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Marinette tinha adormecido havia muito tempo, mas, apesar do esgotamento, eu ainda estava bem desperto naquela madrugada. Já não temia fechar os olhos. Porém, apesar de estar em casa, os problemas não haviam desaparecido como mágica. Não todos.

Escapei da cama sem fazer barulho, vestindo uma calça e uma camisa qualquer. Na ponta dos pés, fui até o cofre e peguei o celular. Tanto se devia a ele. Tudo o que eu tinha, na verdade. Mas ele também quase me deixara sem nada, sem vida. Era perigoso demais. Aquele tempo não estava preparado para ele. Eu não estava preparado para ele.

Detive-me em frente à cômoda por um instante e coloquei no bolso os brincos de Tikki. Então passei a mão nas botas abandonadas ao lado da banheira e saí. Parei para calçá-las já na cozinha, onde peguei uma lamparina e uma caixinha de madeira em que Madalena costumava guardar linhas e agulhas. Eu a esvaziei sobre a mesa e joguei o celular ali dentro. Não gostava da sensação de tê-lo em minhas mãos.

Desci para o estábulo e verifiquei cada baia. O pangaré que eu comprara do senhor Bernardi levantou a cabeça, desinteressado. Fiz um rápido exame. Ele estava se recuperando bem. E eu ainda não sabia o que fazer com ele. Talvez o aposentasse. O pobre já tivera de lidar com muito mais do que deveria nas mãos daquele animal.

Storm, ao me ouvir chegar, alvoroçou-se.

— Também senti saudades, amigo. — Eu o trouxe para fora, selando-o com um pouco de pressa.

O cavalo sacudiu a crina, que eu tentava manter desembaraçada com algum custo. Assim que ele ficou pronto, deixei a lamparina pendurada em um gancho e peguei uma pá.

— Vamos lá, Storm. — Acomodei-me em seu lombo. Deus, como eu sentira falta daquilo! — Vamos enterrar esse assunto de uma vez por todas.

Como se soubesse o que eu tinha em mente, Storm nos levou para o canto mais longínquo de minha propriedade. Um pedaço de terra onde o dente-de-leão crescia desordenado e que, muitas décadas antes, meu avô julgara ser o ponto ideal para enterrar os animais. Quase ninguém vinha ali. Apenas eu e Ivan, quando um dos meus cavalos morria.

Desmontei de Storm, jogando a pá no ombro, e passei pelo local onde deixara Meia-Noite, uma das melhores montarias que já tive, mais de um ano atrás. Segui em frente, as botas roçando nas flores brancas, fazendo as sementes se desprenderem e espiralarem no ar úmido da noite. Parei onde a mata terminava, onde nada crescia devido à grande quantidade de cascalho no solo. Retirei a pá do ombro e comecei a cavar.

Eu não sabia o que o futuro guardava. E nem queria saber. Se havia uma coisa que eu tinha aprendido era que, mesmo que se possa dar uma boa olhada no que está por vir, ele ainda pode mudar de rumo, tomar outra direção e se tornar algo totalmente inesperado. Então, não. Eu não destruiria aquela máquina como tinha feito com a outra. Mas tampouco permitiria que minha família convivesse com algo tão perigoso.

Por isso, escavei as pedras até encontrar a terra e ali depositei a máquina do tempo dentro da caixa de madeira, cobrindo-a com uma espessa camada de cascalho. Aquele pesadelo não voltaria a me perseguir. Não mais.

Amarrei a pá no alforje da sela e me afastei dali caminhando, sem olhar para trás, puxando Storm pelas guias. Colhi alguns dentes-de-leão no caminho, usando um dos talos para mantê-los unidos. De todas as flores que conhecia, aquela sempre fora a preferida de minha mãe.

Caminhei por um quarto de hora até deixar o campo de dentes-de-leão para trás e adentrar um jardim no meio do nada. Gomes cuidava do canteiro com esmero, e não havia uma única erva daninha à vista. Amarrei Storm em um arbusto e andei por entre as flores até encontrar as lápides, uma ao lado da outra. Abaixei-me, depositando o singelo buquê sobre a de minha mãe. Na de meu pai apenas senti a frieza do mármore na ponta dos dedos antes de me endireitar. Meti as mãos nos bolsos.

Destinado (versão Miraculous)Where stories live. Discover now