Tiatira

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Sentia-me demasiadamente ansiosa, eu havia encontrado um vestido verde em meio as roupas guardadas no lençol do meu quarto, pela falta de um guardador adequado. Ele era cumprido como todos os outros, mangas curtas até o início do cotovelo e um pequeno decote em V adornado por tiras de galho, um material utilizado para reforçar roupas e fazê-las durarem por mais tempo. Não tinha muitos sapatos, era uma bota marron de couro que papai dera-me aos quatorze e ainda cabiam depois de seis anos, também uma sandália de tiras que encontrei numa caminhada matinal com Pergamo, ele fez piada sobre ser um presente para mim e eu aceitei, mesmo sendo apenas isso, uma grande piada.

Prendo um tanto dos meus cabelos ruivos, deixando outra parte deles a solta, eram cumpridos demais, papai sempre valorizou os meus cabelos, dizia ser aquilo que destacava a minha persona real, um ser firme e corajoso, assim como o fogo que não se perde em meio ao vento, mas transforma tudo que toca.

Apesar de todas as falas maldosas, dentro de mim eu sentia uma certa esperança de que o mundo tinha mais do que tamanha tristeza e angustia para mim, o amor que queimava o meu coração em relação a Pergamo, causava essa tortuosa ansiedade e deslumbre de uma felicidade próxima. Foram anos aguardando e preparando-me para este momento, enfim revelaria o amor que gerei, cozinhei e preparei com cuidado dentro de mim, não era mais capaz de escondê-lo nas gavetas do meu coração, crescia além do espaço que habitava e explodiria há qualquer hora.

Olho ao redor, a minha madrasta e os meus irmãos não voltaram do bar, era o momento ideal para me ausentar, depois de tanto tempo em meio a longas incertezas, o meu coração enfim parecia descansar, ele seria feliz, pois Pergamo faria isso com a retribuição do seu amor. Enfim chego em frente a taberna dos gelados, era uma pequena loja de madeira e coberta com peças de bronze, serviço comercial mais rentável do dono daquele lugar. Lá se vendia neve açucarada com essência de frutas.

– Tiatira! – Exclamo ao ver a vendedora da loja e ela sorri animada com a minha presença. Tiatira tinha longos cabelos castanhos e enrolados, a sua pele era escura e brilhava nos dias estrelados, os seus lábios grossos cobertos por um ruge avermelhado e usava vestidos de cores chamativas com colares e pulseiras de bronze, como dito anteriormente, trabalho rentável do seu pai.

– Esmirna, que prazer vê-la aqui. Está a esperar Pergamo? Acho tão divertido que a minha taberna fica entre a vossa casa e de Pergamo, é como se este lugar fosse o encontro de duas almas apaixonadas. – Fala e acabo sorrindo timidamente, será mesmo que estava tão percetivo assim o nosso amor? Ao ponto de até mesmo Tiatira, tão atarefada com as suas diversas encomendas e funcionários, ainda assim fosse capaz de perceber?

– Falando assim, pode parecer que agimos pretenciosamente sobre os nossos sentimentos. – Faço uma brincadeira e ela gargalha, balançando a cabeça e levando os cabelos junto do seu corpo. – Mas, diga-me. Onde estão os seus funcionários, vivem faltando e deixando-lhe sozinha. – Digo me sentando em uma das mesas. Tiatira se aproxima e faz bico, suspirando.
– Deveria ser mais firme com eles, não podem faltar de forma tão demasiada assim, devem respeito a você.

– Eu devo mesmo ser uma boba, papai ja repreendeu-me sobre essa questão. Eles vivem deixando o trabalho, alguns, até mesmo trabalham com outros senhores e só chegam até mim para receberem o pagamento dos trinta dias.

– Precisa dar um jeito nessa situação, tenho certeza que se pedir ajuda ao seu pai ele resolverá. Você e a sua família trabalham tanto em favor da nossa comunidade, não merecem ser tratados com tamanho desdém.

– Na verdade, ha algo ainda pior que tem tornado o nosso trabalho complicado. – Tiatira se levanta e caminha um pouco pela taberna, observando as frutas postas como demonstração penduradas em galhos secos de árvores. – Uma nova vendedora tem ludibriado os nossos funcionários e clientes a se unirem a ela. Não temos tido muitas oportunidades, Jezabel é bonita e influente, diz palavras lisonjeiras, os encantam com promessas de uma vida melhor com mais facilidades e os afastam dessa... tão estreita taberna. – Aponta com tristeza para o seu redor. – Sinto que logo não seremos mais capazes de resistir e também teremos de nos unir a ela, se não encontrarmos algo que faça com que vejam este lugar de forma atrativa, será que deveríamos melhorar tudo por aqui? Deixar como todos da comunidade desejam? Permitindo entrar gelados de licor, danças até o raiar do dia ou tudo que os jovens costumam gostar hoje em dia? – Questiona angustiada, levanto-me e aproximo segurando a sua mão. Levanto a minha cabeça para encontrar o seu rosto, já que Tiatira era demasiadamente alta para minha estatura.

– Papai sempre me ensinou que não deveríamos nos moldar ao que o mundo deseja que sejamos, a sua taberna tem uma estrutura forte e já passou por diversas dificuldades, permaneça com ela da forma como sempre foi, sem abandonar aquilo que acredita por meros caprichos dos outros. Eu sei, que aqueles que amam este lugar de verdade, nunca o abandonará independentemente de como Jezabel seja atrativa e tente os ludibriar.

– Boa noite, donzelas. – Pergamo aparece, Tiatira solta levemente as minhas mãos e sorri travessa. – O que estavam fofocando?

– Papo de garotas, Esmirna como sempre, sensata e firme naquilo que quer e acredita. – Diz batendo palminhas e sorrindo para mim, transmitindo confiança.

– Realmente, não poderia estar mais certa. Esmirna é a pessoa mais firme que conheço, afinal, tantos ossos assim não poderiam dizer o contrário.
– Zomba da minha magreza e reviro os olhos. Ambos riem e Pergamo abraça-me, beijando a minha testa.

– Queremos dois gelados, mas tomaremos enquanto caminhamos, quero falar contigo.

– Olha, parece que combinaram então. Esmirna está ansiosa para um papo cabeça. – Tiatira ainda brinca e Pergamo olha-me surpreso.

– Então serão dois gelados, morango para mim e menta para Pergamo. – Falo e Tiatira entrega-me dois gelados de menta.

– Por que dois de menta? – Indago e ela ri, piscando-me.

– Aproveitem a conversa meninos.
– Acena e saímos para caminhar, Pergamo come o seu gelado que se encontrava num copinho de cobre com colherzinha de madeira, também faço o mesmo. Não suportava o gosto de menta, mas acabo rindo ao lembrar-me da piscadela de Tiatira, o que ela insinuava?

– Devemos nos sentar, assim poderemos falar com mais calma. O que acha daquele banco? – Aponta para uma praça em frente a um pequeno riacho que se encontrava na nossa comunidade da salvação. Concordo e assim seguimos juntos, nos pondo um ao lado do outro.

— A noite está tão linda e fresca. — Digo, buscando formas de quebrar o gelo.
— O que queria me falar?

— Ah claro, que tal ouvi-la primeiro? Tiatira disse que havia algo para contar-me.

— Sim, mas acredito que minhas palavras complementaram o que pretende dizer. Então, lhe dou o direito de ser o primeiro.

— Bom, se é assim...então falarei.
— Sorri suspirando. Pergamo se vira para olhar-me com mais atenção e enfim diz o que tanto ansiava contar.

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⏰ Última atualização: Jun 13 ⏰

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