— O universo é aqui — com essa afirmação a primeira aula do dia começou. O professor, um homem na casa de seus trinta e alguns anos, vestindo uma roupa bem normal, disse essas únicas palavras logo que entrou na sala. Foi silêncio que o recebeu, sóbrio e inconveniente. — Alguém poderia me explicar por quê?
E foi com o próprio silêncio que continuou. Quem ousaria ser o primeiro a levantar a mão e chamar atenção de todo mundo? Pois é.
— Vocês realmente não sabem? Ou estão com vergonha de me responder? — ele apertou os olhos cor de terra. Rastreou a turma B inteira, em busca de um entendimento superficial que logo veio: não eram tão diferentes das outras crianças que entraram ali há um ano. — Bem, vou aumentar a aposta então. Valendo o primeiro ponto do semestre. O universo é aqui. Por quê?
No "quê", mais da metade da turma já havia erguido o braço, todos dispostos a começar em vantagem ali. Mas o professor passou por uma, duas, três, quarto, sete, doze pessoas e nenhuma delas dava uma resposta que o deixasse satisfeito. Alguns chegavam tão longe que por um segundo ele se perguntou se estavam no lugar certo de fato. Isso até chegar a vez de Dara, que o encarava como se os dois tivessem um segredo no qual ninguém mais tinha consciência.
— O universo é aqui porque nós somos o universo. Acho que não em um sentido físico da coisa, mas lógico — ela começou e algumas risadinhas debochadas ecoaram no resto da classe. As ignorou com tanta elegância quanto era capaz. — Se o universo engloba tudo, então ele está aqui, em toda parte. Em nós.
Depois da explicação da garota, o professor desistiu. Fez um sinal para que todos abaixassem as mãos e não pôde evitar esboçar um sorriso frente a tantas respostas espirituosas. A verdade era que raramente seus alunos novos saiam já na primeira aula com um ponto ganho. Não seria diferente daquela vez. Contudo, isso não o impediria de ao menos tentar; gostava de dar uma chance ao acaso.
— Ninguém chegou muito perto da resposta que eu gostaria, mas foi bom ouvir as opiniões diversas sobre a questão. Na verdade, o universo é aqui porque no estudo da cartografia, tudo é um universo. Se você desenha um mapa do deserto, nós já estamos em um universo. Sei que pode parecer uma resposta um tanto quanto rasa e que alguns de vocês tiveram pontos de vista filosóficos o bastante — nesse momento, ele olhou para Dara, que queria escorregar na carteira; e o fez. —, mas é simples assim. O deserto é um universo. O mar é um universo. O planeta Terra é um universo também. Tudo é um universo dentro de outro. — Uma pausa e as palavras "Navegação I" surgiram no quadro digital atrás do professor. — Meu nome é Marco Wask, eu trabalhei com a equipe de astrônomos que delimitou o primeiro mapa oficial da via láctea e proximidades, e eu vou ser o professor de Navegação de vocês ao longo desses quatro anos.
Ainda que estivessem cientes de que aquele era o primeiro passo para um futuro promissor, parecia inevitável o estranho formigamento da excitação. Dara talvez fosse a mais afetada: estava naquele deserto para isso. Foi para aprender tudo que Marco tinha a ensinar que decidiu entrar para a Academia. Queria ser uma navegadora e aquele era o seu caminho.
Cada palavra dita por ele soava como algo religioso. Ele era seu padre; a aula, a missa.
— Alguns de vocês podem ter entrado aqui com prioridades diversas. Nós podemos ter futuros Pesquisadores, Astrônomos e por quê não? Capitães também. Se você quer ser capitão ou capitã de sua própria nave, você tem que ser um bom navegador. Mas mais importante do que isso, você tem que ter um bom navegador — no quadro que antes continha o nome da aula, agora exibia um mosaico de imagens de diversas pessoas. Quase ninguém ali saberia dizer quem eram. Apontou para uma mulher com a pele cor de café ao leite, que posava com um sorriso orgulhoso, apoiada sobre uma mesa. Em sua frente uma projeção holográfica do planeta Terra. — Carling Foyer. Talvez o nome não signifique nada para vocês, talvez já tenham ouvido falar dela. Em todo caso, ela é a primeira pessoa que vocês vão conhecer, pois essa mulher na foto foi a criadora do Sistema Foyer de Mapeamento, que serviu como a base para todos os outros criados depois.
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Estelar
Science FictionNuma outra TERRA, a vida floresceu em circunstâncias diferentes das nossas. O contato com civilizações alienígenas possibilitou a expansão de um território ainda pouco explorado pela humanidade: o espaço. É dentro desse universo que cresceu um grupo...