Bife ao ponto com batatas

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A carne está novamente ao ponto, e por algum motivo que me foge a mente eles insistem em me trazer um prato que sabem que vou pedir para que seja refeito. Pode parecer algo bobo, mas são pequenos detalhes assim que podem acabar causando desconforto em uma mesa de jantar. Agora mesmo, enquanto observo o que está na minha frente, sei que meu pai e minha mãe após um longo dia não ficarão satisfeitos de ter que esperar que apenas uma peça servida seja refeita para que seu filho mimado seja agradado. Assim como todas as outras noites irei comer algo de que não gosto, para que a tranquilidade e o silêncio se mantenham.

 Assim como todas as outras noites irei comer algo de que não gosto, para que a tranquilidade e o silêncio se mantenham

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Meu pai, muito além de um lorde, também é um dos generais mais importantes do exército real. Um homem sério que costuma falar apenas quando necessário, seja para dar uma ordem ou estabelecer alguma medida. Poucas vezes me olha nos olhos, e quando o faz sinto-me cada vez menor, não importa onde esteja. Minha mãe, sua esposa, consegue ser tão rígida quanto. Treinada para ser exemplar em tudo que faz, seja na criação dos filhos, nos cuidados da casa ou nos momentos íntimos com seu marido. Me pergunto se deveria saber sobre essas coisas, mas não consigo deixar de pensar sobre quando a vejo treinar minha irmã para ser exatamente igual a ela. Isabella deve ser minha única amiga dentro dessa casa, acabou de completar os seus 13 anos e graças aos deuses ainda não se parece com nenhum dos dois, mesmo que por horas minha mãe a mantenha sentada treinando postura e como se portar em todos os lugares. Todas as noites nos reunimos nessa mesa para que por alguns minutos apenas os sons dos talheres sejam ouvidos ecoando pela casa. Queria muito que essa noite continuasse como todas.

- Elliot

- Sim... pai.

- Você completou seus 23 anos e já está na idade de começar sua própria família. Você preferiu ser responsável pela biblioteca da capital do que em seguir carreira em minha armada ou na guarda. A filha do conde Sheppard completou seus 18 anos de idade e você irá se casar com ela.

"Mas que infernos todas essas informações teriam em comum para aparecerem juntas na mesma frase?"

- Casar? Como assim?

- Eles são uma família de estudiosos então o caminho que escolheu para sua vida não vai ser um problema.- O que eu sou não é um problema!

- Não se exalte filho, sabe muito bem que um homem na posição que o seu pai se encontra é julgado não apenas pelos outros nobres mas também pelo próprio rei. Todos esperam que seu filho siga os seus passos para continuar a tradição e herdar o cargo ao qual hoje ele ocupa... O que não é algo que vejo acontecendo.

Ela tinha que entrar nesse assunto.

-Sim mãe, eu sei que não sou o que vocês espera...

-A garota virá fazer uma visita amanhã na parte da manhã e deverá ficar aqui por algumas semanas para preparar o casamento, sua mãe irá ajudar para que tudo seja finalizado o mais rápido possível.

-Mas pai eu nem conhe...

-E está DECIDIDO.

A última palavra foi dada e o silêncio novamente voltou a pairar sobre nossas cabeças. Ainda sem acreditar no que estava acontecendo, voltei a fitar aquele pedaço de carne ao qual ainda não havia tocado. Pelo canto do olho pude observar minha pequena irmã me olhar com um semblante triste, queria olhar para ela com um sorriso e dizer que estava tudo bem mas não conseguia...

Quem estou querendo enganar, eu já sabia que isso ia acontecer. Eu sou o primogênito, o filho homem que a maioria das famílias deseja ter, mas para desgosto do meu pai não sai como planejado. Nunca fui um guerreiro, mal consigo segurar uma espada, me dediquei a leitura e aos estudos, minha mãe não conseguiu lhe dar outro filho e por isso sempre soube que esperava por um neto, mas novamente não consegui atendê-lo como desejava. Nunca fui bom com relacionamentos porque nunca me interessei por ninguém... Eu já sabia que isso ia acontecer...A lua já estava alta, não havia mais ninguém na cozinha ou em pé as minhas costas, a sala já estava escura com apenas uma vela sobre a mesa. As cadeiras vazias exceto a minha onde eu ainda imóvel observava aquele pedaço de carne ficar cada vez mais deplorável. Estaria eu sentindo pena de mim mesmo? Não... não há porque sentir algo assim, eu tenho sorte de carregar esse sobrenome, tenho sorte de viver em uma grande casa com servos para me auxiliar no que preciso, com comida pronta quando desejo, com roupas limpas sempre que acordo, com uma família... É tudo que preciso não é mesmo? Se nunca tive um relacionamento, se nunca me apaixonei por alguém, não tenho porque sentir falta de algo parecido.

Sim, eu tenho sorte de estar onde estou, o mínimo que posso fazer é aceitar esse casamento forçado e dar ao meu pai aquilo que ele deseja.

Enquanto me levanto da mesa refletindo sobre as palavras que acabei de proferir, saio pela sala tentando fazer o mínimo de barulho possível para finalmente me deitar. Uma das coisas que mais gosto desse lugar é o jardim interno que foi construído no meio da casa, quase como se toda a construção fosse feita ao seu redor. Passo pela porta de vidro e caminho entre as flores e as altas folhas que começam a me cercar, quase sinto como se estivesse em um campo distante e apenas a lua fosse minha companheira nesta caminhada, parado por alguns segundos para sentir sua luz branca tocar minha pele, o ar frio da noite preenche meus pulmões. Por mais que eu ainda me sinta vigiado pelas paredes, tento me renovar com esse sentimento de paz e finalmente volto a caminhar em direção ao meu quarto.

Sangue e PétalasOnde histórias criam vida. Descubra agora