Capítulo único

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É uma noite fria em Londres. Noite de ano-novo. O céu negro está embaçado pelo acúmulo de nuvens cinzentas. Elas não deixam os fogos de artifício que vez ou outra riscam o céu aparecerem. Eu só ouço o estouro. Ainda não é meia-noite. A neve ameaça cair a qualquer instante.

Desço as escadas do edifício e aperto o sobretudo negro contra o corpo, na esperança de que ele seja o suficiente para me manter apartado da baixa temperatura que é cruel naquele horário. Meus sapatos bem engraxados e lustrosos produzem um eco sombrio contra as paredes de pedra da cidade na medida em que dou meus passos firmes na direção de meu Porshe. O vento assobia em meus ouvidos, gelando minhas orelhas descobertas. O gel deixa meu cabelo penteado cuidadosamente para trás.

Eu não perco o tempo de apreciar o mundo ao meu redor. As pessoas passam ao meu lado, apressadas, fugindo do frio, buscando o conforto de suas casas com calefação após um longo dia de trabalho. Levam sacolas nas mãos, provavelmente contendo o alimento que encherá suas mesas na ceia. Mal percebo suas presenças insignificantes. Entro em meu carro e não me preocupo com as consequências desastrosas do excesso de velocidade.

Eu não pertenço a esse mundo insosso e rotineiro.

Estou acima de todos eles reles humanos, pobres vermes esperando pelo dia da arrebatação divina. Algumas, entretanto, esperam por mim, pela minha arrebatação.

Eu tenho um padrão.

Mulheres.

De 28 a 35 anos.

Altas.

Morenas.

Casadas.

Infiéis.

A pequena fortuna deixada por meu pai me permite o luxo de passar meus dias e noites na espreita.

Uma vítima por mês.

Sem deixar rastros ou pistas.

A incompetente Scotland Yard jamais chegou perto de descobrir minha identidade. Tudo o que eles têm é o meu padrão de escolha. Eles não sabem meu modus operandi, pois não tenho um. Baboseira que os vermes assistem em programas da TV paga.

Criminal Minds é uma mentira.

A parte da caça é interessante. Não mais do que a sedução ou a ação efetivamente. Dentre as três fases, eu prefiro a segunda. Seduzir é quase uma arte, em meu conceito. Uma arte na qual tenho pleno domínio e invejável habilidade. É um prazer inexplicável vê-las sorrindo de soslaio, mexendo nos cabelos, batendo pestanas recheadas de rímel caro, sussurrando obscenidades que dizem não mais poder compartilhar com seus maridos.

As mulheres da alta sociedade são as mais vulneráveis. Elas se casam com homens que são casados com seus próprios negócios. São as presas mais fáceis. Geralmente são belas, graciosas e tão sedentas por sexo que é impossível resistir a todo o encantamento que produzo sobre elas. Eu as desprezo, as odeio, então as mato.

Eu tenho um motivo.

Minha mãe foi uma delas. Foi uma dessas mulheres ricas entediadas demais com suas próprias vidas perfeitas. Foi uma dessas mulheres que buscaram em um homem mais jovem aquilo que alegava meu pai não ser mais capaz de prover. Meu pai, entretanto, a amava demais para suportar o peso de uma traição.

Ele se matou.

E eu a matei.

Matei porque meu pai foi a única pessoa pela qual eu cheguei perto de criar algum sentimento positivo durante toda a minha vida.

Dark KnightOnde as histórias ganham vida. Descobre agora