Con[fusões]

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Àquele ponto do campeonato eu tentava me compreender, tentava desenrolar aquele nó enorme dentro da minha garganta toda vez que o nome Hoseok vinha à tona. As cores que já não eram tão coloridas haviam perdido tudo aquilo que lhe restava, a comida que já não era saborosa havia perdido completamente o sabor. E enquanto eu vegetava, me perguntava o porquê de tudo aquilo; o que era aquele rombo enorme dentro do meu peito? O buraco imenso que nunca se tampava? A tempestade interna que vinha de repente mas nunca ia embora? Foi com este tipo de pensamento que me questionei pela primeira vez.

Quem sou eu?

Apenas alguém que queria ter sua existência notada? Ou eu era mais do que isso?! Talvez no caso contrário eu fosse alguém que sequer queria existir. Afinal, quem era Min Yoongi? Quem era aquela pessoa que do nada havia se tornado um furacão? O que era aquela chuva que só caia para o lado de dentro, como se eu tivesse esquecido a janela aberta. O próprio querer saber me jogou contra um vento de por quês, no meio do "lugar nenhum" onde eu estava; sem placa de sinalização. Sem aviso. Sem bússola, ou sequer o GPS vagabundo do meu celular que só funcionava quando queria.

Toda minha melancolia chovia para fora, em gotas que deixava escapar quase sempre que aquela tristeza torrencial atingia meu peito. E então eu me inundava, transbordando até que a imensidão de questões, um tanto mal pensadas demais, fosse embora. O que na verdade não acontecia, se é isso o que deseja saber; quando ia embora, voltava sempre pelo mesmo motivo. Bastava que eu chamasse aquele nome, uma faísca, uma lasca de você sabe quem, para que eu me incendiasse, apagando tudo o que havia sido queimado minutos depois, enquanto dois rios de diferentes caminhos corriam sobre meu rosto.

Não desejava ver quem quer que fosse, que batia na minha porta todos os dias. Não queria sair, não queria ver o bosta do meu professor todos os dias. Senti vontade de refazer algumas lembranças, uma vontade que veio de supetão, junto com a vontade de rever Hoseok.

Aquele sorriso enorme em formato de coração, fez o meu reclamar. A pulsação aumentava, o coração batia mais forte, as mãos suavam e bastava vasculhar as memórias antigas. Já não era mais nenhum segredo, algo me incomodava, mas eu simplesmente não sabia o que era.

Quando resolvi que aquela onda de tristeza, que mais parecia um tsunami, havia sido boa, de certo modo, para que pudesse refletir sobre o que eu queria, de fato. A ligação com Namjoon havia me feito algum bem maior, afinal, ele podia ser um cara chato de vez em quando, mas ainda era meu amigo. Assim que resolvi devolver as camisetas de Hoseok, pensei que seria bom vê-lo, afinal, estava enrolando haviam dias. Parei na porta de seu quarto e percebi que fora a pior ideia que já tive, como eu sabia, não estava preparado para vê-lo, devia ser uma coisa muito idiota de ser vista. Eu estava suando, meus joelhos tremiam e as camisetas finas em meus braços estavam amarrotadas devido ao meu nervosismo. Já ia saindo quando a porta em minha frente foi aberta, mostrando uma cena que, nunca, em toda minha vida, desejei ter visto.

Hoseok estava deplorável; olheiras enormes debaixo dos olhos castanhos que sempre me foram tão vivos, mas que agora pareciam duas orbes de pura tristeza. Suas roupas estavam sujas e estava mais magro do que da última vez em que o vi; as maçãs de seu rosto estavam fundas e eu me senti péssimo. De algum modo eu tinha culpa, talvez noventa por cento. Me senti horrível, a vontade de abraçá-lo foi maior que qualquer ódio que eu nutria por ele.

Hoseok podia ser o maior chato do mundo, mas eu devia à ele. Quando menos esperava, ele me abraçou tão forte que nem tive tempo de recusar aquele abraço [que, vale lembrar, queria tanto quanto ele]. Toda aquela onda/tsunami me atingiu de uma maneira que nem mesmo em meus maiores sonhos eu poderia imaginar; uma sensação tão boa como a de chegar em casa cansado e se jogar na cama, como a de ganhar algum presente ou de comer chocolate e beber água depois; era exatamente assim que eu me sentia. Era ótimo estar com ele, sentir o calor que emanava de sua pele dourada. Depois de tantos dias sentindo um vazio enorme, ou melhor, um rombo do tamanho de meu peito, ele finalmente havia sinto tampado.

Sentia-me tão bem, tão completo que por um momento, achei que fosse chorar ali mesmo; com as roupas jogadas no chão, lágrimas nos olhos e um iceberg de culpa. As mãos pequenas de Hoseok rondavam minhas costas e sua respiração quente me fazia sentir como se eu estivesse em casa. Tudo passara como um flash; aquelas noites mal dormidas em que ele me abraçava, a respiração em minha nuca, as mãos em minha cintura e a voz esganiçada que eu tanto odiava, que admito, no fundo, bem lá no fundo, senti falta. A saudade tinha nome e sobrenome, um dia já morou comigo, mas agora estava distante. Querendo ou não isso me machucava, me incomodava, me destruía. Uma flor de cerejeira que havia caído de algum galho e agora era pisoteada por tantos pedestres que passavam naquela calçada.

O que me pareceu uma eternidade, durara apenas míseros segundos, Hoseok me puxara para dentro do quarto, segurando minha cintura e temendo que eu me afastasse. Não deixei, é claro, de reclamar das roupas jogadas no chão, mas ele pouco se importou, abraçou-me como quem dizia ''Não me deixe'' e eu não deixei, pelo menos não naquele instante. Já começava a pensar que havia sentido mais a falta dele do que ele a minha, não pude deixar de encarar aquele rosto que fazia par com o corpo que um dia fora mais musculoso, tive de olhar para cima e me erguer na ponta dos pés para, finalmente, me encaixar naquele ombro ossudo e muito, muito desconfortável, mas no final, me sentia bem.

Minha cabeça estava uma tremenda confusão, não sabia o que estava sentindo, mas era bom, uma sensação de estar onde eu sempre pertenci. Percebi que meu lugar não era em Daegu, ou no restaurante do outro lado da cidade, muito menos nas aulas de música que eu tanto gostava, meu lugar era onde Hoseok estivesse. O coração esmurrava meu peito, berrando em pura felicidade e êxtase. Nossa fusão foi feita a partir de um movimento muito simples, veja bem, bastou que me descolasse do ombro dele e olhássemos para o outro por, sei lá, dois segundos e então aconteceu. Sem que eu me desse conta, estávamos juntos, de uma maneira extraordinária.

Hoseok se desculpava, mas a culpa me consumia. ''A culpa foi minha e você não precisa se desculpar, eu te fiz ficar assim?'' ''Não foi você e sim esse amor que ia mas sempre voltava, a vontade de estar com você e ouvir sua voz, hyung. Eu não estava mais aguentando, sabia que você estava com Seokjin naquele dia, mas ele me explicou que ainda não estava preparado, então eu esperei.'' ''Você podia ter ido me procurar, Hobi. Eu sabia que você estava mal, mas não sabia que estava assim.'' ''Você sabe que te amo, sempre fiz questão de deixar isso claro, por que fez isso comigo? Sei que não corresponde aos meus carinhos, mas não precisava ter se afastado.'' ''Precisava sim, mas você nunca vai entender. Eu só não queria que se afastasse depois, por perceber que não daria certo.'' ''Nós nunca tentamos, hyung.'' ''Não complique as coisas para mim.'' ''Eu ainda te amo.'' ''Hoseok, acabei de lhe avisar. Não quero que se machuque com esperanças falsas.'' ''Mas hyung, olhe para fora, veja bem. O mundo está lotado de falsas esperanças, de promessas que nunca serão cumpridas e amores falsos ou esperanças falsas, seja como quiser-'' ''O que quer dizer com isso?'' ''Me deixe acabar, por favor.'' ''Vá em frente.'' ''Sei que somos completamente opostos e que há uma chance de, sei lá, noventa e nove por cento de não dar certo, mas por que não tentar? Por causa deste um por cento que também é uma incerteza? Desta gota que não enche copo? Ou você, como uma pessoa sensata, não acredita que possa dar certo? Hyung, eu tenho plena consciência de que existem esperanças falsas, tá bem? E que muitas pessoas as jogam fora por outras pessoas que talvez não valham a pena, mas a questão é; eu não me importo nem um pouquinho em jogar mais uma de minhas esperanças falsas com você. Seria ainda melhor dividi-las com você. Não me importo em ter um coração quebrado por um cara como você, ou de parecer um maltrapilho por você. Só me dê uma oportunidade, e eu prometo que não irá se arrepender depois.'' ''Lhe darei duas chances, se é assim, então.'' ''Duas?'' ''Faça com que eu me apaixone por você.'' ''E a outra?'' ''Uma chance de voltar pra casa.'' ''Hyung, eu estaria feliz se você me desse meia chance.'' ''Agora você tem duas. Então, por favor, tome um banho e se ajeite, tudo bem?'' ''Tá certo.'' ''Seu tempo está correndo.'' ''Estou contando desde que entrou em minha vida.''

xx

Pobre Hoseok, se soubesse que quase quarenta por cento já haviam sido tomados, desistiria de sua primeira chance na hora, mas ainda não sabia.

Um por centoOnde histórias criam vida. Descubra agora