O começo do fim

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    Se não der importância, não machuca.
  
   Repetia diversas vezes enquanto andava pelos corredores sob os olhares maldosos dos outros alunos da instituição, depois do ocorrido de sexta feira, tudo se intensificou, os xingamentos, as fotos, as pichações... E ninguém fazia nada a respeito, meus esforços não valiam de nada, não importava o quanto eu gritasse, revidasse, sempre piorava, sempre.

–Bom dia.–A professora diz sem muita vontade assim que entro na sala. "Bom dia." A resposta vem pelas minhas costas.

   Eu só precisava aguentar mais umas semanas, em breve tudo vai acabar: Em algumas semanas vou me mudar para viver com a minha tia em uma pequena cidade no interior do estado, decisão mais sabia que minha vó tomou referente a mim, está basicamente impossível viver aqui, as pessoas não conseguem mais ficar perto de mim por medo, devido ao meu incrível temperamento, mas nem sempre foi assim, foi piorando com o tempo, costumo culpar os hormônios da adolescência, mas Joan, meu psicólogo, que vem trabalhando no meu diagnóstico há alguns anos, tem uma opinião diferente, diz que eu tenho um transtorno explosivo, isso faz com que eu tenha oscilação de humor, impaciência, impulsividade e agressividade, e graças a isso, é basicamente impossível conviver comigo, palavras da minha vó, por isso Joan sugeriu um ambiente novo, mais calmo e afastado da movimentação da cidade, visto que suas últimas tentativas foram falhas.

   Enquanto os pensamentos borbulhavam em minha mente, rabiscava a folha de papel em minha mesa, costumava fazer retratos de estranhos, no metrô, no parque, cinema, era um hobby que me ajudava a lidar com o turbilhão de sentimentos que me rondavam; Dessa vez estava desenhando a garota nova, Samantha, ela tinha cabelos longos que estavam amarrados no alto de sua cabeça, os cabelos cacheados enfeitavam seu rosto e ela tinha algumas manchinhas, que foram fielmente retratadas no meu desenho, cada pequeno detalhe que observava era imediatamente copiado no papel, ficava em paz quando retratava algo que era bonito.

  A volta pra casa era sempre o pior.

   Voltar pros julgamentos, pra falta de compreensão e apoio que sofria da minha vó, ela não era culpada, sofreu muito com a morte do meu pai, se tornou reclusa, dura e insensível, culpando indevidamente minha mãe pela morte dele, mesmo ela morrendo junto, o acidente ocorreu cerca de 5 anos atrás, eu tinha acabado de chegar aqui para as férias de verão, tínhamos feito planos, eu e Lucy, minha avó, iríamos ao parque, ao zoológico e a sorveteria, mas em vez disso fomos ao funeral dos meus pais, sem direito a ver o corpo, por conta do ataque ficaram irreconhecíveis, foram atacados por animais selvagens, lobos, na floresta; Eles eram aventureiros, amavam trilhas, acampamentos e esportes ao ar livre, mas infelizmente, o que mais amavam, os mataram, minha avó culpa minha mãe, pois meu pai só adquiriu essa prática depois que se casaram.

–Por que demorou tanto?–Minha vó dispara assim que atravesso a porta, suspiro e a fecho. A encaro, sua expressão era séria, ela me olhava de cima a baixo medindo cada centímetro do meu ser.

–Andei devagar...–Digo tirando o casaco e pendurando, sento nas escadas e tiro os sapatos lentamente, minha avó apenas me encarava.–O que?

–Nada.–Ela diz com desdém enquanto vira as costas. Dou de ombros. Depois do que aconteceu, estamos piores do que nunca. A vejo caminhar para cozinha e após alguns segundos a escuto falar no telefone. Mal sinal.

    Minha vó era peculiar, alta, elegante, tinha cabelos bem cortados e sempre estava com uma maquiagem leve lhe dando um ar saudável, mais saudável do que eu, segundo a descrição da minha própria vó, eu tinha uma aparência desleixada e preguiçosa, não via muito diferente quando olhava no espelho, cabelos secos e sem vida, com um corte sem graça, uma cor opaca, olhos cansados e olheiras visíveis, não muito alta e com um peso mediano, as vezes tendia a ficar a baixo do peso, mas só quando não me alimentava direito, em geral, eu era normal, gostava de coisas normais, músicas tristes, livros de terror, filmes de vampiros, e é claro, desenhar, uma alternativa dessa paixão é tirar fotos, sempre estou fazendo um ou outro, eu vejo beleza no mundo, na natureza, assim como meus pais viam. Claro que tem coisas que me atormentam, pulando a parte de continuar falando sobre meu problema emocional e a orfandade que me persegue, sofro de uma paixão não correspondida fruto da minha própria imaginação, o encontro em sonhos, o sinto em sonhos, é surreal, mas é como se eu pudesse senti-ló, entretanto o que é mais curioso é sua aparência que muda sempre, ora com cabelo cumprido e roupas de época, ora com cabelos curtos e roupas do começo do século, é sempre muito oscilante, menos o que sinto.

   Ele é o meu escape dessa realidade torturante.
  
  O desenho sempre que posso, de todos os jeitos e ângulos possíveis, capturo todas as expressões faciais únicas que surgem de seu rosto, seus olhos se fechando quando sorri, a maneira como as covinhas nascem em suas bochechas e a forma como seu cabelo cai no seu rosto, até mesmo seu sinal no lado esquerdo do pescoço é retratado, a composição do ser que mora em meus pensamentos me transmitem uma paz momentânea.
   As vezes fico triste de me inteirar de que ele não é real e talvez nunca venha a ser, mas acreditar nessa mentira diminui a tristeza em meu ser, Joan acha errado eu me prender em uma realidade fantasiosa e negar a realidade, porém eu discordo.

     Duas batidas ecoam pela porta do quarto interrompendo meus pensamentos.

–Estava conversando com a sua tia, e devido ao que você fez, é lógico que você deve morar com ela o quanto antes. Sua imagem está manchada aqui, eu fiz o impossível pra limpar seu nome na justiça, mas socialmente, ele está mais sujo do que nunca.–Ela praticamente cospe as palavras com um ar autoritário. Continuo calada.–Não vai dizer nada?

–O que a senhora quer que eu faça, vó? Grite? quebre tudo? De novo?!–Digo, ela me olha com desdém.

–Eu espero que você tome uma atitude madura e tranquila pela primeira vez na sua vida, sem fazer escarcéu, apenas arrumando suas coisas...–Ela diz se retirando.

–Assim o farei.–Digo para o completo vazio. 

(...)
   

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⏰ Última atualização: Jun 13, 2022 ⏰

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