Capítulo 4 - Um Abraço Desajustado

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Na parte coberta do parque, as garotas estavam arrumando as coisas sobre o pano enquanto C. observava, os últimos acontecimentos o deixavam pensativo e até um pouco assustado. Há um mês ele nunca sairia de casa, e em apenas um dia tinha ido tomar o café da manhã com os pais, saído de casa e conversado com duas pessoas que não era as pessoas que o conheciam desde pequeno. Ainda tinha Isabella, a garota que o fez se "mexer". Que o incentiva a fazer essas coisas. Naquele momento nem pensava em o quanto odiava suas cicatrizes.

- C., está tudo bem? - Isabella o chamou do outro lado do pano.

Ele a olhou sem entender.

- Você está caladinho aí, não queria vir? Olha se for isso, desculpa, só acho que sua aparência não devia te privar de ver o mundo, a parte boa e feliz dele. Só senti que você merecia, entende? Você é um cara legal e tudo mais, besta é quem não quer te conhecer por dentro...

Bella falava atropelando as palavras e ele teve que dar a volta no lugar para chegar até ela e a fazer parar. Ela possuía um coração puro, sabia da maldade do mundo, porém olhava e prestava atenção nas coisas felizes. Pequenas coisas como preparar um piquenique para um amigo que guardava marcas no corpo e no coração, talvez para sempre. Talvez.

- Calma, Isabella. Só estava pensando, nada demais. E obrigado por tudo desde já. Você tá... Hum... me mudando. Para o bem, ok? - ele abaixou a cabeça enquanto ela abria um sorriso.

¨¨¨¨¨¨

Do lado, as irmãs tiravam as coisas da cesta e olhavam para os dois com sorrisos cúmplices e de admiração. Queriam ser como Bella quando crescessem, tinham tido uma conversa, não sobre como tratá-lo, mas sim como respeita-lo. E talvez nem tenha sido necessário, corações bondosos como o de Ivy e Iara não tinham os preconceitos de algumas pessoas.

- Que bom! Agora venha, vamos comer. - se sentaram e cada um pegou um sanduíche com presunto e queijo, mais uma caixinha de suco de uva. - Já que estou te ajudando a mudar vamos tirar esse capuz.

Ele a olhou alarmado, ela levou suas mãos macias até sua cabeça e tirou o pano, revelando seu rosto e seus poucos cabelos.

- Fique tranquilo, aqui não vem muita gente. Confia em mim? - indagou quando ele fez menção de colocar o capuz novamente. Ao fim das palavras dela ele apenas assentiu e começou a comer.

- Pra você... é normal comer? Mesmo com isso ai? - Iara perguntou hesitante, ele entendeu que ela se referia a uma cicatriz que cortava quase os dois lábios dele.

- Sim, consigo comer normalmente. - Christian disse.

- Você e a Bellinha estão namolando, C.? - Ivy perguntou de boca cheia.

O rosto de Bella ficou tão vermelho quanto o seu cabelo, e o de C. se contorceu novamente quando ele sorriu de lado. A aberração aqui com uma namorada, é pedir muito não, Pequena Ivy?! Zombou-se mentalmente.

- Não Ivy, somos somente amigos. - respondeu estranhamente não constrangido.

¨¨¨¨¨¨

Bella estava felicíssima por ele ter vindo. Não havia decidido levar as irmãs de última hora, já estava combinado desde que a resposta dele chegou. Sorria sempre que via ele desconcertado com as perguntas intrigantes de Ivy e quando ele parava para pensar sobre as de Iara.

Quando pararam de comer, saíram e foram andando até o parquinho. De repente, Iara sentiu uma bola de neve bater na sua nuca descoberta. Olhou para trás e viu Ivy com um sorriso sapeca. Semicerrou os olhos e se abaixou para pegar um pouco de neve, logo revidou.

Isabella e Christian conversavam na ponta de um longo escorregador sobre os dias que sucederam depois do dia que se conheceram. Não havia ninguém além dos quatro ali, e ele continuou com a cabeça descoberta.

Logo foram atingidos por duas bolas de neve, ouviram risadas gostosas acima deles.

- Sua pestinhas! - exclamou Bella olhando para o alto do escorregador.

Tão logo se iniciou uma guerra de bolas de neve, de um lado Ivy e Iara, do outro Christian e Isabella. Ele não podia estar mais feliz por fazer parte daquele grupo, se sentia importante e normal. Cicatrizes dos anos passados começavam - bem devagar - a desaparecer... entretanto não foi só em seu coração.

- C., cadê a marquinha que você tinha aqui no peiscoço? - Ivy questionou quando eles estavam fazendo "anjos" deitados no chão.

Ele levou a mão ao local que ela apontava e não sentiu a cicatriz que lá tinha. Ninguém entendeu, ele não sabia o que dizer, tinha certeza que antes tinha algo ali. Estranho.

- Eu... eu não sei, Ivy. - olhou-a com afeição.

O pouco do sol que resistia a passar pelas grossas nuvens agora se punha. Estava ficando escuro e a casa das garotas ruivas não era muito perto dali.

- Acho que temos que ir, Bella. - avisou Iara olhando o horizonte.

Ivy estava fazendo um boneco de neve com o Christian, usando uma das caixinhas de suco para fazer o nariz, enquanto Isabella os observava e dava pitacos sobre tudo que faziam. Bella olhou para a irmã.

- Você tem razão, Iara. - levantou-se do banco e foi de encontro aos dois com o boneco, tocou o ombro de Christian. - C., tá ficando tarde, vou ter que ir para casa com as meninas.

- Tudo bem, eu vou ajudar a recolher as coisas do piquenique, pode ficar aqui Pequena Ivy. - virou-se para Ivy ao dizer a última frase.

- Não precisa, C.! Eu arrumo tudo. - Bella sorriu para ele, Christian colocou a mão sobre a dela em seu ombro.

- Eu insisto. - voltaram para onde estava a cesta.

De uma hora para outra, C. viu um homem alto se aproximando, correu para esconder o rosto com o costumeiro capuz. Quando Bella também o percebeu assentiu transmitindo confiança em seu olhar.

- Está tudo bem, ele já passou. - o tranquilizou descendo a tampa da cesta, agora com tudo guardado. - A propósito, obrigado pela tarde, as meninas precisavam se animar... Tenho ficado muito tempo fora de casa por causa do novo trabalho.

- Não precisa agradecer, eu é quem devo fazer isso. Suas irmãs são muito espertas, - ele sorriu sincero e pegou na sua mão livre. - sua mãe deve estar muito orgulhosa onde quer que esteja.

Aquelas palavras fizeram com que os olhos de Bella se enchessem de lágrimas, sua mãe havia partido no nascimento de Ivy. Isabella e o pai foram os que mais conviveram com ela, e a saudade crescia a cada dia.

- Não chora, não sei o que fazer quando garotas ruivas choram. - falou levando as mãos, que também possuíam certas marcas até o rosto de traços finos de Bella, ela sorriu se lembrando da irmã. - Não tenho mais rosas para dar.

- Um abraço desajustado serve. - e foi o que fizeram: se abraçaram permitindo que, com aquele ato, suas dores e marcas do passado se juntassem, cada uma à sua maneira.

EstigmaWhere stories live. Discover now