

— Ficará com o quarto? — Kiba perguntou cheio de esperança.

— Ficarei com o quarto — Shino confirmou devolvendo as contas.

— Acordo fechado! — Kiba comemorou, o sorriso amplo expondo caninos mais pontiagudos do que Shino via normalmente. — Pode trazer suas coisas quando quiser.

~*~

Voltando para a república, Shino passou na recepção para informar sua saída e acertas as contas, antes de seguir para o dormitório e juntar seus pertences. Perderia os doze dias restantes do valor pago mensalmente, mas era um preço baixo a pagar para se livrar dos colegas de quarto.

— Shino!!!

Parou de arrumar suas roupas e esperou Kin entrar no quarto, respirando fundo quando ela se pendurou em seu pescoço.

— Marin acaba de me dizer que vai embora — ela disse mencionando a recepcionista. — Como vamos nos ver agora?

Afastou Kin e voltou a retirar as roupas da cômoda e coloca-las na mala.

— O lugar em que morarei não é longe daqui — informou desinteressado nos lamentos sem sentido.

Conheceu Kin no primeiro dia no pensionato. Filha da dona do lugar, foi ela que lhe mostrou o quarto, as regras de convivência e o apresentou aos estudantes no refeitório. Uma garota bonita que incrivelmente se interessou por ele.

Introvertido, Shino não se considerava atraente, por isso, sequer tentava se aproximar das garotas. O interesse de Kin fez bem ao seu ego no inicio. O deixou tão fascinado que não corrigiu quando, mesmo antes de se beijarem, ela o apresentou como seu namorado. Agora não sabia como colocar um fim naquele relacionamento de pouco mais de um ano. Gostava de Kin, porém não na mesma intensidade dela. Sentia-se sufocado pela atenção que lhe dedicava.

De certa forma, Kin também era um dos motivos de querer se mudar. Tinha esperança que a distância a fizesse desistir dele, ou que ele finalmente lhe desse o devido valor e sentisse falta da namorada.

— Vai levar suas coisas hoje? — resmungou a jovem se sentando na cama de baixo do beliche.

— Agora mesmo — confirmou fechando a mala de rodinhas.

— Vou com você — informou a jovem se levantando e entrelaçando seus braços.

Shino não quis discutir. Era perda de tempo. Quando Kin queria algo, ela conseguia.

~*~

Ela odiou.

A casa, o cachorro, a vizinhança, cada mínimo detalhe que ela colocava os olhos apresentava um defeito abominável, e Kiba era a cereja do bolo de merda. Palavras "sussurradas" no ouvido de Shino. Sussurradas em aspas, pois foi alto o suficiente para Kiba escutar.

Kin era tão desagradável quanto Kiba se lembrava das poucas vezes em que seu caminho cruzou com o dela. A primeira foi quando procurou dormitório próximo da faculdade. Ele e a mãe tinham visitado o pensionato da família dela por indicação de um amigo morador do local. A informação foi o suficiente para, com cara de nojo, a jovem resmungar:

— Outra bicha!

A confusão que se seguiu os levou para a delegacia.

Tsume Inuzuka insistiu no boletim de ocorrência, mas o delegado achou desnecessário. A garota era uma criança, foi mal interpretada e estava arrependida. Kiba ouvia muito isso sobre os ataques que recebia durante toda sua infância, adolescência e temia que na vida adulta não fosse diferente.

Sua mãe saiu da delegacia mais furiosa de que quando entrou e prometeu que o filho não passaria por essa humilhação novamente. Dias depois comprou o terreno poucas quadras do pensionato e construiu a casa que arrancava muxoxos desdenhosos de Kin.

— Sempre imaginei que pessoas como ele fossem asseadas — ela soltou após entrar no quartinho que Shino ficaria.

— Pessoas como eu?! — rosnou apertando os punhos para segurar a ânsia de chutá-la de sua casa. E só não o fazia por temer que ela saísse como a pobre vítima, como na ocasião anterior.

Irritado, no seu limite, e a ponto de jogar aquela mulher para fora de sua casa junto do namorado de péssimo gosto. Nenhum dinheiro compensava a dor de cabeça de conviver com alguém preconceituoso como ela. Expulsou Jin, o antigo colega, pelo exato motivo.

Kin o olhou de cima a baixo com desdém e abriu a boca para responder, mas Shino se adiantou:

— Eu gosto daqui e ficarei, Kin — disse taxativo. Sabia que a namorada implicava com tudo só para que voltasse ao pensionato. — Nada que diga me fará mudar de ideia.

— Olhe para essa pocilga, é um ovo, e podre — ela ofendeu fazendo Kiba trincar os dentes. — Nem tem um lugar para você dormir.

— Tem um colchão inflável — Kiba anunciou apontando para o local que ficava a cama desdobrável, que Jin buscou mais cedo, e que agora era ocupado por uma caixa com o objeto mencionado.

— Oh, ótimo! A porra de um colchão inflável o protegerá desse chão imundo.

— Kin, pare! — Shino exigiu antes de se voltar para Kiba. — Preciso conversar com a minha namorada por um momento.

Kiba ergueu as mãos em sinal de rendição e saiu fechando a porta. Obviamente, permaneceu do lado da porta para escutar tudo e assim decidir se mandava ambos embora ou não.

~*~

N/A: Situando a trama = Os fatos ocorrem no Brasil em 2005, em que muitas leis de direitos LGBTQIAPN+ ainda não existiam, nem a sigla era essa. Fiz e faço pesquisa constante, mas posso cometer erros e estou aberta a corrigi-los. Como avisado na sinopse, em alguns trechos usarei termos sensíveis, retrato da realidade, mas não compactuo com nenhum desses pensamentos e pretendo tomar o devido cuidado ao lidar com eles. Desde 2019 a LGBTFOBIA é criminalizada e sujeito a prisão, sendo um crime inafiançável e imprescritível. Ou seja: Denunciem sem dó!

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⏰ Last updated: May 04 ⏰

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ShinoKiba ~ InsistenteWhere stories live. Discover now