#17

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Eu estava cansada. Passar a noite arrumando as minhas coisas não tinha me feito bem, definitivamente. Já fazia um mês desde que Matt tinha voltado junto com Tia Beatrice para Londres. Minhas férias ainda durariam por mais algumas horas, mas amanhã seria o dia em que deixaria minha casa. Eu tinha passado a noite escutando  a playlist que Matt deixara no meu iPod. Descobri-a ali alguns dias depois de ele ter entrado no avião e voltado para Londres. Mais um dos pequenos presentes que ele tinha dado um jeito de deixar para mim.

          Quando falei para o  meu pai que não queria ir para a faculdade, foi uma grande confusão. Meu pai começou a esbravejar as mais desnecessárias coisas que vinham a mente. Então, foi minha mãe quem veio falar comigo e tentar acertar as coisas. Aparentemente, ela o convenceu que os gritos e a agressividade não surtiriam o efeito que ele queria. Em certo ponto, tive que concordar com a minha mãe. De fato, eu só descobriria o que eu gostaria de fazer se tentasse fazer alguma coisa. Então, por enquanto, eu tentaria encontrar meu caminho.  Pelo menos, dessa vez, ninguém tocou no nome de Matt. Eu não acredito que teria me segurado se tivessem o feito.

          A grande confusão parecia esquecida. Uma semana depois de tudo, a casa parecia a mesma de seis meses atrás. Do mesmo jeito que tudo parecia congelado no tempo, eu mesma não conseguia mais encaixar ali. Eu não conseguiria passar por cima de tudo que eu havia vivido com o Matt. Já tinha se passado um mês e sair de casa naquele momento seria o melhor para mim.

          Olhei para o meu quarto vazio. Todas as minhas coisas estavam encaixotadas. Eu iria me mudar para um alojamento no campus da faculdade. Me contive olhando em todas as direções e gravando cada memória de Matt ali.

          Eu saí pela porta e entrei no quarto ao lado. O quarto de Matt estava empoeirado. Ninguém chegou perto dali nesse último mês, exceto eu quando fugia para lá de madrugada. As vezes, eu sonhava com ele no aeroporto. As vezes, eu sonhava com ele em casa. Mas nada disso era suficiente. Eram só sonhos, e quando eu acordava, o peso da ausência dele se instalava no meu peito de uma forma que se tornava quase insuportável.

          O que tinha acontecido entre a gente no tempo que ele passou aqui foi completamente ignorado pelos meus pais depois que ele foi embora. Parecia que eles simplesmente resolveram não enxergar tudo o que havia sido dito naquela madrugada. Ninguém se importou com aquilo. Eles tinham apagado da memória que eu e Matt tínhamos dito em alto e bom som que nos amamos. Por um lado, isso me incomodava de forma absurda. Por outro, eu preferia mesmo que a ladaínha de "Mas vocês são irmãos!" não tivesse chegado aos meus ouvidos. Aparentemente, ignorar a verdade era mais fácil, mesmo tendo aquela conversa com minha mãe.

          As meninas finalmente tinham voltado de férias, e havíamos marcado de sair esta tarde. Minha disposição estava negativa, mas eu faria esse esforço por elas. Eu, Anna, Tris e Mika tínhamos passado todo o ensino médio juntas. Éramos bem próximas, mas eu realmente acreditava que a temporada de Matt aqui em casa tinha me mudado.Eu percebi que eu era mesmo a princesinha da casa, como Matt me chamava. Mas ele fez a princesinha ir embora, e agora ali só restava a Lívia, a garota que tinha se apaixonado pelo príncipe perdido. Tive receio de que elas percebessem o problema estampado na minha testa. Eu havia ignorado as mensagens delas depois de conhecer Matt. Não respondia e muito menos contava alguma coisa, não importava o esforço que elas fizessem.

          Não é que eu não confiasse nelas. Mas eu sabia que 'meu irmão sumido' era um assunto que surgiria ocasionalmente quando elas voltassem. É claro que ninguém tinha esquecido o episódio da praça. Depois daquilo, eu e Matt mal saímos de casa, e eu não vi nenhuma das garotas daquele dia, mas o grupo não era particular e eu podia ver o que falavam de mim lá. Eu sabia que não iria fugir por muito tempo.

          Fechei a porta do quarto de Matt quando saí. Ali era meu pequeno refúgio, estava impregnado de Matt, e eu o protegia com todo o cuidado. Desci as escadas e fui até a cozinha. Minha mãe estava lá, brincando com a comida no prato. Ela andava cabisbaixa, ultimamente, eu podia perceber. Mas Dona Margô não deixava ninguém questioná–la. Se visse alguém por perto, ela implantaria novamente o sorriso nos lábios e faria tudo parecer bem. Os anos vivendo naquela família tinham feito isso a ela. Resolvi deixá–la com seus pensamentos, pelo menos por agora. Não queria vê–la construir a mesma felicidade emborrachada que percebia nos últimos dias. Talvez, aquilo existisse a anos. Eu estive muito perdida antes de Matt abrir meus olhos.

          Saí pela porta da frente, deixando–a bater atrás de mim. Peguei o carro na garagem e comecei o curto caminho até o shopping. O tempo não tinha ajudado em nada, afinal. Eu não conseguia tirar Matt da cabeça, não importa o que eu tentasse. Eu não queria esquecer ele. Eu só queria não buscar por ele a cada rosto que passasse por mim. Eu tinha um tempo pela frente até conseguir seguir todos os meus planos para o  futuro. Eu precisava me forçar a fingir ser quem eu não era mais. Ainda assim, me corroía o fato de não termos mais contato desde aquele dia.

         As pessoas andavam calmamente pelo estacionamento. Quando finalmente encontrei uma vaga, já estava um pouco atrasada, mas não corri. Entrei pelas grandes portas de vidro, e busquei pela escada rolante. Três lances depois, estava próxima ao ponto de encontro. Avistei minhas três amigas. Por um instante, tive medo de me aproximar. Elas eram tudo que eu tinha. Tudo que tinha me restado da vida que eu tinha antes de Matt. Tive medo de que elas não reconhecessem quem eu era hoje.

         Os olhos de Beatriz cruzaram com os meus, e então ela correu em minha direção, me abraçando forte. Tris era a mais carinhosa de nós, e sempre tinha essas reações. Vi Anna e Mikaela se aproximarem por cima do ombro da menina que me apertava.

          – Você não faz ideia da falta que faz, Lily! – Mika disse, piscando para mim.

        Soltei o abraço de Tris, e sorri.

          – Não faz ideia mesmo – Anna completou.

         Resolvemos ir até a cafeteria que tinha ali perto, o cinema já esquecido. Queríamos conversar. Eu sentia falta das minhas amigas. Senti falta delas quando as coisas aconteceram lá em casa. Elas sempre estiveram comigo, mas... Havia um silêncio um pouco incômodo quando chegamos e fizemos nosso pedido. Eu sabia que eu estava causando aquilo, porque eu mesma não tinha falado muito até agora. Anna resolveu abrir a boca.

          – Nós passamos quase três meses longe de você, Lily, e parece que o gato comeu sua língua!

        Mika e Tris também me encaravam.

         – Vocês podem não acreditar, mas aconteceu muita coisa nesse tempo que vocês passaram fora... – finalmente falei, abaixando meu copo quente até a mesa no centro.

         – Então, conte para gente! Não é justo, você ignorou todas nossas tentativas de contato no último mês. – Anna desabafou.

         – Eu sei, mas...

        – Mas nada! Somos amigas, não somos? – Mika insistiu.

        – Olha, Lily... – Tris disse, finalmente. – Por mais difícil que seja, nós estamos aqui com você, agora. Passamos um tempo longe, mas você pode contar com a gente, como sempre. Eu não sei pelo que você passou, ou por que tá tão diferente, porque você tá sim diferente, mas nós somos as mesmas de sempre, tá? Somos nós, as que sempre estiveram aqui, que sempre passaram por tudo juntas. Você pode contar com a gente.

         Eu observei a cena por um instante. Tris estava certa. Eu tinha mudado, mas elas ainda eram as meninas em quem eu sempre confiei. Eu podia estar diferente, mas elas já tinham percebido isso há muito tempo, e mesmo assim estavam ali. Elas estavam preocupadas comigo, e meu medo estava afastando minhas amigas. No fim das contas, eu ainda estava achando que elas me julgariam, mas eram elas que sempre me deram força.

          Então, eu finalmente tomei coragem, olhei para elas, e falei.

          – Eu me apaixonei pelo meu irmão.

Entre nós e paredesWhere stories live. Discover now