Acusação

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Antonieta se viu obrigada a encarar seus acompanhantes, os soldados, durante todo o percurso, pois as cortinas das pequenas janelas da carruagem se mantiveram fechadas e ela não teve a coragem suficiente para abri-las. Ela tinha alguma ideia sobre para onde a levavam, mas não se atreveu a perguntar novamente, pois suspeitava que seria ignorada uma segunda vez.

Após poucos minutos no sacolejo incessante da carruagem, chegaram ao Tribunal Revolucionário. A ex-rainha não teve tempo para olhar a construção, já que tinha sido grosseiramente apressada a entrar no local. Ao chegar à sala em que seria julgada, avançou constrangida por entre as pessoas que ocupavam as tribunas. Antonieta podia sentir os olhares que iam desde suas vestes pretas até seus cabelos desgrenhados e olheiras fundas, penetrando-a, dissecando-a, julgando-a. Ela sabia que sua aparência não era digna daquela do título que outrora tivera: o de Rainha da França.

Ao sentar-se no banco dos réus, passou a observar o cômodo em que se encontrava. Preenchido por muitos homens e pouquíssimas mulheres, o lugar era pequeno e parecia ser improvisado. Uma grande mesa retangular se encontrava à frente da ex-rainha. Além daquele móvel, havia apenas bancos de madeira. Muitos deles. Postos ali para que os que viessem ao julgamento pudessem ter algum lugar para sentar.

Alguns minutos após a chegada de Antonieta, três batidas de martelo foram ouvidas, e os murmúrios que antes preenchiam o cômodo cessaram.

Antonieta reconheceu os rostos de seus juízes. Dois dias antes, eles a acordaram na calada da noite e realizaram um interrogatório secreto. Era Herman, o presidente da sessão, ao lado de Focauld, Douzé-Verteuil e Lane. O júri era composto por homens de profissões simples, além do marquês de Antoinelle, um adepto da revolução desde o início.

Após sentar-se ao lado de seus advogados, Chauveau-Lagarde e Tronson Doucoudray, a ex-rainha esperou até que Herman falasse.

– Por favor, pronuncie seu nome, sobrenome, idade e profissão.

Ao que ela respondeu:

– Chamo-me Maria Antonieta Lorena D'Austria, nascida em Viena; idade, cerca de trinta e oito anos, viúva de Luís Capeto, rei da França. No momento da minha prisão, encontrava-me na sala das sessões da Assembleia Nacional.

Antonieta estava trêmula, mas não deixou transparecer seu nervosismo. Após sua resposta, ouviu atentamente a leitura do auto de acusação que a apontava como orquestradora de movimentos e reuniões de contra revolução, além de compará-la a outras rainhas odiadas dos tempos anteriores e de acusá-la de ter espoliado o tesouro nacional para o financiamento da guerra entre Áustria e Turquia; entre outras.

– Que, assim que chegou em Paris, a viúva Capeto, fecunda em intrigas de toda espécie, organizou conciliábulos em sua casa; que esses conciliábulos, compostos de todos os contra revolucionários e intrigantes das Assembleias constituinte e legislativa, se reuniam nas trevas da noite; que aí se cuidava dos meios de anular os direitos do homem e os decretos já estabelecidos, que deviam servir de base à constituição...

A ex-rainha já sabia de todas aquelas acusações por conta do interrogatório de Herman e dos outros três juízes. Porém, seus advogados, em dois dias, não tiveram tempo para preparar uma defesa adequada. Antonieta sabia que seria muito difícil conseguir uma pena leve, apesar de se considerar inocente.

Ao todo, naquele dia, foram 41 testemunhas, que acusaram Antonieta das mais variadas ações, desde embriagar os soldados para estimulá-los contra a população e até mesmo realizar orgias em Versalhes. A tudo isso, quando questionada, a ex-rainha dava curtas respostas, negando sua participação em todos aqueles atos. A verdade é que Antonieta era inocente e todas aquelas acusações eram carentes de provas concretas. Sendo assim, com suas fortes defesas e a ausência de contradições, o tribunal, tanto para a ex-rainha quanto para o resto das pessoas ali presentes, estava sendo extremamente maçante. 

Porém, uma acusação feriria extremamente o orgulho de Maria Antonieta e poria fogo naquele julgamento frio. A suspeita de que ela, junto com madame Elizabeth, sua cunhada, submetiam Luís Carlos a ter relações incestuosas com elas duas.

Ao ouvir a acusação, mais tremores se espalharam pelo corpo da ex-rainha. Como podiam proferir tal calúnia e desonrar não só o nome de Antonieta, mas também o do pobre Luís Carlos, morto há cinco meses? Em sua mente, Antonieta reviveu a dor da perda e do descaso da população, que ignorou a morte de seu filho. "Meu filho está morto e não parece importar a ninguém!", a ex-rainha lembrou-se de ter proferido tais palavras e agora elas, vivas, queimavam seu pensamento e seu coração com a intensidade de uma brasa.



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