4. O piloto e o surto

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QUATRO

I ask myself what am I doing here?

Meu emprego no After Late Night with Bill Mason era a razão pela qual eu acordava toda manhã leve como uma pluma.

Tinha a liberdade de escrever as coisas mais absurdas para um quadro de jogos com artistas famosos e se estivesse em um bom dia poderia ir conversar sobre algumas inspirações de piadas para um dos redatores principais. Participava de gravações e depois de algum tempo criei intimidade suficiente com pessoas importantes para ir passando algum dos meus manuscritos para frente.

Naquela sexta-feira eu estava elegantemente atrasada, culpa do frio que me deixava preguiçosa e com saudades da cama. E qual foi minha surpresa quando naquela manhã, na qual eu havia comprado dois pães de canela com caramelo, Owen Michaels estava me esperando em minha sala, sentado em minha cadeira giratória como um rei.

Senti o chão afundar sob meus pés com a certeza do desemprego iminente. Senhor Michaels era ninguém menos que o criador e produtor de um programas de comédia mais lendários da história da televisão. Um dos mais premiados roteirista e humorista do país. E também o homem que assinaria minha dispensa no caminho até a porta.

— Senhorita Moore, ótimo dia. — cumprimentou educado, levantando-se do meu lugar e esticando a mão em minha direção pronto para se apresentar como se eu não o conhecesse — Owen Michaels.

— Bom dia, chefe. — apertei a mão oferecida tentando parecer despreocupada enquanto me tremia por dentro. Coloquei a caixinha com os pães sobre a mesa e apontei sorridente para ele — Aceita?

— Obrigado. Vim aqui por outros motivos, motivos mais sérios e urgentes. — seu tom de voz era duro e sóbreo e ele deu uma pausa dramática ao sentar-se em meu sofazinho, cruzando as pernas e me olhando como se pudesse ver minha alma. — Você pode parar de olhar pra mim como se eu fosse mandar você embora por estar atrasada, Senhorita Moore. Acontece com o melhor de nós.

E gargalhou acabando com toda sua pose e voltando a sentar-se como uma pessoa normal, não como o Conde Drácula de Nova Iorque.

— Tive um café ontem com Bill e Mona Freeman, acho que você conhece ela, não?

O-oh.

— Sim. — respondi em meio a um gaguejo, prevendo sobre o que se tratava o assunto.

— Ela comentou que uma das escritoras de Bill havia lhe enviado um manuscrito. Uma prévia de um roteiro de sitcom. All the red flags o nome. A senhorita já ouviu falar?

— Já, é meu manuscrito. — respondi com o fio de voz que me restava ao passo em que Michaels começou a gargalhar.

Seu dedo ergueu em riste chacoalhando em minha direção. Olhei ao redor procurando por câmeras, com medo de ser vítima de uma pegadinha, mas qual minha surpresa quando ninguém passou pela porta.

— Pare de ser tão cautelosa comigo, eu vim em missão de paz, filha. — disse em meio aos risos — Mona me entregou sua prévia, fiquei muito interessado. Quis conversar com você pessoalmente sobre a possibilidade de você escrever o piloto. E escrever rápido. Tenho uma mesa procurando por novas ideias e adoraria apresentar a sua.

Nunca havia parado para pensar como funcionava de fato a mecânica automática da respiração. Sobre como nossos pulmões puxam o ar e o soltam de maneira tão simples e macia, prontos para seguir por uma sequência interminável de puxadas automáticas e rotineiras, tão fundamentais e indispensáveis para a existência humana. Não havia pensado em nada disso até as palavras de Owen Michaels, um grandalhão da minha emissora, me acertarem como um coice no peito e eu perder a noção de como respirar por mim mesma.

Como (não) Trazer Seu Idiota de VoltaWhere stories live. Discover now