Capítulo 7

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Rafaela

Luciano mora perto, encontro ele virando uma latinha no portão de casa. Acho isso demais até para mim.

— Eaí, menina! – a voz dele é bem fina. Nunca perguntei se é porque é assim mesmo ou se foi algum problema de saúde.

— Oi, Ka. Vamos?

— Sim. – ele entra, pega o baixo pra mim e tranca a casa — O que houve com o seu Facebook? – pergunta enquanto caminhamos até o ponto de ônibus.

— Um pouco de privacidade não faz mal a ninguém. Deletei meu perfil mês passado...

— Pois é, eu vi esse lance, mas acho que ele foi reativado.

— Tá bom! E reativei semana passada. Mas não costumo postar muita coisa. Gosto de ser anônima e acho que a vida não teria graça se eu fosse celebridade. Adoro sair e ter a liberdade para fazer o que bem entender sem me preocupar com as críticas e julgamentos alheios.

— Que paranóia é essa, amiga?

— Um facebook com muitos amigos e postagens de todo o tipo só derrubam um pouco a tão sonhada privacidade.

— Você tá levando esse lance de militar muito a sério. – risos.

Chegamos no bairro Benfica por volta das oito e meia da noite. O clima está agradável.

O lugar onde costumamos nos encontrar é bem escondido, só não me acostumei com o mal cheiro de determinadas axilas. Encontramos isso em todo o meio, o agravante aqui é exatamente o fato de muitas moças e rapazes não ligarem muito para a higiene pessoal antes da paquera.

— E aê galera!!! – chego na animação.

— Senta aí, Rafa! – a voz de Helena é um grito em meio ao barulho.

— Demorou tanto. – a Gi parece bem contrariada — A gente tem que preparar o palco.

— Trabalho... – riso — Montaram a parte de vocês, já? – sento na cadeira.

— Quando vi que você ia demorar muito, tratei de agilizar o processo com as meninas.

Preciso de uma bebida. Vou ao balcão enquanto Helena vai ao banheiro.

Costumava frequentar mais este lugar. Não sei bem o que mudou exatamente, mas algo aqui já não tem mais aquele brilho. Se é que isso aqui já teve algum. Uma rodinha punk próxima ao palco decide ficar mais "calorosa" sempre que a batida da música pesa. E pensar que já saí com o nariz quebrado dessas coisas. Lembro bem que há três anos atrás, eu costumava entrar em rodas punks. Tudo mudou quando conheci o Everardo, eu estava mesmo decidida a ser uma nova mulher. Como fui tola... E agora estou de volta aonde tudo começou.

Ainda falta a Maiara chegar pra completar nossa turma de "It girls".

Estou voltando para a mesa. Aquele canalha, o Dodi, está um pouco no canto agarrado com mais uma vítima. Coitada. Fico com raiva quando lembro que um dia estive apaixonada por ele.

O álcool me deixa mais corajosa, não posso mentir.

Quero chegar só um pouco mais perto e dizer a essa garota o que vai acontecer a ela no fim da noite.

Há muitas pessoas no ambiente. No espaço underground todo mundo se encontra. Difícil não "bater de frente" com um patife desses.

À medida que me aproximo, noto semelhanças na garota com alguém que conheço. Fico mais cautelosa, talvez eu necessite de um pouco mais de espaço para ver quem seja de forma que isso não os assuste.

Tudo bem. Seria muita decepção se fosse verdade. Prefiro acreditar que não é quem estou pensando. O choque inicial acelera as batidas do meu coração. O susto dá lugar ao ódio quando me dou conta que é quem eu penso que seja.

Paro e penso no que é melhor. Acho que todo mundo tem direito de fazer merda na vida, mesmo que seja a minha amiga. Então era por isso que a Helena estava tão ridiculamente preocupada com o fato de eu encontrar o Dodi. Essa vadia está namorando com ele e pensou que eu iria ficar chateada.

Volto para a roda de amigos.

— Massa esse som, né? – Maiara acabou de chegar.

— Boazinhas para quem começou agora. – Luciano brinca.

— Vai tomar no cu. – ela ri — Quer dizer que mulher não sabe fazer rock?

Bebo mais rápido. O álcool me deixa dormente em todos os sentidos. Preciso manter meus nervos bem tranquilos.

— E aê galera!!! – Jessica acaba de chegar. Está rindo.

— Conta aí a piada. – peço a ela.

— Cara, eu tô lembrando do que a minha patroa me disse agora a noite. Apesar de ela ser uma dessas peruas, ela é mó legal. Tipo. Muito legal mesmo. A última que ela contou me fez chorar de rir. A perua me disse que ficou decepcionada com Iemanjá, disse que ela não tem bom gosto e que não conhece o valor das coisas e que por isso neste ano não vai jogar oferendas para ela. E vocês conseguem adivinhar o motivo? Tudo porque ano passado o Rolex caríssimo que ela havia comprado para dar de oferenda voltou lindo no barquinho que ela jogou ao mar.

Dou um sorriso para não parecer chata.

— Helena!!! — Maiara cumprimenta. — Ta cada dia mais gata. Gostosa pa caralho, néah? – bate palma e ri — Tá de parabéns!

— A gente faz o que pode pra ficar cada dia melhor. O tempo não perdoa e tem tanta mulher bonita solta por aí que a gente tem que fazer o que pode e até o que não pode para se destacar.

— Como foi o passeio, amiga? – sussurro no ouvido dela.

— Acredita! Quase não consigo fazer xixi. Por um momento achei que iria ter que sair pra mijar lá fora.

Nossa vez de subir ao palco.

— Cala a boca que as "It Girls" vão cantar nessa porra! – grito e tomo a cerveja do copo em um só gole.

Subimos ao palco e nos preparamos mentalmente.

— Prontas? – Maiara pergunta.

— Aqui tá ok. – Helena está posicionada na bateria.

— Bora arrebentar. – estou com ódio da vaca.

— Ok. – Gi manda um sinal com o polegar.

Começamos a tocar. Muito barulho, nada de harmonia e a merda da paleta tá escorregando dos meus dedos. Nosso som deveria ser algo de protesto contra o patriarcado e toda essa merda machista que somos obrigadas a conviver diariamente. Estou irritada, enfurecida, emputecida com a atitude da Helena. Ela não se toca que ficar com o Dodi (ela sendo do movimento) enfraquece todas nós?

Maiara coloca muita energia na hora de gritar sobre protesto, mas eu não tenho mais forças para fingir que está tudo bem.

— O que você tá fazendo? – Gi me lance um olhar insinuativo — Bora, Rafaela!

Maiara para a música.

— Tudo bem, amiga?

— Não tá tudo bem. – pego o microfone da mão dela.

— Eu só queria dizer que me recuso a tocar do lado de uma garota que se joga nos braços de um estuprador de mulheres embriagadas. Eu vou sair do palco, e me perdoem por isso, em nome de todas as mulheres que já foram abusadas por um safado que se aproveitou de um momento de fragilidade delas.

— O que foi, Rafaela? – Gi está sem entender.

— Pergunta pra Helena. – digo em seu ouvido.

Desconecto o baixo das caixas e saio do palco.

Sou aplaudida por mulheres e homens.

— Vocês em silêncio são poetisas, gatinhas. – um idiota grita da plateia. 

A Sugar baby do chefe (contrato de namoro)Onde histórias criam vida. Descubra agora