:: O verão, o futuro e o agora ::

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O sereno crepúsculo solar se estendia infindavelmente sobre nossas cabeças, anunciando com sua vagarosa chegada o fim de mais um dos intermináveis dias daquele extenso verão. Para ser mais exato, o fim do último dia do verão.

Aquela era uma terça feira como qualquer outra, nada de especial havia acontecido ou ainda aconteceria. Aquele era apenas mais um dia qualquer, pertencente a um mês qualquer, dentro de um ano qualquer. E ali estávamos nós dois, em uma praia qualquer, em um lugar um tanto quanto isolado, ambos sentados em frente à grande praia que se estendia além da nossa limitada visão.

A areia branquinha e fofa ao nosso redor já estava começando a ficar parcialmente gelada, devido à falta de calor proveniente dos raios solares que já haviam partido a algum tempo. As águas um pouco mais à nossa frente se moviam serenas, sem pressa, sem grandes determinações. Elas iam e vinham em um movimento suave e pertencente somente a elas, criando pequenas marolas que a todo instante se quebravam suavemente na areia e que logo se formavam novamente.

Em um ciclo sem fim daquilo que era eterno.

Mas diferentemente das ondas que iam e vinham em seu vagaroso ciclo, o que acontecia além delas, não possuía nada de eterno.

Aquele era o último dia de um grande verão, do melhor dos verões. O último dia dos sóis quentes do meio dia, dos sorvetes derretidos que escorriam pelos nossos dedos, das músicas horrendas que apenas nessa época existiam e dos dias interminavelmente compartilhados.

Noventa dias haviam se passado e agora era hora de voltar para casa. Para a realidade chocante de uma vida real.

Casa, onde havia tudo e onde estava tudo o que eu conhecia. Exceto ela.

Essa é uma daquelas histórias que não acreditamos serem reais. Daquele tipo que lemos em livros e que assistimos filmes a respeito. Uma história sobre verão, sobre sol, sobre amor.

Uma história sobre como todas essas coisas juntas podem transformar dias curtos e contados, em eternos. Porque foi isso o que aquele verão foi. Na magnitude dos seus noventa dias, ele foi eterno.

Eu ainda poderia sentir o sol queimando a minha pele se fechasse bem os olhos, ainda poderia sentir a movimentação da água embaixo da minha prancha e a sensação maravilhosa que uma boa limonada trazia ao longo de um dia extremamente quente. Se eu fechasse bem os olhos, eu ainda poderia sentir um frio na barriga, o único frio que existia naquela estação. E se eu pensasse por apenas um único segundo, ainda poderia sentir os lábios dela sob os meus.

É engraçado como essas coisas são. Você nunca imagina que irá se apaixonar perdidamente por alguém, até que finalmente acontece.

O nome dela era Ana, Clara, Amanda? Não importa. A única coisa que importa é o fato de que eu a conheci naquele verão. Coincidência, destino, sina? Escolha a opção que lhe convém.

Aquele era o último verão livre de responsabilidades. Em breve a vida real seria atirada com toda força em cima de mim, mostrando o quão tempestuosa ela sabia ser, tão violenta e arrasadora quanto uma inesperada tempestade de verão. Eu havia terminado o Ensino Médio alguns meses antes, ou seja, a quantidade de caminhos que me aguardavam depois daquele dia pareciam tão intermináveis quanto as águas serenas do grande mar azul.

Faculdade? Carreira? Amadurecimento?

Que me desculpem os criadores dessas ideias perfeitas, mas em vez disso tudo, preferia ter apenas mais um dia de verão. Era o suficiente.

Em baixo daquela imensidão de cores aquarelares que se estendiam sob o céu, as responsabilidades, a carreira e a vida, poderiam esperar.

Me deitei de costas, sob meus braços, por cima da areia já fria e esfarelante, e fitei a imensidão eterna que era o manto que nos cobria. Algumas estrelas já começavam a aparecer timidamente no horizonte, umas aqui, outras ali, aos poucos formando linhas e formas cuidadosamente montadas. Transformando um céu a pouco tempo límpido, em um manto repleto de brilho e de vida. Tudo estava tão calmo, tudo estava tão sereno. Tudo estava tão... certo.

Meus olhos começaram a pesar, como se eles quisessem terminar aquele dia com aquela última imagem. Com a imagem da interminável perfeição.

— Você precisa contar a eles. — Ouvi a voz suave dela ao meu lado soar como melodia em meus ouvidos desatentos.

— A quem? — Olhei para o lado, vendo sua silhueta desaparecer em meio à escuridão que se formava ao nosso redor. Mas mesmo com a pouca claridade, ainda seria capaz de desenhar perfeitamente o formato de seu rosto.

Seus olhos grandes e redondos, seu nariz parcialmente arrebitado, o modo como seus lábios franziam quando ela ficava envergonhada, o modo como seus lábios ganhavam vida quando nos beijávamos.

— Aos seus pais. Precisa contar a eles que não quer ser um médico, um advogado ou qualquer coisa do tipo. — Ela prosseguiu dizendo, mas ao mesmo tempo que estava perto, soava tão distante, como se pertencesse a uma realidade que se afastava de onde eu estava.

— E o que eu supostamente quero ser? — Perguntei em um fio de voz que ainda me restava. Minhas pálpebras estavam cada vez mais pesadas e a minha respiração cada vez mais lenta e profunda. Estava a poucos passos de uma nova realidade.

— Isso só você poderá decidir. — Ela soou séria. Chegava a ser engraçado o fato de ela estar novamente se preocupando demais com coisas que estavam fora de seu controle, que estavam fora do meu controle. 

Apenas dei um sorriso contido antes de respondê-la.

— Ela pode esperar um pouco mais. — Gesticulei positivamente com a minha cabeça, ou pelo menos, em minha imaginação eu havia gesticulado. Já não estava mais plenamente consciente do que nos rodeava.

— Quem pode esperar? — Ela me olhou atentamente com suas duas esferas cor de rubi, tão brilhosas e questionáveis como no dia em que nos conhecemos. Três meses antes.

— A vida... — Foi tudo o que consegui dizer antes de me entregar completamente ao desconhecido.

Não saberia dizer se ela falou mais alguma coisa depois disso. Talvez ela tenha se irritado com a resposta, como costumava acontecer quando tratávamos desse assunto. Ou talvez ela tivesse finalmente se dado por vencida e tenha decidido ir embora. Não sei.

A grande verdade era que o verão poderia ser inesquecível, mas a vida ainda continuava depois dele. Ela iria para algum lugar viver a vida dela e eu iria para outro viver a minha. A realidade que nos esperava era dura e crua, sim, mas era a única certeza que possuímos.

Acordei apenas algumas horas depois, com o céu já repleto de estrelas sob a sua imensidão e com uma lua brilhante bem acima de mim. O vento fresco e gélido que soprava se rebatia suavemente contra meu rosto e o mar mais à frente continuava sereno e constante. O ciclo ainda era o mesmo.

A eternidade continuava a mesma. Sempre e sempre.

Mas não ela.

Nunca mais vi a Joana, Flávia, Alana. Ela provavelmente havia partido logo depois que peguei no sono e seguiu o seu rumo próprio para a vida. Mas tudo bem, aquilo não era um grande problema. A vida poderia sim esperar, mas o fim do verão, não.

Eu amei aquela garota com toda a força que um amor construído nos dias quentes poderia sentir. Mas é como diz mais ou menos aquela música...

"Nós éramos legais para o verão". E só.

O fim do verão não esperava, e ela também não.

Talvez houvesse um motivo para termos nos encontrado naquela estação. Talvez fosse a vida querendo nos dar uma última mostra do que era a liberdade antes de acabar com ela. Ou talvez tenhamos nos encontrado simplesmente porque ambos adorávamos milk shake de Nutella e coincidentemente nossos pedidos foram trocados naquele domingo de sol escaldante.

De qualquer forma, a vida ainda me esperava, vagarosa, calma, serena. Mas ainda restavam algumas horas antes do fim definitivo do verão, e eu não estava com a menor pressa.

Só precisava de mais um momento de pura eternidade.

A vida ainda podia esperar um pouco mais... e eu também.

A Vida pode Esperar [Conto]Where stories live. Discover now