05 - Cidadã, parte 3

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Estávamos parados em frente a uma porta sem graça, sem cor e grande. A parte da parede em volta daquela porta também não tinha cor. Era sem decoração nenhuma, até as maçanetas das outras portas eram decoradas. Cada uma com uma cor e tom diferente, parecia que nenhuma cor em Marte era igual à outra, obviamente similar, mas nunca igual.

— Você pode decorá-lo, Pequena Claire. — Loren mais uma vez "leu minhas feições".

Sorri, era bom saber que em breve aquela porta e aquela parte da parede seriam minhas. Então lembrei de minha Acompanhante.

— Eu vou dividir com minha Acompanhante?

— Sim, se vocês não se derem bem, podemos trocá-la. Mas escolhemos ela por sua cor. Como disse, pessoas de cores parecidas têm a tendência de se tornarem amigas mais facilmente, não é uma regra, mas acontece também de nem sempre ser assim.

— Como posso encontrar você?

— Sua Acompanhante pode ajudar com isso, ela tem meu número. Em breve te daremos um celular.

— Imagino que seja algo muito mais avançado do que o último iPhone lançado.

— Definitivamente é mais avançado que um iPhone de última geração. — Loren sorriu. — Só você pode abrir a porta de seu quarto, Pequena Claire.

— Como assim? — arqueei uma sobrancelha.

Loren soltou minha mão e tocou a maçaneta, sem conseguir abri-la. Quando ele afastou sua mão da mesma, gesticulou para eu tentar. Eu não fiz nada diferente dele, apenas girei a maçaneta igualmente, e como Loren disse, só eu poderia abri-la, porque, estranhamente, a pesada porta se deslocou, exibindo para mim todo o imenso quarto.

Quando disse "imenso", não era figurativo. Era totalmente literal (nada redundante de minha parte). O quarto era IMENSO! Deveria ser do tamanho de minha antiga casa, o que não era muito, mas para só um cômodo, sim.

Bem, bem antes da cama, tinha um espaço que eu considerava ser uma sala de estar, com um sofá enorme e uma tevê maior ainda. Parecia um mini cinema. Imaginei vendo meus filmes de terror nela, com todas as dimensões e as melhores resoluções possíveis. O chão era coberto por um tapete, aparentemente macio.

Em uma outra extremidade da sala via-se uma porta, que deveria ser a do banheiro. Um espaço tão grande como esse deveria ter um banheiro, no mínimo. Passando na "sala de estar" subia-se dois degraus para o quarto. O cômodo não era dividido em dois, com parede, como poderia ser, mas aqueles dois degraus limitavam o espaço da sala e do quarto. O quarto era mais largo que comprido. Tinha duas camas de casal, cada uma em um lado, limitando, mais uma vez, sem necessitar de parede, ambos "os quartos". Ambos os lados eram iguais, com uma cama, uma bela estante e uma porta.

— Para que aquela porta? — gesticulei para Loren.

— Closet.

— Sério? — perguntei incrédula. Eu agora tinha um closet?

Eu e Loren estávamos de costas para a porta, olhando para uma gigante janela, que ia do chão ao teto. Era lindo ver Marte dali e impressionante também. A cor entre caramelo e vermelho se sobressaltava. Prédios, casas, teletransportadores e elevadores eram bem visíveis de onde estávamos.

— Sim, há algumas roupas lá dentro do seu tamanho, porém precisam ser tingidas e decoradas da forma que você quiser. Ninguém em Marte tem a mesma roupa, mesmo modelo, talvez, nunca a mesma estampa.

— Eu posso decorar o quarto também? — olhei em volta para o quarto que era todo branco e creme. Horrível, sem graça como a porta e a parede.

— Devemos! Essa cor me dá enjoo. — uma voz detrás de mim e Loren disse adentrando o cômodo.

— Não é só eu que podia abrir a porta? — sussurrei para Loren.

— Só você e ela podem abrir a porta. — Loren se corrigiu. — Ela é a sua Acompanhante.

— Ah! — foi tudo que consegui dizer quando a bela negra do cabelo rosa sorria.

Seu sorriso amplo fascinava-me. Ela tinha uma energia boa. Meio hippie de se dizer, mas ela tinha. Ela sorria, você queria sorrir junto. Ela era alta, talvez uma cabeça mais alta que eu. Magra, com curvas. Vestia um vestido tubinho tão rosa quanto seu black power. Usava com elegância um salto alto nude. E continuava sorrindo, destacando seu piercing prata em sua gengiva.

Reparei naquele momento em suas tatuagens. Na Terra não tinha tinta branca de tatuagem, mas em Marte tinha, tanto que minha Acompanhante tinha diversas tatuagens da cor branca e rosa, obviamente. O senhor negro, Hun, que eu havia conhecido mais cedo, tinha muitas tatuagens, mas todas de um vermelho vivo, sangue. Ela não. Suas tatuagens fechavam seus braços, algumas eram visíveis em suas pernas. Era lindo. Ela era linda.

Minha Acompanhante andava calmamente até nós, ela deveria ter, em anos marcianos, 20 anos. Seu cabelo cacheado mexia em cada passo que ela dava, exibindo vislumbres de vários tons de rosa. Quando ela parou perto de nós, olhei-a nos olhos, vendo sua íris rosa-bebê e suas pupilas rosa-forte.

— Prazer, eu sou Merry Pink. — minha Acompanhante estendeu a mão para mim, ou melhor, o pulso, e então "demos de pulso".

— Prazer, sou Claire Blue.

— Blue? — ela arqueou uma sobrancelha rosa para mim e olhou para Loren. — Azul não combina comigo.

— Azul é seu par, Merry. — Loren riu. — Mas Claire é roxo.

— Oh! Agora faz sentido. Gosto de roxo. — Merry sorria.

— Pequena Claire, tudo bem se eu for embora? Merry pode te ajudar com qualquer coisa que você queira saber.

Assenti incerta.

— Pode confiar em mim, Pequena Claire. — Merry disse rindo, mas não foi de uma forma irônica, parecia se divertir por Loren ter inventado algo tão óbvio, e não pelo apelido em si.

* * *

Depois que Loren foi embora, eu e Merry sentamos na cama do lado direito, o qual eu escolhi para mim. Não fazia diferença, ambos eram iguais, mas minha Acompanhante insistiu que eu deveria escolher um lado.

— Você está cansada? — Merry perguntou.

— Não, dormi por quase 24h no elevador.

— É, dizem que o elevador tem efeito sonífero. Melhor dormir que encarar seu Rastreador sem nenhum assunto. — ri. — Afinal, você veio em que velocidade e quem foi seu Rastreador?

— Um dia.

— Uau! Um dia? — assenti. — Você, garota, é intensa! Sua cor deveria ser vermelho.

— Não gosto muito de vermelho.

— Oh! Nem eu. Já combinamos. — Merry sorriu. — E sobre seu Rastreador?

— James Sky — lembrei-me de Loren dizendo que quando eu falasse sobre outra pessoa deveria citar seu sobrenome para o reconhecimento ser mais fácil.

— Mmm... — Merry encarava-me fixamente. — Ele é sexy. Estudou comigo na mesma sala há alguns anos.

— Sério?

— Sim, eu tenho 20 anos. Achava-me com cara de quantos?

Sorri, Merry era meio doida, de um jeito bom.

— Você gostou dele, não é? — ela analisava-me cautelosamente.

Qual seria seu poder, afinal?

— Não o conheci direito... — respondi, e senti-me ficar involuntariamente vermelha nas bochechas.

Inferno! Eu detestava demonstrar tudo em meu rosto. Eu era óbvia demais, não era nenhum pouco difícil para Loren ler minhas feições.


A EstranhaWhere stories live. Discover now