Sou uma Garden

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Na noite anterior ao dia de embarcar para Londres. Não consegui pregar os olhos. Era uma mistura de nervosismo e ansiedade. Ora eu chorava. Ora gargalhava.
Por volta de 7:15 me levantei. Fiz as necessidades matinais.
Daqui a 11 horas e meia estarei embarcando para um vôo de 11:15minutos. Eita, quanto 11.
Antes de descer para o café. Confiro as malas.
Tomo café, e igual a uma boba, já começo a me despedir dos vizinhos e amigos.
Afinal, se tudo der certo, não voltarei aqui tão cedo.
A agenda estudantil da Garden é bem pesada. De segunda a sexta, das 8:00 as 17:00. E sábado pela manhã. As vezes tem aulas "bônus" aos domingos.
E também, não temos dinheiro, pra mim ficar indo, e voltando, sempre.
São 4 anos de especialização.
Tenho que me virar sozinha, em um país diferente do meu. Com pessoas que não falam meu idioma natural. E sem conhecer ninguém.
Pensar nisso, assusta. E desistir está totalmente fora de cogitação.
Meus país se esforçaram demais por mim. Eu me esforcei por essa vaga. Milhões de bailarinas e bailarinos, sonham com isso. E eu consegui. Eu consegui!
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Está chegando a hora de embarcar.
Fiquei tanto tempo me despedindo de tudo e de todos, que acabei me atrasando.
Subi as escada correndo, passei no meu quarto peguei a toalha e corri para o banheiro. Victor
estava no banho.
Sai Vi! -gritei, batendo na porta.-

Espera! -respondeu bravo.- Fica batendo papo, se atrasa, e quer descontar em mim.

Você sabe que te amo. -digo sorridente .- agora sai. Vai. Vai!

Tomo banho, lavo meus longos cabelos loiros, não tão claros.
Visto uma calça skinner. Blusa preta com gola, um cachecol quadriculado preto e branco, sobre tudo cinza. Apesar do Brasil ser bem quente. Londres, não é!

No aeroporto, me despeço, chorando muito, dos meus país e do meu irmão.

Vai dar tudo certo, querida. -Ela diz convicta, como se preve-se o futuro. -
Embarcou, com a maquiagem toda borrada. O avião é comum. Vários lugares, da de privilégios, afinal é a classe econômica.

Poltrona 23...Poltrona 23 cade você sua linda? - digo, completamente perdida.-
Quer ajuda? -diz a aeromoça ao meu lado. -
Sim! Poltrona 23. -falo, aceitando sua ajuda. -
Bem aqui senhorita. -diz mostrando-me a poltrona cinza.-
Bem no meio. Na ponta um senhor de uns 50 anos, com seu cabelo grisalho.
A última está vazia.
A aeromoça me ajuda com a bagagem. E logo sento e ponho o cinto, pois o avião irá decolar.
5 minutos depois e já estamos no ar. Rumo a Garden!
Estou toda borrada de maquiagem. Mas não me a atrevo a levantar. Primeira viagem. Sozinha. Nunca que vou levantar.
Mas logo tenho necessidade de ir ao banheiro.
Obrigada, levanto e me encaminho até o banheiro. 4 um de frente para o outro. Todos ocupados. Então espero. Noto algo no meu scapin preto, e vou retirar.
Me apoio na porta de um dos banheiros. Porém a mesma se abre, fazendo com que eu vá de cara no chão. Segundos antes de tomar esse lindo tombo, sou segurada a centímetros do chão. Quem quer que seja me segura pelo braço, evitando assim a minha, vergonhosa, queda.
Levanto toda desajeitada. E quando olho, posso dizer que é uma excepcional visão. O co-piloto , fardado, lindo de olhos negros tão intensos que nem sequer vejo sua íris. Pele clara, corpo definido, senti isso ao tocar quando me levantava. Seus cabelos perfeitamente cortados e negros como seus olhos.
Des..descl..desculpa. Eu..eu não ti-tive a intenção de atrapalha-lo.
E fui fechando a porta do banheiro totalmente corada pela situação , e pela " situação de olhos negros".
Ele travou a porta com a mão e me interrompeu com sua voz fina e irritante.
Imagina, eu que abri a porta enquanto você estava apoiada.

Oi? Má como? Que isso? Faio tudo.
Aí destrói toda a história que eu já havia sonhado para nós.

Imagina. -falo envergonhada e segurando o riso.- Obrigada.
Entro no banheiro segurando o riso, que insiste em sair. Fecho a porta do banheiro, pego meu estojo, onde fica minha maquiagem e vários outros itens.
Que monstro! -digo olhando no espelho.- Pelo menos a culpa não foi minha. - referindo a voz irritante mente fina, do co-piloto. Retoco a maquiagem, nada exagerado.
Saio do banheiro e vou até a minha poltrona.
Passo pelo senhor da ponta, que logo faz cara feia.
Poxa, só passei 2 vezes, e já ta reclamando. - penso, mas me calo. -
A poltrona vazia, agora ocupada por um rapaz, que está com seu braço jogado por cima do rosto, como se estivesse dormindo. Ele ocupada toda sua poltrona, e também, metade da minha. Cutuco uma, duas vezes. E sem respostas. Cutuco pela terceira vez, e ele se mexe com toda preguiça do mundo. Afastando apenas parte do braço.
Com licença. E que sua...pern... Est. - nem se quer término a frase, pois ele coloca o braço de volta no rosto, sem me dar atenção.
Então já hiper estressada. Me jogo com tudo sobre a poltrona e a perna dele.
Ai! - grita o rapaz. - Ta me vendo aqui não.
Tô! Impossível não ver. Já que você ocupa além daquilo que você tem direito. -esbravejo.-
Ele vira para a janela e torna a jogar o braço por cima de seu rosto.

Mal me acomodou na poltrona e o co-piloto, aquele co-piloto, anuncia que iríamos pousar. E por isso devíamos permanecer sentados e com cinto.

É, cheguei!
Saio do avião já procurando o restante das malas.
Pego todas e vou em direção ao táxi.
Mas é melhor eu economizar.
Então decido pegar um ônibus.
É incrível, tudo aqui é organizado, cidade limpa e os ônibus são uma graça. Pego um clássico ônibus de dois andares. Sento lá em cima e aproveito para apreciar a vista. Tudo lindo. As árvores com suas folhagens bem verdes. E flores, desabrochando tímidas.
Logo chega o bairro onde fica a Garden.
Descl em frente a um lindo portão de grades, preto.
Um muro alto. Ao lado do portão, junto com o muro, tem uma cabine, que acredito ser de segurança.
Ao me aproximar, um deles sai da cabine. Tão alto que meu pescoço foi de tanto olhar para cima. Digamos que eu não seja alta. 1.58.

Olá, posso ajudar? - diz o gigante. -

É.. Eu..so-sou.- respiro, não consigo se quer pronunciar uma frase em inglês. Estou mega nervosa. -

Sim....- disse o gigante. -
Eu sou uma aluna selecionada .- digo rápido.-
Selecionada: aluna bolsista, ou escolhida pelo concurso na internet.

Ele logo abri o grande portão negro.
Sim, sou uma Garden!
O caminho é feito de ladrilhos vermelho. Em ambos os lados, há um gramado verde, com pequenas poças de água ainda com gelo derretendo. Grandes árvores, com pequenas flores, de todas as cores.
A visto 2 prédios um a esquerda, e outro a direita. Um diz:
Academy Garden of ballet from Londres.
E o outro diz:
Academy Roster of music and art.

Como? A Garden mudou?
Eu fiquei tão focada em conseguir as passagens que nem se quer pesquise sobre ela.
Eu sempre acompanhava, mas depois de um tempo sem resposta, eu desisti.
Andando pelo caminho, podia ver vários grupos de alunos sentados no gramado. Alguns com violão, outros apenas conversavam.
Atrás dos grandes prédios de 4 andares, os dois.
Havia, mais dois. Acredito que sejam os dormitórios.
Me encaminho para a Garden, e pude perceber olhares. Alguns rapazes estavam sentados na escadaria na entrada para a Garden.
Me informaram que a secretária fica no segundo andar, me dirijo até lá. A secretária, uma loira bem bonita, mas com uma cara de péssimos amigos.
Boa tarde. Eu sou uma selecionada, e estou aqui para fazer o cadastro.
Ela levanta seu olhar para min e diz:

São 60 dólares. -seca.-

Como? - digo sem entender-

60 dólares, a inscrição é 60 dólares. - estendendo a mão.
Mas...mas as selecionadas ganham bolsa integral. - digo cabisbaixa .-
Sim, porém o cadastro é pago. Infelizmente se você não tiver, só posso dizer. Tchau! - diz grossa.-
Vacaaa! É meu sonho. - penso mais não falo. -
Espere um minuto. Verificou o que restou dos meus 70 dólares, paguei o ônibus então vamos ver o que sobrou. 63 dólares. Se eu entregar não tem volta, já era o dinheiro da passagem de volta.
Entrego a ela mesmo assim, pois é meu sonho e não vou desistir na primeira.

Agora é torcer para que você seja aprovada no cadastro.- diz, me surpreendendo.
Porque não contou antes. Meu Deus, se eu não for aceita, como vou embora.
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A Bailarina e o MúsicoWhere stories live. Discover now